Infelizmente, este é mais um texto sobre agressão a travestis por policiais. Na semana passada, escrevi a respeito da perseguição que a população T sofre em um bairro nobre de São Paulo. Desta vez o crime ocorreu em Porto Alegre, na Rua Ramiro Barcelos, em plena luz do dia.
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Um vídeo chocante mostra um policial militar agredindo uma travesti negra durante o que parece ser uma abordagem
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Em seguida uma brigadiana se aproxima, mas não faz questão de interromper o abuso ou chamar a atenção de seu colega. O material foi denunciado ao gabinete do vereador Roberto Robaina (PSOL) – que, junto com Luciana Genro, se reuniu com o governador José Ivo Sartori (PMDB) e o secretário de segurança Cezar Schirmer para apresentar oficialmente o caso e cobrar providências.
Vídeo flagra o momento em que travesti é agredida por policial militar na rua Ramiro Barcelos, em Porto Alegre.
Este caso, felizmente, chegou às mãos de autoridades políticas comprometidas com a luta LGBT. Isso, aliado com a ampla cobertura da imprensa, pode fazer com que alguma atitude seja tomada pelo Estado em relação à conduta dos servidores envolvidos. Mesmo assim, é preciso estar muito vigilante, pois o percurso que este tipo de denúncia toma nos escaninhos da burocracia policial quase sempre resulta em arquivamento. Ou em pizza, para utilizar um jargão da política.
Como repórter, já acompanhei diversos casos de abuso de autoridade por parte da polícia. Talvez o principal deles tenha sido o de dois jovens africanos que foram humilhados por uma brigadiana dentro de um ônibus. Tive uma longa conversa com eles, que retratei nesta reportagem. Percorri a cadeia de comando policial atrás de explicações, de respostas e de informações sobre o andamento das investigações. No fim, a servidora foi inocentada, mesmo tendo – sem nenhuma justificativa que não fosse o racismo – apontado uma arma carregada para dois jovens inocentes dentro de um ônibus em movimento, numa conduta que expôs todos os passageiros ao risco de levarem um tiro.
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A diferença é que agora existe um vídeo comprovando a denúncia
E existem agentes públicos dispostos a pressionar até mesmo o comandante em chefe da Brigada Militar – a saber, o governador – para que alguma providência seja tomada
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Sempre que uma denúncia dessas vem à tona, surgem apressados defensores da polícia para dizer que se trata de um “caso isolado”. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo, especialmente a população de travestis e transexuais. Nosso modelo policial é uma herança nefasta da ditadura militar que permaneceu intocada desde a redemocratização. Este tipo de conduta é praticamente uma tradição consagrada na polícia. Está longe de ser um “caso isolado”.
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Investigações independentes
Mudar esta realidade é uma luta que mesmo os policiais que entendem a importância do respeito aos direitos humanos precisam travar dentro da corporação. O sistema é estruturado para proteger este tipo de conduta criminosa. A rígida estrutura militar prevê punições severas para qualquer tipo de desrespeito à hierarquia policial, mas pouco ou nada faz em relação a condutas abusivas da tropa contra a população que deveria proteger.
É absurdo que a própria Brigada Militar seja responsável por avaliar as denúncias que chegam contra os integrantes da corporação. O mesmo vale para a Polícia Civil. Corregedorias vinculadas à própria instituição são o caminho mais seguro para o “deixa disso” do corporativismo.
Neste sentido, é importante a defesa que o ex-deputado Marcos Rolim faz da criação de uma corregedoria independente no Estado. Um órgão sem ligação direta com as polícias que atue para investigar denúncias de abuso e descontrole dos agentes. Não é algo que depende do governo federal. Trata-se de uma mudança institucional que cabe aos governadores e deputados estaduais aprovarem.
Enquanto isso não ocorre, seguimos lutando com as armas que temos e aproveitando todas as fissuras que existem dentro do sistema para criar brechas em favor de uma nova cultura democrática dentro dos rincões mais autoritários do Estado. Se os policiais entenderem que não podem esbofetear travestis – ou qualquer cidadão – durante uma simples abordagem, já teremos conquistado uma importante vitória. Mais uma, no marco de muitas que ainda precisam ser consolidadas.
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