A Guerra de Canudos e suas verdades
A Guerra de Canudos foi um lastimável e sangrento conflito armado, iniciado em novembro de 1896, envolvendo de um lado pobres sertanejos, que viviam em casebres miseráveis no interior da Bahia, seguidores do líder religioso Antônio Conselheiro, e de outro lado as tropas regulares fortemente armadas do Exército Brasileiro da Primeira República, durante a presidência de Prudente de Morais.
O assunto já foi tema de muitas pesquisas históricas, em virtude da repercussão social que alcançou, da enorme quantidade de vítimas, da selvageria com que os prisioneiros foram tratados, e da heróica resistência que um grupo de miseráveis maltrapilhos impôs contra as tropas oficiais do exército, bem treinadas e fortemente armadas. Calcula-se que tenham morrido mais de 25.000 pessoas durante os combates!Na verdade, Canudos se chamava Comunidade de Belo Monte e era uma espécie de quilombo, onde se abrigavam maltrapilhos, negros, índios, sertanejos desempregados, jagunços e ex-escravos, formando uma comunidade que procurava se unir para escapar da seca, da fome, da miséria e das condições adversas da sociedade nordestina daquela época.
Canudos em 1897 |
A elite agrária nordestina estava preocupada com a perda da mão de obra barata porque muitos trabalhadores rurais estavam abandonando as propriedades e rumando para Canudos, que assim crescia rapidamente.
Como já sabemos, a preocupação maior do Exército Brasileiro não foi a de resolver pacificamente aquela situação, mas sim apagar a imagem humilhante das derrotas anteriores sofridas para os sertanejos, não fazer prisioneiros e apagar da memória daquele povo baiano os ideais de liberdade e resistência social pregados pelo grupo de revoltosos. Tudo leva a crer que o Governo Brasileiro ficou com receio de que aquelas ideias se espalhassem por outros lugares, e tratou de reprimir, com exemplar crueldade, aqueles pobres miseráveis que lá viviam!
Abaixo temos um link para um vídeo que analisa alguns aspectos interessantes da Guerra de Canudos, e mostra alguns parentes dos sobreviventes comentando os acontecimentos:
Vídeo sobre a Guerra de Canudos e alguns sobreviventes comentando os fatos
Durante a quarta expedição, enviada para combater os sertanejos, o Ministro da Guerra, Marechal Bittencourt, presente naqueles acontecimentos, e não podendo abrigar e alimentar os prisioneiros que se renderam no final dos combates, e que eram mais de 550 pessoas, inclusive feridos, velhos, mulheres e crianças, ordenou pessoalmente que todos fossem degolados!
O que mais chamou a atenção nestes trágicos episódios foi a grande preocupação que o Governo Brasileiro teve de querer esmagar totalmente alguns ideais de liberdade e independência social daqueles pobres sertanejos da Bahia, que se opunham à ordem social vigente naquela época, e almejavam um tipo de vida livre da opressão imposta pelos grandes latifundiários do nordeste. Este tipo de preocupação justifica-se, em virtude do Governo Brasileiro da Primeira República ser controlado por grandes proprietários de terras, que não viam com bons olhos a ideologia libertária defendida pelos miseráveis da Comunidade de Belo Monte. Pessoalmente, eu considero Belo Monte como sendo a primeira grande comunidade alternativa brasileira!
Para entender melhor estes acontecimentos históricos é preciso fazer antes uma análise da situação social e política do ambiente regional onde os acontecimentos ocorreram e estudar alguns dos personagens principais que participaram destes eventos.
Antônio Conselheiro foi um beato que percorreu os sertões do nordeste pregando a religião que julgava ser a ideal para o povo sofrido da caatinga. Seu verdadeiro nome era Antônio Vicente Mendes Maciel e ele nasceu no Ceará, em 1830, na cidade de Quixeramobim, estudou muitas disciplinas, inclusive o latim, e trabalhou também como professor e escrivão, em duas cidades diferentes. Depois que foi abandonado pela esposa, passou a vagar pelos sertões pregando a religião cristã e procurando arrebanhar adeptos. Casou-se mais uma vez, com uma mulher de nome Joana, com a qual teve um filho. Abandonou depois sua família, e voltou à sua peregrinação pelos sertões do nordeste, trabalhando como construtor de igrejas e cemitérios, ofício que aprendeu com o seu pai. Algumas das igrejas e capelas que Conselheiro construiu, nos povoados por onde passou, deram origem, mais tarde, a algumas cidades do Nordeste.
Conselheiro era um líder carismático e defendia um cristianismo primitivo, sem ostentações. As autoridades eclesiásticas começaram a ver nele uma ameaça à ordem estabelecida porque ele atraía um grande número de adeptos que se identificavam com as suas palavras.
Antônio Conselheiro em Belo Monte |
Conselheiro também foi escritor, e o primeiro livro de apontamentos que ele escreveu foi chamado de “Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Este livro foi conservado por José Calazans e depois doado para a Universidade Federal da Bahia.
Finalmente, Antônio Conselheiro se dirigiu para os sertões da Bahia onde, em 1893, nas margens do Rio Vaza-Barris, fundou a Comunidade de Belo Monte, apelidada mais tarde de “Arraial de Canudos”. O nome Canudos vem da planta canudeiro, que era usada pelos sertanejos pobres da Bahia para fazer os seus cachimbos de fumo.
Em 1893, fazia apenas quatro anos que a República havia sido proclamada e apenas cinco anos que os escravos tinham sido libertados definitivamente! Conselheiro era um religioso conservador, e gostava de defender a antiga Monarquia. Os fazendeiros do nordeste e as autoridades eclesiásticas se aproveitaram desta sua ingenuidade para acusá-lo de monarquista e de querer derrubar o regime republicano!
A Comunidade de Monte Santo cresceu rapidamente em torno da figura carismática de Antônio Conselheiro, que se mostrou um administrador competente, criando um modo de vida alternativo e solidário no meio do sertão. Seus ajudantes eram sertanejos simples, porém esperançosos, e que viam na comunidade a oportunidade de terem uma vida menos sofrida. Clique no link abaixo para ver um vídeo que mostra como as coisas aconteceram, utilizando interessantes bonecos de marionetes:
Vídeo interessante da TV Cultura sobre a Guerra de Canudos
Entre as principais pessoas, que ajudaram Conselheiro na organização da sua comunidade, estavam João Abade, Pedrão de Várzea da Ema, Norberto das Baixas (antigo fazendeiro daquelas regiões), Leão de Natuba (secretário que o ajudou a escrever o seu livro), Antônio Vilanova (comerciante), o ex-jagunço Canário, Manuel Ciríaco (um negro sertanejo que nasceu na região do Rio Vaza-Barris), e o brilhante estrategista sertanejo Antônio Pajeú, um ex-escravo negro que nasceu em Pajeú das Flores, no Estado de Pernambuco.
Na verdade, apesar de possuir entre os seus habitantes pessoas rudes, forjadas no Sol da caatinga, e até alguns que abandonaram o cangaço, a Comunidade de Belo Monte procurava levar a sua vida rotineira de maneira ordeira, produzindo o seu próprio sustento e vendendo o excedente nas feiras da região. Mas, as autoridades da Igreja e os grandes fazendeiros viam naquela comunidade de miseráveis excluídos uma ameaça, pois estavam perdendo fiéis e a mão de obra barata que eles estavam acostumados a explorar! Assim, as autoridades eclesiásticas da Igreja, alguns membros da Maçonaria Brasileira, e os latifundiários do nordeste decidiram reunir forças para espalhar falsos boatos, criar notícias na mídia e pressionar os políticos do Estado da Bahia para acabar com aquela situação! Eles é que foram realmente os grandes culpados pelos trágicos acontecimentos históricos que aconteceram depois!A manipulação da opinião pública pelos meios de comunicação sempre foi, e continua sendo, um grande problema no Brasil! Antônio Conselheiro foi falsamente acusado de ser o líder de um movimento guerrilheiro que queria derrubar o Governo Republicano. Assim, um clima de ódio, desprezo e preconceito social, contra aquela comunidade do interior do Nordeste, foi propositalmente incutido na mente da população pela mídia e pelo Governo Brasileiro.
A situação se agravou ainda mais quando Conselheiro passou a pregar a desobediência civil, o não pagamento dos impostos e contra o casamento nos Cartórios Civis, pois ele defendia apenas o casamento religioso.
O estopim da Guerra de Canudos foi uma partilha de madeira para cobrir o teto da Igreja Nova, que viria da cidade de Juazeiro. A madeira foi paga por Conselheiro, mas não foi entregue porque o Juiz de Direito de Juazeiro, Arlindo Leone, convenceu o vendedor a não enviar a madeira. Conselheiro mandou um grupo buscar a madeira paga, mas o Juiz Leone, que era um antigo desafeto do beato, telegrafou para o Governador da Bahia, Luís Viana, dizendo que o Conselheiro estava criando dificuldades, querendo resgatar a madeira à força, e inclusive ameaçando invadir a cidade de Juazeiro.
Foi o pretexto que faltava! Imediatamente, a primeira expedição do Governo da Bahia contra Canudos foi enviada, no dia 06 de novembro de 1896, sob o comando do Tenente Pires Ferreira. Assim começou a famosa Guerra de Canudos!
A Primeira Expedição Militar foi composta por 113 praças, 3 oficiais, 1 médico, 2 guias e uma ambulância. Vieram de trem, pela Estrada de Ferro Bahia-São Francisco, e chegaram em Juazeiro no dia seguinte. Ficaram esperando pelas tropas de Conselheiro por 5 dias. Como os inimigos não apareceram, decidiram marchar para Canudos, viajando cerca de 150 quilômetros pela caatinga inóspita. Depois de uma semana de marcha, no dia 19 de novembro, a expedição chegou na localidade de Uauá, onde decidiram acampar na praça.
Somente na manhã do dia 21 de novembro os soldados são surpreendidos por uma procissão vinda de Canudos, entoando cantos religiosos e carregando uma grande cruz de madeira. Vinham mais com o objetivo de protestar, junto àquelas tropas estaduais, pela não entrega da madeira que haviam comprado para cobrir a Igreja Nova, onde um sino já havia sido colocado.
Os sentinelas daquele pelotão tinham acabado de acordar, e ainda estavam meio sonolentos, mas ficaram apavorados com aquela tropa de maltrapilhos e acreditaram que se tratava de um ataque e deram o alarme. Os manifestantes não portavam armas significativas, apenas vinham em grande número e com ferramentas, facões, foices e alguns bacamartes. Alguns faziam parte da chamada “Guarda Católica”, criada pelo gênio administrativo de Antônio Conselheiro, e naquele dia estavam sob o comando do seu chefe, o devoto João Abade.
Sertanejo do Nordeste |
A expedição militar, que nesta altura não tinha mais forças e nem coragem para atacar Canudos, resolveu retornar para Juazeiro. Entretanto, antes de se retirar, a expedição saqueou e incendiou a Vila de Uauá. Esta retirada dos militares foi interpretada pelo povo daquelas regiões, como uma vitória dos “Conselheiristas”, ou “Belomontenses”.
O prestígio do Bom Jesus Conselheiro cresceu ainda mais entre os excluídos do Nordeste, causando um aumento no número de pessoas que iam para Belo Monte ajudar aquele homem, considerado por eles um santo enviado por Deus.
A maioria dos moradores de Belo Monte era composta por ex-escravos negros que vagavam pelos sertões à procura de emprego e eram marginalizados pelos grandes latifundiários do Nordeste. Naquela comunidade eles podiam pelo menos ganhar um pequeno pedaço de chão para plantar e tentar sobreviver. Dentro da comunidade não circulava dinheiro, tudo era dividido irmanamente porque o regime era coletivista. Mas já existiam alguns comerciantes negociando com a comunidade de Belo Monte, que conseguiu expandir a sua agricultura e a criação de alguns animais, como os caprinos.
Aos poucos, os moradores da comunidade foram tomando consciência do terrível destino que os aguardava... Perceberam então que a situação era séria, muito séria mesmo e que, a partir daquela data, teriam que se organizar de outra maneira, para enfrentar um perigo ainda maior que fatalmente viria para lhes atingir...
A partir destes acontecimentos sai de cena a figura de Antônio Conselheiro e começam a surgir as figuras de outros líderes importantes que estavam por trás da organização da Comunidade de Belo Monte.
A história falha, ao pesquisar o conflito, porque não “dá nome aos bois”, e fica analisando mais a figura de Antônio Conselheiro. Conselheiro era apenas um líder religioso fanático, mas ele não entendia nada de combate e organização militar. Por isso, ficou mesmo encarregado das ações civis e religiosas dentro da comunidade, deixando para outros líderes a organização das defesas e dos futuros combates. Estes outro líderes comunitários eram as pessoas que na verdade chefiavam e organizavam as ações administrativas e militares.
Pedrão e Manuel Ciríaco, antigos guerrilheiros de Canudos |
Outro líder da Comunidade de Belo Monte foi o negro Antônio Pajeú, um ex-escravo pernambucano, natural de Pajeú das Flores. Pajeú, que também já havia trabalhado como policial, assumiu o comando da defesa do arraial, cavou algumas trincheiras, colocou sentinelas nas torres da Igreja Nova, espalhou vigias pelas redondezas e procurou organizar as táticas de guerrilha. Ele conhecia alguns conceitos militares, que tratou de ensinar para os seus companheiros, entre os quais Joaquim Macambira Filho, que era um dos filhos de um pequeno fazendeiro daquela região, mas que passou para o lado dos Conselheiristas de Belo Monte. Macambira era quem fazia os contatos comerciais externos para a comunidade, e que envolviam a comercialização do excedente agrícola.
Antônio Pajeú é pouco lembrado pela história, mas sem dúvida, ele foi um grande estrategista e foi o grande vulto militar da Guerra de Canudos. Ele organizou as principais ações de guerrilha. O Arraial de Canudos somente caiu depois da sua morte e da morte do Conselheiro.
Outro líder, que surgiu no clamor das lutas, foi o guardador das imagens santas do povoado, Antônio Beatinho. Durante a quarta expedição, já nos finais dos combates, Beatinho morreu degolado pelos soldados, depois que se rendeu. A prática da degola era muito usada pelo Exército Republicano, que a apelidava de “gravata vermelha”. Consistia no corte do pescoço, corte da veia jugular do pescoço, e na extração da língua do prisioneiro para fora, que ficava pendurada no pescoço como se fosse uma gravata vermelha!
Havia também o sineiro da comunidade, que era o baiano Timotinho Sineiro. Todo dia, por volta das 18 horas, Timotinho batia o sino da Igreja Nova, ou Igreja do Bom Jesus de Belo Monte. Morreu vítima de uma bala de canhão que destruiu a torre onde ficava o sino, durante a quarta expedição.
Norberto das Baixas também foi outro influente líder. Antes de se juntar à Comunidade de Belo Monte ele foi um pequeno fazendeiro perto da Vila de Bom Conselho.
Manuel Faustino Feitosa, líder dos operários que construíam a igreja, foi o mestre de obras que dirigia a construção da Igreja de Bom Jesus do Belo Monte. Também era entalhador de altares e vinha acompanhando Conselheiro desde quando ele veio do Arraial do Bom Jesus.
Antônio Marciano dos Santos, conhecido como “Marciano de Sergipe”, também foi uma pessoa muito influente. Natural do povoado de Samba, em Sergipe, onde o Conselheiro construiu uma capela e um cemitério, ele reuniu sua família e partiu, junto com Conselheiro, para a Bahia.
Um dos líderes mais influentes foi Antônio Vilanova, que cuidava da contabilidade e exercia as funções de juiz. Antônio era o mais próspero comerciante do povoado e possuidor da melhor loja de Belo Monte. Ele foi o responsável pela guarda das armas e munições durante a guerra.
João Abade era o chefe da Guarda Católica, e braço direito de Conselheiro. Ele era o “comandante da rua”, responsável pela segurança do povoado e a pessoa que prendia os contraventores numa cadeia local. Depois do Conselheiro, Abade e Vilanova formavam a dupla mais importante do poder decisório da sociedade de Belo Monte.
A influente parteira da comunidade era uma senhora chamada Dona Benta. Paulo José da Rosa era amigo pessoal e protetor de Conselheiro. Ninguem falava com o "santo" sem antes falar com ele!
Havia também entre os Belomontenses alguns índios das nações Caimbé (de Massacará), Tuxá (de Rodelas), e os Kiriri (de Mirandela). Alguns dos militares que atacaram Canudos foram feridos por flechas! Entre estes índios estava Manoel Quadrado, que era o Pajé dos índios Tuxas, de Rodelas, e que também conhecia muitas ervas e era o curandeiro de Belo Monte. Também tinha o índio Antônio Fogueteiro, da tribo Kiriri, de Mirandela, e responsável pela fabricação dos foguetes usados durante as festas.
Preocupado com a repercussão negativa da derrota das forças estaduais, o governador da Bahia, Luís Viana, tratou de organizar e enviar contra Canudos a Segunda Expedição Militar. Ela era composta por 609 soldados, 10 oficiais, 1 médico, 1 enfermeiro, 1 farmacêutico, 2 canhões e 3 metralhadoras. A segunda expedição estava sob o comando do Major Febrônio de Brito e se dirigiu para a cidade de Monte Santo, onde acampou, no dia 29 de dezembro, e foi recebida com festas pela população do local. Eles estavam confiantes numa vitória dos militares.
Duas semanas depois, no dia 12 de janeiro de 1897, a expedição militar deixa a cidade e se dirige para Canudos, mas já estava sendo observada pelos vigias de Pajeú. Enquanto isso, em Belo Monte, Conselheiro terminava o seu segundo livro, intitulado “Tempestades que se levantam no coração de Maria”, (que foi editado somente em 1974, pela Editora Nacional, em revisão organizada por Ataliba Nogueira). Quem o ajudou na obra foi o seu auxiliar, Leão de Natuba, que tinha uma boa caligrafia.
No link abaixo podemos ver um vídeo que nos mostra algumas fotos históricas e outras de imagens relacionadas com Canudos:
Vídeo mostrando fotos da guerra e da região de Belo Monte
A segunda expedição militar se aproximava do Morro do Cambaio quando foi emboscada várias vezes pelos franco atiradores, espalhados por Pajeú no meio das pedras e rochedos, sofrendo várias baixas. As lutas duraram mais de 5 horas, com baixas de ambos os lados, mas os rebeldes conselheiristas sofreram as mais pesadas baixas. A expedição militar prevaleceu e conseguiu avançar até perto de Canudos, onde acampou, no final da tarde, nas margens da Lagoa do Cipó. Na manhã seguinte, houve um novo ataque das forças belomontenses, que perderam muitas vidas, em virtude de terem que lutar em campo aberto.
Mas, as forças militares estavam esgotadas, com 10 soldados mortos e 70 feridos. A Lagoa do Cipó teve seu nome mudado depois para Lagoa do Sangue, em virtude das suas águas ficarem vermelhas com tanto sangue que foi derramado naquele dia. Por isso, ao final da tarde, os militares resolveram se retirar, sendo perseguidos e emboscados constantemente pelos rebeldes.
A notícia da segunda derrota deixou as autoridades estaduais muito preocupadas. Os boatos de que o Conselheiro estava preparando um forte ataque para a capital Salvador se espalharam e deixaram a população temerosa. Os boatos eram de que uma horda de negros maltrapilhos, e sedentos de sangue, se aproximava de Salvador para se vingar e acabar com a classe dominante! O Governador da Bahia, Luís Viana, sentindo-se incapaz de resolver aquela situação, solicitou a ajuda do Governo Federal.
Prudente de Morais se reuniu com o Vice-Presidente da República, Manuel Vitorino, e decidiram nomear o Coronel do Batalhão de Infantaria de Salvador, Antônio Moreira César, para ser o comandante de uma terceira expedição, fortemente armada, que seria mandada para combater os rebeldes de Canudos, na Bahia.
O paulista Moreira César era um experiente militar que já havia combatido na Guerra do Paraguai, na Revolta da Armada, no Rio de Janeiro, e na Revolução Federalista, em Santa Catarina. Ele teve uma participação brilhante contra os maragatos no sul do país, onde foi apelidado de “O Corta-Cabeças”. Era um militar frio e calculista, tido como sanguinário pelas próprias tropas, mas era uma liderança destacada do Exército, estava cotado para ser promovido para general e para ser indicado, pelos militares, para a Presidência da República!
O efetivo da Terceira Expedição Militar era composto por 1.300 soldados, 6 canhões Krupp, 5 médicos, 2 engenheiros militares, ambulâncias e um comboio cargueiro cheio de munições e 15 milhões de cartuchos de bala!
Moreira César saiu do Rio de Janeiro de navio, no dia 03 de fevereiro de 1897, e aportou em Salvador no dia 06 de fevereiro. No dia seguinte, partiu com suas tropas, de trem, até a vila de Queimadas, que ficava distante 200 quilômetros de Belo Monte.
Coronel Moreira César |
No meio do caminho para Canudos foram surpreendidos e atacados por alguns rebeldes que estavam de tocaia, causando pequenas baixas na coluna militar. As tropas acamparam perto de Canudos, a cerca de 20 quilômetros da comunidade.
Durante a noite Moreira César discursou para seus solados da infantaria dizendo que as tropas iam “dar uma lição nos rebeldes e tomar Canudos sem disparar um tiro, apenas usando os sabres e as baionetas”.
Porém, ao raiar do dia 03 de março, o coronel muda misteriosamente de opinião e manda posicionar os seus canhões para bombardear Belo Monte, que sofreu com o bombardeio, feito durante toda a parte da manhã. Muitas pessoas morreram.
Por volta do meio dia, Moreira César resolve atacar com a cavalaria e os soldados da sua infantaria, que avançaram contra as ruelas estreitas do arraial. Num primeiro momento alguns casebres foram tomados pelos soldados, mas Pajeú, Pedrão e outros líderes já haviam espalhado os atiradores rebeldes no meio das casas e em cima das torres das duas igrejas do Arraial de Canudos. Desta maneira, os duros combates se prolongaram por cerca de 5 horas.
Num dado momento, o Coronel Moreira César decide avançar pessoalmente, com seu cavalo, contra os rebeldes e, quando descia uma pequena colina, foi atingido na virilha por um tiro preciso do rifle do rebelde Honório Vilanova, que foi um dos sobreviventes da guerra.
Honorio e o seu rifle |
Como os soldados haviam levado pouca munição para o ataque, e como o Coronel Moreira César havia sido ferido, os militares resolveram recuar, levando junto o coronel. Os médicos que atenderam Moreira constataram que o ferimento era mortal, mas ele ainda permaneceu vivo durante 12 horas, falecendo somente de madrugada. Seu corpo foi depois resgatado pelos rebeldes, que o queimaram em frente de um pé de umbu!
Naquela mesma noite, o comando da expedição passou para o Coronel Pedro Tamarindo, experiente militar que já havia lutado no Uruguai e na Guerra do Paraguai. Tamarindo se reuniu com outros oficiais, por volta das 23 horas da noite e, diante do grande número de mortos e feridos, optou pela retirada total das tropas, sob os protestos de Moreira César, que ainda não havia morrido, e queria que eles voltassem a atacar.
Os combates ainda prosseguiram durante aquela noite, com tiros sendo disparados na escuridão. De madrugada a expedição se retirou, sendo perseguida pelos rebeldes nos 200 quilômetros de estrada até Queimadas. Foi uma penosa lição para os militares, que foram fustigados pelos franco-atiradores de Pajeú, e perderam vidas e equipamento militar pelo caminho.
Durantes as emboscadas os soldados fugiam acovardados e, ao cruzar à galope o Córrego do Angico, o Coronel Pedro Tamarindo também foi abatido por um tiro, que o lançou para fora do seu cavalo.
O corpo do Coronel Tamarindo foi resgatado por Pajeú que o mandou empalar num galho seco de angico para amedrontar e servir de aviso para os militares de outras expedições que porventura se atrevessem a enfrentar o Conselheiro e Belo Monte.
Os corpos de alguns outros soldados tiveram suas cabeças decepadas e espalhadas ao longo do caminho que vinha da Vila de Queimadas. As cabeças e o corpo empalado do Coronel Tamarindo permaneceram naquela estrada durante 3 meses, e foram encontrados pelos militares da quarta expedição.
A terceira expedição teve um saldo de 116 soldados mortos, 120 feridos, 13 oficiais mortos e também perdeu grande quantidade de material bélico para os rebeldes de Belo Monte.
Rio de Janeiro no final do século XIX |
No Rio de Janeiro a população estava comovida com as notícias tristes espalhadas pela imprensa. A massa enfurecida depredou as redações dos jornais monarquistas Gazeta da Tarde, Liberdade e Apóstolo. O político monarquista Gentil de Castro foi assassinado em meio a um clima de patriotada artificial.
Prudente de Morais foi o primeiro presidente civil, eleito pelo voto, da Primeira República. O governo civil da República estava correndo perigo, e o presidente não podia falhar! Convocou então o seu Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, para elaborar um plano minucioso e preparar outra expedição, com muitos soldados e os mais modernos equipamentos militares daquela época, para exterminar de vez os “perigosos jagunços” de Canudos. Na verdade, os sertanejos só estavam se defendendo, lutando por suas vidas e pela sobrevivência das suas famílias que viviam em Belo Monte.
Oficiais da quarta expedição. O segundo da esquerda para a direita é o General Artur Oscar. |
A primeira coluna se reuniu na Vila de Queimadas e era comandada pelo General João da Silva Barbosa. Estava composta por 3.415 soldados, 17 canhões Krupp, 4 canhões de tiro rápido, 1 canhão Withworth 32, ( a famosa “Matadeira”), e 180 mulheres. Na retaguarda, protegendo cerca de 750 toneladas de mantimentos e munições, seguia um destacamento da Polícia da Bahia, reforçada por 388 jagunços, especialmente contratados no interior do Estado da Bahia!
A segunda coluna, sob o comando do General Cláudio do Amaral Savaget, partiu de Sergipe e se agrupou na cidade de Jeremoabo. Estava composta por cerca de 2.340 soldados, 512 mulheres e 74 crianças.
O plano inicial do Exército era atacar Canudos por dois lados e fechar o cerco depois. Durante os combates foi preciso solicitar a vinda de mais soldados, (a Brigada de Girad), e a presença do Ministro da Guerra, Carlos Bittencourt, que ficou comandando a parte de suprimentos e apoio estratégico, na base militar de Monte Santo.
A Marinha também participou ativamente da Guerra de Canudos. No dia 09 de abril de 1897 aportou no Porto de Salvador a Primeira Divisão Naval de Apoio, composta por 6 navios de guerra, ( 5 cruzadores e 1 patacho), com tropas e mantimentos.
Como podemos notar havia um interesse muito grande, por parte da República, em acabar com o projeto de Antônio Conselheiro de construção de uma comunidade fraterna em pleno sertão nordestino, no final do século XIX.
O Presidente da República, Prudente de Morais, antes das tropas partirem do Rio de Janeiro, falou para os seus oficiais que o Exército tinha que ser vingado, e que “não queria que sobrasse pedra sobre pedra”! Eram as tropas brasileiras lutando contra os próprios brasileiros!
Os militares estavam todos empenhados em acabar com os pobres maltrapilhos de Canudos, que agora não eram mais vistos como uns coitados, mas sim como “perigosos combatentes que estavam ameaçando o Governo da República dos Estados Unidos do Brazil”. Naquela época ainda se escrevia Brasil com “z”!
Cabrito comendo a planta favela |
Enquanto isso, a primeira coluna, que saiu de Queimadas, estava sendo fortemente encurralada pelos rebeldes de Pajeú, que magistralmente liderava os seus “guerrilheiros invisíveis”, conhecia bem a região e encurralou toda a coluna no Morro do Alto da Favela! Favela é uma planta forrageira típica do Nordeste que é usada para alimentar os caprinos.
O General Comandante Artur Oscar decide então interromper os bombardeios, e manda a segunda coluna, comandada pelo General Cláudio Savaget, ir socorrer a primeira coluna no Morro da Favela.
Compreendendo o que representaria uma derrota fragorosa da primeira coluna, Savaget interrompe os bombardeios e parte para salvar aqueles soldados, que fatalmente seriam dizimados por Pajeú. Se ele não tivesse ido ajudar a primeira coluna, o resultado daquela guerra poderia ter sido outro! Assim, a primeira coluna foi salva pelas tropas de Savaget, que mataram uma grande quantidade de guerrilheiros.
Canhão Withworth 32, conhecido como "Matadeira" |
No dia 29 de junho o grande canhão Withworth 32, mais conhecido como “A Matadeira”, sofre uma explosão! Este acidente provocou a morte de dois oficiais e ferimentos em quatro praças! Ele estava estacionado no alto do Morro da Favela, de onde tentava bombardear o povoado e as igrejas. Era puxado por 13 juntas de bois.
O Exército não gosta de comentar sobre isto, mas alguns historiadores acham que o canhão explodiu porque sofreu uma sabotagem dos guerrilheiros de Canudos, que se infiltraram nas tropas da quarta expedição, durante os combates, usando alguns uniformes que eles haviam capturado dos militares anteriormente!
No dia 01 de julho, Antônio Pajeú e Joaquim Macambira Filho, numa tentativa desesperada de acabar com os terríveis canhões que bombardeavam o arraial, formaram um bando, junto com outros 10 combatentes, para atacar os canhões e atirar nos bois que os arrastavam. Mas, todos foram mortos nesta heroica tentativa! Apenas um guerrilheiro conseguiu escapar para contar a história.
O estrategista Antônio Pajeú agora estava morto! Mas foram necessários três generais para abater este negro sertanejo, um ex-escravo da estirpe de Zumbí dos Palmares!
Depois de um mês de fortes combates, as tropas do exército estavam desorganizadas e com cerca de 900 mortos e feridos, ou seja, soldados fora de combate. A falta de abastecimento começava a causar fome, obrigando alguns soldados a caçarem bodes no meio da caatinga, onde caiam facilmente mas emboscadas dos Conselheiristas.
No dia 14 de julho, os oficiais militares comemoram, em pleno sertão nordestino, com uma salva de 21 tiros de canhão, o aniversário da Revolução Francesa e os seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade! Grande parte dos oficiais do Exército eram maçons, naquela época, e gostariam de ver os militares voltando ao poder na presidência.
Canudos em 1897, durante os combates |
Os rebeldes estavam entrincheirados no meio dos casebres, e receberam os soldados com um intenso tiroteio! No final do dia, as perdas de vidas do Exército era assustadora. Cerca de 950 baixas e a constatação de que o “Grande Assalto” havia fracassado!
No dia 23 de julho o General Comandante Artur Oscar, temendo uma nova derrota do Exército, faz um pedido ao Governo Federal para que lhe envie mais 5.000 soldados! Ele descreve um cenário de derrota iminente, cerca de 2.000 militares mortos, desânimo nas tropas e dificuldades para receber abastecimentos, que eram interceptados pelos guerrilheiros.
Assim, foi preciso a vinda urgente do Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, que chegou com um reforço de 3.000 soldados, no dia 30 de agosto, e se instalou na cidade de Monte Santo, para tomar medidas urgentes, prestar o apoio logístico necessário e melhorar o abastecimento das tropas que lutavam.
A partir daí o Exército começou a reverter aquela situação crítica, e começou assim a ganhar a guerra! A estrada que ia de Canudos para Uauá foi finalmente tomada pelos militares, cortando assim todo o fornecimento de mantimentos que Canudos recebia de fora. Mas, antes disso acontecer, muitos sertanejos ainda fugiram, prevendo uma derrota.
O cerco ao Arraial de Canudos estava finalmente completo, e se estendeu por mais 36 dias, sob o fogo intenso dos canhões que dizimavam a maioria dos combatentes rebeldes. O cerco ao arraial provocou fome e obrigou os rebeldes a beberem agua suja e contaminada, o que causou uma epidemia de disenteria.
Ruínas da Igreja do Bom Jesus de Belo Monte |
No dia 06 de setembro as torres da Igreja Nova são derrubadas pelos canhões, que destroem assim um importante ponto da defesa de Canudos. Nos escombros morreu Timotinho, o sineiro da comunidade que toda tarde batia o sino, religiosamente às seis horas da tarde, mesmo durante os combates. Diante de tantas forças oponentes o grande sino do Bom Jesus se calou, levando consigo aquele que o tangia, prenunciando assim um triste fim para aquela comunidade!
No dia 09 de setembro uma epidemia de varíola começa a arrasar as tropas militares. Já haviam cinco hospitais de isolamento repletos de variolosos! A média era de cerca de 20 casos por dia!
No dia 22 de setembro de 1897 morre o peregrino, e líder espiritual de Belo Monte, Antônio Conselheiro. Alguns dizem que foi ferido pelos estilhaços de uma granada, outros dizem que morreu vítima de uma forte disenteria, em consequência de um jejum que fazia. Seu corpo foi enterrado dentro da sua casa, apelidada de “Santuário”. O fato é que todos ficaram tristes no arraial e muitos decidiram abandonar aquela luta fratricida, antes do seu desfecho final...
No dia 23 de setembro a Estrada da Várzea da Ema, último canal de reabastecimento e contato externo de Canudos, com a Vila de Uauá, é finalmente tomada pelos militares! Agora ninguém mais poderia entrar ou sair de Canudos! Mas, antes disso acontecer, muitos sertanejos ainda fugiram, prevendo uma derrota.
Os generais Artur Oscar, Silva Barbosa e Carlos Eugênio decidem não esperar mais e, no dia 01 de outubro de 1897, resolvem marchar com 5.870 homens, num choque a toda carga, contra o núcleo central de casas do arraial, o último reduto da resistência.
Mas os últimos rebeldes que resistiam ainda tinham alguns truques! Eles se utilizaram de alguns túneis subterrâneos, que haviam cavado, para ampliar a sua mobilidade e causar grandes baixas nas tropas militares, numa surpreendente tática de guerrilha!
Os soldados do Exército conseguem finalmente tomar as ruínas da Igreja Nova e, acreditando no extermínio de todos os rebeldes, passaram a comemorar o feito entusiasticamente, já com o hasteamento da bandeira e a execução do hino nacional.
Foi quando uma tempestade de balas desceu sobre a praça! Ainda haviam alguns combatentes no meio da fumaça e dos escombros. Assim, as ordens foram para que se lançassem muitas latas de querosene e cerca de 90 bombas de dinamite, para queimar o resto do arraial e aqueles que ainda estavam vivos. Belo Monte é consumida pelo fogo e mais de 5.200 casas são destruídas!
No dia 02 de outubro, o guarda das imagens de Belo Monte, Antônio Beatinho, surpreendentemente surge do meio do fogo e da fumaça dos incêndios e pede para falar com o General Artur Oscar. Num ato de coragem e lucidez, ele decide hastear uma bandeira branca e vem solicitar a retirada de alguns feridos, velhos, mulheres e crianças daquele impressionante palco de guerra.
Sobreviventes que se renderam mas depois foram degolados! |
Beatinho voltou para o arraial e, em seguida, retornou com uma tropa de mais de 550 pessoas debilitadas, esfomeadas e que mal conseguiam andar, verdadeiros farrapos humanos! Eram velhos, mulheres apavoradas, crianças assustadas, pessoas feridas, com vários ferimentos pelo corpo, enfim, um quadro triste e desolador...
O jornalista Euclides da Cunha, enviado especial do jornal “O Estado de São Paulo”, juntamente com alguns outros jornalista, foi uma das testemunhas daqueles acontecimentos e mais tarde, em dezembro de 1902, relatou os fatos no seu famoso livro “Os Sertões”.
Euclides da Cunha não foi o primeiro a escrever sobre Canudos. Na verdade foi um outro escritor, de nome César Zama, quem escreveu o primeiro livro, publicado já em 1899, denunciando o massacre que houve em Canudos, chamado “Libelo Republicano”.
Marechal Carlos Bittencourt |
Sendo assim, o General Artur Oscar resolve recorrer às medidas que já haviam sendo tomadas à muito tempo, traiu sua palavra de homem e agiu de acordo com o costume do Exército Brasileiro daquela época: simplesmente resolveu aplicar a chamada “gravata vermelha” e mandou degolar todos aqueles prisioneiros!
Foi um ato cruel, um verdadeiro genocídio já no final da guerra!
No dia 03 de outubro, centenas de prisioneiros foram acordados de madrugada para fazer fila e seguir para a matança! Suas mãos eram amarradas nas costas e eles seguiam em fila, tangidos pelos soldados. Os carrascos afiaram os seus sabres especialmente para a tarefa, que já estavam acostumados a executar... Em seguida, levantavam as cabeças dos prisioneiros e cortavam os seus pescoços! O sangue escorria de suas jugulares num espetáculo macabro, e os seus corpos eram todos jogados numa vala comum... Assim foi o destino final daqueles que acreditaram na palavra de homem, empenhada por aquele bestial General do Exército Brasileiro!
Algumas crianças ainda foram poupadas daquele massacre e dadas como presente para alguns soldados que se apiedavam do seu choro. Algumas mulheres mais bonitas também foram poupadas da degola, estupradas e enviadas para os bordéis em Salvador. Mas, mais de 500 pessoas foram criminosamente mortas naquele dia!
Tropas do Exército que derrotaram Canudos em 05/10/1897. |
Finalmente, no dia 05 de outubro de 1897, uma tropa enfurecida, com mais de 5.000 soldados, arremete contra a última casa que ainda resistia no arraial e lá encontrou somente quatro pessoas, os últimos sobreviventes: um velho, dois homens e uma criança! Eram 5.000 soldados contra apenas quatro sobreviventes!
O velho ainda tenta resistir e avança com um machado, mas é morto na hora. Os outros são levados para serem interrogados e depois degolados.
Todas as guerras são cruéis e os homens deveriam resolver os seus conflitos de maneira pacífica, mas até hoje acontecem conflitos entre seres humanos que são resolvidos de maneira bárbara e cruel, provando assim que o ser humano ainda não está totalmente civilizado. Para que haja uma melhor elevação espiritual e ética da espécie humana acho que ainda serão precisos algumas centenas de anos...
Canudos finalmente estava tomada, mas as tropas militares ainda vasculhavam os escombros procurando pelo corpo do beato Conselheiro, para apresentar como troféu daquela campanha militar. Seu corpo foi localizado e desenterrado, ao lado das ruínas da Igreja Nova. Uma junta de médicos reconheceu o cadáver de Antônio Vicente Mendes Maciel, que trajava apenas uma túnica azul, alpercatas de sola, cabelos longos e escuros, pele morena e com cerca de um metro e sessenta de altura.
Estátua de Antônio Conselheiro em Monte Santo. No fundo aparece o terrível canhão "Matadeira". |
Não podemos negar que alguns militares ficaram decepcionados quando viram a figura daquele simples sertanejo que foi capaz de causar tanta confusão, mas, por via das dúvidas, ainda trataram de degolar a sua cabeça para ser levada como prova da vitória e para estudos posteriores.
A cabeça de Antônio Conselheiro foi enviada para Salvador, para ser examinada pelo famoso médico Dr. Nina Rodrigues. Depois ficou em exposição na Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, até o dia 03 de março de 1905, quando então um incêndio a destruiu.
Estima-se que mais de 20.000 Conselheiristas e mais de 5.000 militares tenham morrido neste conflito que mobilizou um contingente superior a 12.000 soldados do Exército, (mais da metade de todo o efetivo nacional daquela época), na maior guerra de guerrilhas que já aconteceu no Brasil.
Vejam no link abaixo um interessante vídeo da TV Record que mostra, de maneira resumida, como aconteceram os principais acontecimentos da Guerra de Canudos:
Vídeo interessante da TV Record mostrando detalhes da guerra
Os jornais do país todo noticiavam a vitória do Exército contra os rebeldes de Canudos e a opinião pública nacional saudava o governo civil da República do Brasil. Os latifundiários do Nordeste respiravam aliviados por causa da eliminação de Belo Monte, uma utopia que poderia abalar a estrutura social exploratória dos latifúndios nordestinos.
Prudente de Morais em São Paulo, em 1898. |
Mas, aquela história ainda não havia acabado, na verdade estava apenas começando! Os militares florianistas estavam descontentes nos quartéis e estavam conspirando pela volta dos militares ao poder...
Um mês depois da destruição de Canudos, no dia 05 de novembro de 1897, no Rio de Janeiro, durante os festejos pela volta das tropas militares vitoriosas em Canudos, um dos jovens soldados participantes dos combates, chamado Marcellino Bispo de Mello, investiu contra o Presidente Prudente de Morais com a intenção de atirar. Mas, seu revólver falhou naquela hora! Então, ele sacou do seu punhal, mas foi interceptado pelo Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, que recebeu várias facadas e morreu naquele local. Assim, o destino tratou de fazer justiça, e aquele mandante da chacina dos inocentes prisioneiros de Canudos também teve um triste fim! Morreu apunhalado no Rio de Janeiro!
As investigações revelaram que aquele assassino tinha sido enviado por uma conspiração de um grupo de militares, que mais tarde também foram presos. O assassino,Marcellino Bispo, morreu enforcado na prisão, de maneira misteriosa.
Quanto ao Presidente Prudente de Morais, este morreu de tuberculose em dezembro de 1902, quatro anos depois que deixou a presidência.
Manuel Ciriaco e Honorio Vilanova na frente do pé de embú onde foi queimado o corpo de Moreira César. |
Honorio virou um propagandista das lutas dos rebeldes de Canudos e gostava de exibir o fuzil com o qual havia abatido o Coronel Moreira César. Honorio ainda voltou para a Bahia, para rever o cenário daquelas lutas e o pé de umbu onde foi queimado o corpo do coronel florianista. Lá chegando se emocionou, quando encontrou vivo outro ex-jagunço, que lutou junto com ele em Canudos, o negro Manuel Ciriaco, que ele julgava ter morrido nos combates daquela guerra.
Em março de 1969, os militares da ditadura militar que governava o Brasil, trataram de construir um açude no Rio Vaza-Barris, no mesmo local onde se encontram as ruínas da velha Comunidade de Belo Monte, para sepultar de vez as imagens do sonho utópico de Antônio Conselheiro. Mas, de vez em quando, nos anos em que faz muita seca por aqueles sertões, as águas do Açude de Cocorobó abaixam, e o sonho reaparece novamente, como uma antiga maldição a assombrar a consciência dos grandes latifundiários do Nordeste!
Mas, qual a lição que podemos tirar de tudo isto que aconteceu?
Na verdade, Conselheiro estava apenas plantando uma semente, a semente de um novo Brasil que, dali para frente, não seria mais o mesmo!
Filme sobre a Guerra de Canudos |
Em vez de lutarem por Liberdade, Igualdade e Fraternidade os sertanejos que seguiam Conselheiro lutavam apenas pela sobrevivência, por fé, pela esperança e por justiça social. Eram pessoas simples, gente de fé, homens do povo que buscavam apenas serem felizes! Por isso o seguiam. Eles deram início a um novo Brasil, onde a participação popular ficou maior, surgindo assim novos movimentos de cunho popular, inspirados em Canudos. Movimentos como a Guerra do Contestado, em Santa Catarina, e o movimento da Irmandade do Caldeirão, em Santa cruz do Deserto, no Ceará, que também foram esmagados pelas forças da opressão representando os interesses egoístas da elite agrária brasileira!
No Ceará, em 1937, mais de 400 pessoas foram criminosamente mortas pelo Exército, e também pelos aviões da Aeronáutica, em Santa Cruz do Deserto, na Irmandade do Caldeirão, conforme podemos ficar sabendo clicando no link abaixo:
Site do massacre da Irmandade do Caldeirão, ocorrido em 1937
A população brasileira, principalmente a população das regiões mais carentes, no início do século XX, já estava dando sinais de querer se libertar das forças opressivas das oligarquias, da politicagem, do preconceito, da exclusão social e de tantas outras formas que existem para esmagar o povo e os seus sonhos.
Não temos o direito de tirar das pessoas a sua humanidade e a sua capacidade de sonhar. Sonhar com uma vida melhor, sonhar por liberdade, sonhar pelo direito de ver os nossos filhos felizes e sorrindo. Estes direitos não devem pertencer apenas a uma minoria de privilegiados que controlam a economia, o poder político e a força repressiva em suas mãos, mas sim, devem ser concedidos também para todos os brasileiros, inclusive para os mais humildes.Era isto o que Antônio Conselheiro queria. Queria apenas uma vida melhor para todos os brasileiros!
Canudos resiste No dia15 de agosto, há exatos 100 anos, morria Euclides da Cunha, autor do clássico Os sertões. No norte da Bahia, palco da guerra retratada no livro, a vida continua Texto José Paulo Borges Fotos Denny Ferreira |
Um pouco mais abaixo, o açude de Cocorobó, formado no final dos anos 1960 pelas águas represadas do Rio Vaza Barris, reina imponente. À beira do açude, um cruzeiro de madeira cercado por um punhado de cruzes brancas impressiona. Tereza de Alexandrino, Vicentão, Timotinho, Leão da Netinha, Pimpona, Chico Ema, Maria Rita, José Beatinho, Donina Maria de Jesus, Manoel Macambira são alguns dos nomes inscritos nas cruzes. Nomes de alguns dos incontáveis sertanejos que tombaram aqui, no coração do Sertão, nos anos de 1896 e 1897 na Campanha de Canudos - um dos episódios mais sangrentos da história do Brasil -, homenageados nesse monumento erguido em 1997 pelo Instituto Popular Mártires de Canudos para lembrar 'os cem anos do Massacre de Canudos'. Na época, foram erguidas cem cruzes. Hoje, por causa do vandalismo, principalmente, pouco mais de 50 ainda resistem. Nos idos de 1897, em plena Guerra de Canudos, esse local encantou o jovem engenheiro Euclides Rodrigues da Cunha, que escreveu: 'Não há manhãs que se comparem às de Canudos; nem as manhãs sul-mineiras nem as manhãs douradas do planalto central de São Paulo se equiparam às que aqui se expandem num firmamento puríssimo, com irradiações fantásticas de apoteose'. Mas no mesmo artigo, publicado no dia 1° de outubro daquele ano de 1897, Euclides da Cunha, correspondente de guerra do jornal O Estado de S. Paulo, logo muda de tom: 'Às 10 horas e 52 minutos novos estampidos abalaram os ares e novamente estremeceu a terra em torno de um punhado de valentes transviados; novas bombas de dinamite derramaram a devastação e a morte na zona convulsionada em que lutavam os últimos jagunços ...'.
A matança só não foi maior, calcula, porque muitas pessoas se esconderam na Caatinga, que conheciam bem. 'O povo sabia onde a cobra morava, por isso, quando a coisa esfriou, voltou todo mundo.' No centro de Canudos, além da Avenida Euclides da Cunha, a referência mais visível ao escritor paulista é o restaurante e pizzaria Os Sertões. Dentro do estabelecimento, nenhum pôster de Euclides, nenhuma imagem da guerra. João Batista Alves Gama, 44 anos, o dono, explica que o nome de seu restaurante é sim uma homenagem ao escritor. Diz também que há um bom tempo vem tentando destrinchar o calhamaço euclidiano. 'É meio complicado. A gente tem de consultar o dicionário toda hora.' Apesar da dificuldade, João garante que não vai desistir da leitura. Um pouco mais distante dali, o que não falta nas paredes da sala da professora Josileide Valença Varjão, 34 anos, diretora da Escola Estadual Luís Cabral, são reproduções de quadros da guerra. Euclidiana assumida - ela já atravessou Os sertões pelo menos umas três vezes -, Josileide queixa-se do trabalho que tem para despertar nos alunos interesse pela vida e pela obra do escritor. 'A gente faz oficinas, realiza seminários, mas eles só participam porque são atividades obrigatórias.' Segundo a diretora da Escola Luís Cabral, seria bom se existissem na cidade grupos como a extinta Assepac -- Associação de Estudos e Pesquisas Antônio Conselheiro. 'Na década de 1990 participei desse grupo, que reunia estudantes e pessoas interessadas em nossa história. Pena que as pessoas se dispersaram.' Mesmo com a obrigatoriedade de ensino da história do episódio histórico nas escolas municipais, lamenta Josileide, 'as dificuldades para motivar os jovens de Canudos para um evento tão importante não são poucas'. Mas é no Jardim Euclidiano, no Memorial Antônio Conselheiro, que a presença de Euclides da Cunha surge com mais nitidez. Localizado na área externa do Memorial, o Jardim Euclidiano é um pequeno santuário onde estão abrigados exemplares das plantas catalogadas e brilhantemente descritas por Euclides em Os sertões. São umbuzeiros, umburanas, xiquexiques, catingueiras, mandacarus, bromélias, angicos, favelas e, especialmente, os quipás, uma espécie de cacto dotado de espinhos extremamente agressivos. Além dos chamados jagunços, os quipás, sem dúvida, foram os mais temíveis adversários enfrentados pelo Exército brasileiro durante a guerra na Caatinga.
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Campo Aberto
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BRASIL, 1838: SACRIFÍCIOS HUMANOS
Seita no Sertão brutalizava pessoas para trazer de volta Dom Sebastião
Marcelo Testoni
No dia 24 de junho de 1578, um Exército de 24 mil portugueses, comandado pelo seu rei dom Sebastião I, partiu de Lisboa e após quase um mês navegando pelo Atlântico em 847 embarcações chegou a Tânger, no Marrocos. Dali marchou por sete dias até a cidade de Alcácer-Quibir. O objetivo era atacar, com seus cavaleiros, lanças, espadas, arcabuzes e canhões, o rei marroquino Abd al-Malik. A vitória mataria dois coelhos: afastaria as ameaças dos muçulmanos ao litoral português e o país seria o protagonista de um processo de cristianização e colonização do norte da África.
Mas o desastre foi total para os portugueses. Abd al-Malik também tinha cavaleiros, lanças, espadas, arcabuzes e canhões. E a vantagem de um Exército de 60 mil homens. Três marroquinos para cada português. Metade do Exército lusitano foi morto na batalha e a outra metade, presa.
O corpo de dom Sebastião nunca seria encontrado. Aos 24 anos, o rei não deixou herdeiro ao trono e Portugal seria governado pela Espanha por 60 anos. Do fim misterioso de dom Sebastião surgiu o sebastianismo, a crença mística de que ele voltaria para afastar o domínio estrangeiro ou para livrar dos seus opressores os pobres e infelizes.
O mais popular divulgador do sebastianismo foi o sapateiro da vila portuguesa de Trancoso Gonçalo Annes Bandarra, que previu, em poemas, a volta de dom Sebastião,“o Desejado”.Suas Trovas fizeram enorme sucesso. Foram proibidas pela Inquisição, mas continuaram circulando clandestinamente por décadas, mesmo após sua morte. A lenda se espalhou por Portugal e, 260 anos mais tarde, tornou-se realidade no alto de uma montanha próxima à cidade de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco, transformando-se em um dos episódios mais bizarros e sinistros da história brasileira.
Primeiro Reinado
Tudo começou em 1838, na Pedra Bonita (hoje, Pedra do Reino) – um platô encimado por dois rochedos paralelos, cada um com 30 m de altura –, quando João Antônio Vieira dos Santos começou a abordar os habitantes mostrando-lhes duas pepitas, as quais ele dizia serem preciosas. João Antônio afirmava que as havia conseguido graças ao rei dom Sebastião, que o conduzia todos os dias em sonho a seu esconderijo.
O rei português ainda lhe teria indicado que o desencanto e a revelação de seu reino estariam próximos e, assim que isso acontecesse, ele retornaria ao mundo como o Messias. Para dar fundamento, digamos, acadêmico a seus argumentos, o profeta levava consigo, além das pedrinhas, os textos de As Trovas do Bandarra, que tanto sucesso haviam feito em Portugal.“Esse fato demonstra a perspicácia do falso profeta, que, conhecendo o nível de esclarecimento de seus ouvintes, apropriou-se de uma narrativa de convencimento”, diz Marcio Honorio de Godoy, da PUC-SP e autor de O Desejado e o Encoberto, sobre o sebastianismo.
Moradores de sítios vizinhos começaram a aderir à crença e visitar o complexo rochoso encantado, onde dom Sebastião dormia, segundo suas pregações. Com a popularidade crescendo, o profeta foi coroado rei de Pedra Bonita, cargo provisório enquanto dom Sebastião não despertava. Mas a agitação atraiu os olhares das autoridades.
O movimento provocava o esvaziamento da mão de obra rural e disseminava uma seita pagã. Enfim, um caso de polícia e de Igreja. O padre Francisco José Correia, respeitado na região, foi acionado. “O embusteiro João Antônio então se apresentou ao sacerdote, arrependeu-se de sua conduta e devolveu-lhe as falsas pedras”, conta Belarmino de Souza Neto, historiador e autor de Flores do Pajeú: História e Tradições.
O que deveria ser o fim do sebastianismo sertanejo gerou uma crença ainda mais fanática e perigosa. João Antônio assumiu a farsa e saiu da cidade, mas antes passou a coroa para o cunhado João Ferreira. O segundo rei de Pedra Bonita também dizia ter visões de dom Sebastião e intensificou a divulgação da profecia. Carismático, ganhou muita popularidade e conseguiu aumentar o número de seguidores para 300. Eles o chamavam de “Sua Santidade El-Rei” e beijavam-lhe os pés. Decidiu estabelecer sua corte ali mesmo, junto às duas grandes rochas de Pedra Bonita – local de rituais de desencantamento que permitiram ao outro rei, o desaparecido em Alcácer-Quibir, e que no momento dormia, voltar ao mundo real.
Segundo Reinado
É nesse momento que as coisas começaram a degringolar. Ferreira decidiu estabelecer sua casa em um dos blocos de rocha. Nela, eram promovidos festejos e beberagens entre seus associados, que se drogavam com manacá e jurema, ervas com propriedades alucinógenas, para conseguir “entrar” no reino de dom Sebastião. Na segunda torre de pedra, foi escavado o santuário – que servia de refeitório e para os rituais de desvirginamento, nos quais, após cerimônias de casamento, as noivas eram oferecidas em primeira mão ao monarca.
O que o novo rei pregava foi registrado, em 1875, por Antônio Attico de Souza Leite, do Instituto Arqueológico da Província de Pernambuco. “Um iluminado ali congregou toda a população para o advento do reino encantado do rei dom Sebastião, que irromperia castigando, inexorável, a humanidade ingrata”, escreveu. O dia a dia dos sebastianistas era ocupado por rezas e cantorias. Na rotina não entravam a preocupação com vestimentas ou com a higiene. Também não se tomava o cuidado de cultivar vegetais ou criar animais. Caravanas de jagunços de confiança do rei eram despachadas para recolher doações ou saquear fazendas vizinhas e, se possível, buscar novos adeptos.
Ferreira tinha ideias próprias de quais seriam os rituais exigidos para promover o desencantamento de dom Sebastião. “Era necessário banhar as pedras e regar todo o campo vizinho com sangue dos velhos, dos moços, das crianças e dos irracionais”, registrou Antônio Attico.
A loucura começaria para valer na manhã de 14 de maio de 1838. Ferreira anunciou que, numa visão, dom Sebastião lhe garantira que o sangue dos seguidores o traria de volta. Durante três dias, os fiéis, embalados por gritos, danças hipnóticas, música e bebidas alcoólicas, mataram 30 crianças, 12 homens, 11 mulheres e 14 cães. Pais e mães traziam como oferendas partes do corpo dos filhos. Aos pés do rei, arrancavam orelhas, língua, dedos dos pés, das mãos ou genitais, relata Antônio Attico, baseado em testemunhas.
Os cadáveres amontoavam-se e eram colocados na base das duas pedras de maneira simétrica, separados por sexo, idade e “qualidade”, esta última determinada de acordo com o tipo de promessa e da entrega de entes queridos ao sacrifício que eles houvessem feito. Quem se recusava ao sacrifício era tido como infiel e desprezível. “Os mais fanáticos entendiam tal recusa como uma quebra na continuidade do ritual de desencanto”, afirma Honorio de Godoy.
Terceiro Reinado
A loucura assassina de Sua Santidade El-Rei fez surgir um terceiro personagem. Pedro Antônio Viera dos Santos, irmão do primeiro rei, João Antônio, resolveu frear o ritual. Tomou a palavra e fez um discurso carismático anunciando que ele também tinha uma mensagem de dom Sebastião para divulgar. “Ele anunciou que dom Sebastião lhe apareceu em uma visão cobrando o sangue do segundo rei para o desencantamento ser concluído”, afirma o historiador Belarmino de Souza.
Os fiéis apoiaram imediatamente a sugestão e começaram a gritar: “Viva El-Rei dom Sebastião! Viva nosso irmão Pedro Antônio!” Deposto do seu título e na condição de um simples súdito, João Ferreira, o amalucado messias, foi arrastado ao sacrifício. Seu crânio foi esmigalhado e o corpo amarrado, pés e mãos, ao tronco de duas árvores grossas. Ao vencedor, Pedro Antônio, foi passada a coroa. Era ele, agora, o terceiro regente de Pedra Bonita. Sua primeira medida foi decretar a suspensão imediata dos assassinatos.
A Batalha Final
Mas tamanho horror não poderia escapar às autoridades. Enquanto no alto do morro a transição entre os dois reinados acontecia, as denúncias dos sacrifícios humanos chegavam ao conhecimento do major Manuel Pereira da Silva, autoridade militar de São José do Belmonte.
Um vaqueiro, José Gomes, fugido de Pedra Bonita, relatou as barbaridades. Curiosamente, o delator destacava a frustração dos integrantes por terem sacrificado inocentes em vão, já que dom Sebastião não havia desencantado.
O major partiu no dia seguinte rumo à Pedra Bonita. Liderava um grupo formado por dois de seus irmãos, Cypriano e Alexandre, e 26 soldados. Após um dia de caminhada, e ainda distante do local da seita, a caravana fez uma pausa embaixo de alguns umbuzeiros. A poucos metros do abrigo, no entanto, encontrou-se de frente com o novo rei dos sebastianistas, Pedro Antônio, acompanhado de um séquito numeroso de pessoas armadas com porretes e facões.O rei e sua corte haviam deixado Pedra Bonita fugindo do cheiro dos cadáveres insepultos.
O encontro pegou os dois grupos de surpresa. Os militares, em campo aberto, pareciam em desvantagem diante dos sebastianistas. Mas estes estavam exaustos. Na batalha que se seguiu, o major ganhou a guerra, mas pagou caro pela vitória. O rei, Pedro Antônio, e 16 de seus seguidores foram mortos. Do lado dos militares, cinco vítimas fatais, inclusive os dois irmãos do major. Ali, debaixo dos umbuzeiros, terminava, em 17 de maio de 1840, o sangrento reinado dos sebastianistas da Pedra Bonita, sem que dom Sebastião acordasse para socorrê-los. O messianismo não se extinguira no imaginário brasileiro. Grupos semelhantes surgiram. Um dos maiores, no interior da Bahia, em 1896, foi liderado por Antônio Conselheiro e gerou a Guerra de Canudos.
Saiba mais
No Reino do Desejado: A Construção do Sebastianismo em Portugal nos Séculos XVI e XVII, Jacqueline Hermann, 1998.
Flores do Pajeú: História e Tradições, Belarmino de Souza Neto, 2004
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