Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Rec em Sentido Estrito : 10105160166184001 MG - Inteiro Teor
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECOTE DE QUALIFICADORAS - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA N.º 64 DO TJMG - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - INVIABILIDADE - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 312 DO CPP - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 01. Devem ser mantidas as qualificadoras descritas na denúncia, quando estas se encontram evidenciadas nos autos pela prova oral colhida, consoante entendimento já sumulado por este Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através da Súmula n.º 64. 02. Não há falar-se em constrangimento ilegal quando a prisão preventiva é mantida porque presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. 03. A prisão preventiva se justifica pela presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, bem como pela aplicação do art. 313, caput e inc. I, do mesmo Diploma Legal, uma vez que o delito em comento é doloso e punido com pena de reclusão superior a quatro (04) anos.
v.v RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS - DECOTE DAS QUALIFICADORAS DE MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - NECESSIDADE - AMEAÇAS MÚTUAS ENTRE VÍTIMA E ACUSADO - HISTÓRICO EXTENSO DE DESAVENÇAS ENTRE OS DOIS - VÍTIMA ARMADA COM UMA FACA MINUTOS ANTES DOS DISPAROS DE ARMA DE FOGO - AUSÊNCIA DE ATAQUE SURPRESA OU EMBOSCADA - QUALIFICADORAS MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
- Havendo ameaças mútuas entre vítima e denunciado, que tinham histórico grande de desavenças entre si, além de a vítima ter procurado o denunciado portando uma arma branca, tendo tempo suficiente para deixar o local antes dos disparos, estando ausente qualquer indício de ataque surpresa ou emboscada, devem ser decotadas as qualificadoras de motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima, por serem manifestamente improcedentes.
REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0105.16.016618-4/001 - COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - RECORRENTE (S): JULIO CESAR DA SILVA - RÉU: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - VÍTIMA: F.A.M.
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O PRIMEIRO (1º) VOGAL.
DES. RUBENS GABRIEL SOARES
RELATOR.
DES. RUBENS GABRIEL SOARES (RELATOR)
V O T O
JÚLIO CÉSAR DA SILVA, devidamente qualificado e representado nos autos, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incs. II e IV, do Código Penal, porque, segundo narra a exordial acusatória:
"(...)
No dia 06.03.2016, por volta das 09h30, na Rua Campos Sales, à altura do n.º 1.564, Bairro Santa Rita, nesta cidade e Comarca, o denunciado JÚLIO CÉSAR DA SILVA, com emprego de arma de fogo, disparou diversas vezes contra a vítima Fábio Aguiar de Morais, o que levou à morte da mesma, como faz certo o relatório de necropsia de fls. 84/91.
Consoante restou apurado, o denunciado e a vítima discutiam em via pública, ocasião em que o denunciado portava uma arma de fogo e a vítima uma faca em ameaças bilaterais. Em dado momento, quando o ofendido já não mais estava de posse da faca, o acusado afirmou que iria 'cortar a vítima no tiro', ao que ela retrucou dizendo 'vai cortar o caralho'. Ato contínuo, o denunciado efetuou cinco disparos de arma de fogo contra a vítima, que foi atingida por três disparos, vindo a óbito no local dos fatos.
A qualificadora do motivo fútil se encontra presente, porquanto o denunciado atentou contra a vida da vítima após discussão havida entre eles em virtude de suposta perseguição intentada pelo réu contra Célio José de Morais Neto, filho da vítima, o que, inclusive, resultou em diversas representações perante órgãos oficiais.
É relevante observar - como faz certa a filmagem e áudio do crime - que o denunciado sabia que a vítima não mais portava a faca quando sofreu os disparos. De fato o denunciado disse 'correu com a faca' (tempo passado) indicando a ciência de que a vítima não estava mais armada. Assim, no momento da agressão, a vítima estava indefesa, pelo que o recurso que dificultou a defesa da vítima também se faz presente.
A ação delituosa foi filmada pela esposa da vítima, estando a mídia acostada à fl. 08-v dos autos.
(...)." (sic, f. 01-D/03-D).
Recebida a denúncia em 1º de abril de 2016 (f. 174), a resposta à acusação foi apresentada às f. 180/189. Após regular instrução do feito, com oitiva de testemunhas (f. 234/240 e 247/250), interrogatório (f. 251/254) e alegações finais das partes (f. 278/294, 484/490 e 524/533), o MM. Juiz Sumariante pronunciou o acusado JÚLIO CÉSAR DA SILVA como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incs. II e IV, do Código Penal Brasileiro, submetendo-o a julgamento pelo Tribunal do Júri (f. 535/544-v).
A Sentença de Pronúncia foi publicada em 18 de agosto de 2016 (f. 546), tendo a Defesa interposto Recurso em Sentido Estrito no dia 22 de agosto de 2016 (f. 547), antes mesmo da intimação pessoal do réu, que se deu na data de 24 de agosto de 2016 (f. 549/550).
Em suas razões recursais, a Defesa requer o decote das qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima, ao argumento de que estas são manifestamente improcedentes. Objetiva, ainda, a revogação da prisão preventiva do pronunciado (f. 552/564).
Contrarrazões Ministeriais às f. 565/571 e do Assistente da Acusação às f. 573/577, pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a decisão guerreada.
Em juízo de retratação, o MM. Juiz a quo manteve a decisão por seus próprios fundamentos (f. 588).
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (f. 590/594-v).
É o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento.
Não há preliminares nem nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.
I. DO DECOTE DAS QUALIFICADORAS
Pretende a Defesa, como tese principal, o decote das qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima, ao argumento de que estas são manifestamente improcedentes.
Todavia, sem razão.
De início, cumpre registrar que nenhuma dúvida se apresenta acerca da materialidade e dos suficientes indícios de autoria do delito, mesmo porque nenhum inconformismo há a respeito delas, em franco reconhecimento e conformação da Defesa com a pronúncia do acusado, o que, aliás, encontra inteira ressonância nas demais provas coligidas nos autos.
Lado outro, no que tange à pretensão de decote das qualificadoras previstas nos incs. II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) do § 2º do art. 121 do Código Penal, em que pesem as alegações defensivas, verifica-se que estas devem ser mantidas em sede de sentença de pronúncia, pois, ao que se vislumbra dos autos, não há elementos de convicção plena que autorizem sua exclusão.
No presente caso, constata-se que as referidas qualificadoras não se apresentam manifestamente improcedentes, pois se encontram em consonância, havendo indícios de que o delito foi cometido por motivo fútil, consubstanciado em uma discussão, incitada por desavenças pretéritas entre o acusado e um dos filhos do ofendido, além de ter supostamente sido praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, senão vejamos:
Ouvido em juízo, o ora pronunciado JÚLIO CÉSAR DA SILVA relatou que, no dia dos fatos a vítima dirigiu-se a ele, em via pública, proferindo palavras afrontosas e xingamentos. Ainda, confessou ter efetuado cinco (05) disparos contra a vítima, alegando, porém, que agiu dessa forma após perceber que um terceiro indivíduo - Fábio Wendel -, que estava posicionado atrás do ofendido, havia sacado da cintura uma arma de fogo, in verbis:
"(...)
Que o interrogado informa que morava no local dos fatos há quinze anos; que a vítima havia mudado para o local há cerca de um ano e meio aproximadamente; que quando se mudou para o local a vítima conversou com o interrogado, buscando relacionamento de vizinhos; que Fábio certa vez comentou com o interrogado que o filho dele havia pintado o cabelo somente a parte de cima do cabelo de loiro, ao que o interrogado falou para Fábio que a pessoa que fazia isso seria igual a um carro com cor chamativa que todo lugar que vai se torna conhecido; que acredita que o filho de Fábio pensou que foi o interrogado quem tinha mandado ele cortar o cabelo; que em outra ocasião houve também uma situação em que a mulher de Fábio colocou lixo na esquina da rua, em frente a porta da casa do interrogado, tendo então o interrogado pedido a ela que não mais fizesse, tendo então a esposa de Fábio argumentado que assim o fez porque o caminhão do lixo não estava recolhendo o lixo na porta da casa dela; que então o interrogado disse que não tinha nada a ver com isso e pediu que a mesma não colocasse novamente lixo na porta de sua casa; que informa que conversou com Fábio Aguiar e o mesmo lhe disse que uns meninos que ficavam sempre na porta da casa do interrogado e do Fábio, eis que as casas são 'coladas', podaram a árvore que existia no local com a intenção de evitar que fossem abordados pela Policia Militar, além de ter comentado que tinha uma pessoa que ficava jogando 'rojões' na rua, ocasião em que o interrogado disse que não sabia quem era a pessoa que estava jogando os 'rojões'; que informa que nesse mesmo dia um vizinho falou para o interrogado que 'Celinho' (filho de Fábio) estava jogando rojões na rua; que diante dessa informação o interrogado subiu para o terraço de sua casa, com o fim de ficar vigiando se o filho de Fábio iria jogar algum rojão na casa do interrogado; que já a noite o interrogado presenciou quando 'Celinho' e mais dois menores pararam em frente a casa do interrogado, ocasião em que um deles ficou olhando para dentro da casa do interrogado, enquanto o outro acendeu o rojão para 'Celinho' jogar na casa do interrogado, ocasião em que o interrogado gritou 'é Celinho, agora eu te peguei'; que depois disso 'Celinho' jogou o rojão aceso na rua e depois saiu do local com os outros dois menores; que interrogado informa que então foi até a casa de Fábio e informou ao mesmo o que havia ocorrido, tendo o mesmo dito que quando seu filho 'Celinho' chegasse ele iria mandá-lo soltar outro rojão na casa do interrogado; que diante de tal situação tanto o interrogado quanto Fábio acionaram a Policia Militar para fazer ocorrência, informando que em razão desses fatos foi instaurada uma Sindicância na Policia Militar, a requerimento de Viviane (mãe de Celinho), além da mesma ter procurado também o Juizado de Pequenas Causas; que o interrogado informa também que durante o carnaval de 2016 estava trabalhando na cidade de Alvarenga/MG, no reforço de carnaval, e quando enviou uma mensagem via Whatsapp para sua filha Natália, que estava nos Estados Unidos junto com sua mãe, aparecia a fotografia de um menino e este foi quem respondeu mensagem enviada pelo interrogado; que o interrogado enviou novas mensagens, perguntando inclusive quem estava respondendo, porém a pessoa não respondeu mais e nem se identificou; que então o interrogado ligou para o número 190 de Governador Valadares e pediu que enviassem uma viatura até a sua residência, com a finalidade de constatar se a mesma não havia sido arrombada; que a viatura para lá se dirigiu, porém verificaram que na casa não havia sinal de nenhum arrombamento, mas o interrogado pediu ao seu cunhado Nielson (que estava com as chaves de sua casa) para ir até lá e verificar se estava tudo normal; que Nielson então foi até a casa do interrogado e verificou que aparentemente tudo estava normal, porém não encontrou o chip do celular; que o interrogado informa que enviou a mensagem para sua filha Natália achando que a mesma havia levado o chip para os Estados Unidos; que quando encerrou o carnaval e o interrogado retornou para Valadares, já na quarta-feira de cinzas, por volta das 13 horas acionou uma viatura para tentar identificar o garoto da foto, eis que o interrogado achava que o garoto da foto se parecia muito com Guilherme, o qual tinha o costume de frequentar a casa de Fábio; que a viatura chegou na casa do interrogado e de lá o interrogado foi com os dois militares até a casa de Fábio, onde foi atendido pela esposa dele e seus dois filhos (Celinho e Fabinho) ; que uma vez questionados pelos militares se conheciam o garoto da foto ambos responderam que não conheciam; que perguntou a sua filha Natália, de 13 anos de idade, sobre o chip e a mesma não soube informar, acreditando o interrogado que a mesma tenha perdido o chip na rua; que o interrogado informa que Viviane (mãe dos garotos) não gostou do fato da viatura ter ido até a casa dela questionar aos seus filhos acerca da foto do garoto que apareceu no celular do interrogado e em razão disso procurou a Corregedoria da Policia Militar e fez nova representação contra o interrogado; que informa que em um domingo depois do carnaval o interrogado foi almoçar na casa de sua mãe e quando retornou para sua casa, estacionou o carro em frente a garagem para abrir o portão, sendo que quando desceu do veiculo estavam na porta da casa de Fábio 'Celinho', 'Fabinho' e outros dois menores, ocasião em que 'Celinho' encarou o interrogado, tentando intimidar o interrogado, ao que o interrogado lhe perguntou porque ele estava olhando para o interrogado; que 'Celinho' respondeu 'não pode olhar pra você mais não?', tendo então o interrogado respondido 'tudo bem então, você fica na sua e eu fico na minha', tendo em seguida aberto o portão e colocado o carro na garagem; que depois de colocar o carro na garagem quando o interrogado estava fechando o portão a Sra. Viviane (esposa da vitima) dirigiu-lhe a palavra e falou: 'você está fazendo isso porque sabe que meu marido não está aqui'; que o interrogado então disse para Viviane 'então quando seu marido chegar fala com ele para me procurar que eu converso com ele'; que o interrogado informa que nesse momento 'Celinho' disse 'vou lá dentro pegar uma doze'; que o interrogado então entrou para o interior de sua casa e não deu atenção a 'Celinho'; que o interrogado informa que no dia seguinte, depois que retornou do serviço, depois das 18h30min, o interrogado estava sentado na porta do açougue de Daniel quando passou pelo local uma viatura e parou na frente do interrogado, ocasião em que seu colega de farda Sargento Ozéias e outros dois militares começaram a conversar com o interrogado, sendo que pouco tempo depois 'Celinho' passou de bicicleta com outro menor e ao avistar a viatura correu para o portão da casa dele e começou a esmurrar o portão e gritar 'mãe, mãe, abre o portão'; que o interrogado informa que na ocasião os integrantes da guarnição acharam suspeita a atitude de 'Celinho' e resolveu abordá-lo, junto com o outro menor que o acompanhava, informando que em razão de tal abordagem a Sra. Viviane procurou a Corregedoria da Policia Militar e fez mais uma representação em desfavor do interrogado; que depois desses fatos o interrogado foi informado por vizinhos da localidade, dentre eles uma senhora de nome Oraide, que 'Celinho' estaria andando armado para acertar o interrogado, informando que na mesma semana, a noite, 'Celinho' veio pela rua Rodrigues Alves, próximo da casa da mãe do interrogado, ocasião em que ele abaixou o bico do boné para esconder o rosto e veio na direção do interrogado, oportunidade em que o interrogado tentou abordá-lo, porém ele saiu correndo em direção a casa dele, fato que gerou nova representação da mãe de Celinho junto à Corregedoria da Policia Militar, em desfavor do interrogado; que no dia 06 de março de 2016 notou que havia um carro diferente estacionado em frente a casa de Fábio; que pôde notar também que Fábio Wendel e Célio estavam próximos a esse carro, como se estivessem limpando o carro; que informa que naquele dia recebeu uma visita do policial reformado soldado João Suino, o qual entrou na casa do interrogado para ser atendido pelo interrogado; que essa visita chegou em sua casa entre 08 a 08h30min, lá permanecendo por cerca de quinze minutos; que quando saiu de sua casa, conforme já narrado acima, viu um Corsa estacionado em frente a casa de Fábio Aguiar; que o interrogado abriu o portão de sua garagem e quando já estava manobrando seu veiculo para sair viu Fábio Aguiar parado na rua, no rumo da garagem do interrogado; que então, de longe, Fábio Aguiar disse que queria conversar com o interrogado, ocasião em que o interrogado percebeu que Fábio estava com uma faca na mão; que o interrogado manobrou seu carro e parou ao lado da porta do açougue, mais a frente; que parou naquele local porque se Fábio Aguiar tentasse contra sua vida teria como se esquivar dele; que o interrogado estava descendo do carro e Fábio Aguiar veio em sua direção, falando que o interrogado era 'Policia de merda, Policia de bosta, policinha de nada, que o interrogado era um babaca, um machão e que o interrogado era homem porque estava armado'; que o interrogado informa que já desceu do carro com a arma na mão, depois de percebeu que Fábio estava nervoso e xingando o interrogado; que informa que Fábio Aguiar começou a ameaçar o interrogado, 'falando que iria cortar o interrogado todo, que ia pisar no pescoço do interrogado e que iria beber o sangue do interrogado'; que os filhos de Fábio Aguiar 'Wendel' e 'Celinho' ficavam atrás do pai fazendo chacota, dizendo 'agora você vai ver'; que nesse momento viu que a mulher de Fábio (Viviane) chegou e ficou por trás de Fábio Aguiar, filmando com um celular; que novamente Fábio Aguiar começou a falar que o interrogado não era homem, que o interrogado era homem somente porque estava armado e chamando ainda o interrogado de machão; que o interrogado viu Fábio Wendel sacando um revólver que estava em sua cintura; que Fábio Wendel neste momento estava atrás de sua mãe, junto com 'Celinho'; que nesse momento o interrogado colocou o celular no chão e atirou na direção de Fábio Aguiar; que nesse momento não deu para perceber se Fábio Aguiar estava com a faca porque ele estava com as mãos para trás; que o interrogado estava com um celular e ligou para o 190, lembrando que conseguiu falar que era para mandar uma viatura porque tinha um rapaz com uma faca lhe cercando; que devido ao seu estado de pânico não conseguiu falar o local; que a atendente do 190 era a Sargento Joanália; que o interrogado desferiu cinco tiros, descarregando a arma; que o interrogado informa que depois dos tiros 'Celinho' e 'Fabinho' (filhos da vitima) sairam correndo, ficando no local somente a esposa da vitima (Viviane) e Fábio Aguiar caído no solo, sendo que após alguns segundos 'Fabinho' retornou e efetuou quatro disparos contra o interrogado, ocasião em que o interrogado entrou no açougue para se defender; que em seguida o interrogado entrou para dentro da casa do açougueiro, por uma porta interna que existe no açougue; que quando percebeu que 'Fabinho' correu pediu a Jorge para ligar seu carro, ocasião em que o interrogado entrou dentro do carro e Jorge foi dirigindo o veiculo até subir o morro, pela mesma Rua Resplendor; que quando chegou na Avenida JK o interrogado pegou a direção do veiculo e mandou Jorge retornar, ocasião inclusive em que lhe entregou as chaves de sua casa e pediu a ele para trancá-la; que o interrogado é Policial Militar há 24 anos e cinco meses aproximadamente; que o interrogado trabalhou por 13 anos no COPOM, dois a três anos na Companhia-Escola e há cerca de 04 anos trabalha na Gerência Regional de Saúde; que a experiência profissional do interrogado é maior no serviço interno. Dada a palavra à Promotora de Justiça, às perguntas respondeu: Perguntado se no dia em que tentou abordar 'Celinho' e este abaixou o boné, se este estava sozinho, o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se em referido episódio o interrogado agrediu 'Celinho' ou outros adolescentes que o acompanhavam o interrogado novamente informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se o rojão foi jogado dentro da casa do interrogado, este novamente informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado como era o rojão e a potencialidade lesiva dele o interrogado também informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se o interrogado fez algum boletim de ocorrência em relação ao desaparecimento do chip de sua filha o interrogado novamente informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se acionou uma viatura apenas para tentar localizar o chip ou quem ele acreditava que ele acreditava ter se apossado do chip de sua filha o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se no episódio em que 'Celinho' e um adolescente estavam descendo de bicicleta e foram abordados se algo de ilicito foi encontrado com eles o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado qual a cor do carro do interrogado este informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado ao interrogado se no dia dos fatos ele teria também proferido xingamentos contra a vitima o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se durante a discussão o interrogado conversou com alguém, além da vitima, o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se antes dos disparos efetuados pelo interrogado contra a vitima houve outros disparos efetuados por alguém o interrogado declarou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz; perguntado se em outras oportunidades o interrogado teria agredido outros adolescentes o interrogado informou que não deseja responder às perguntas da Promotora, somente as do Juiz. Dada a palavra ao Assistente de Acusação, às perguntas respondeu: Perguntado se próximo a casa do interrogado existe uma traficante conhecida como 'Maria do Pó' o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se a testemunha Jorge (ouvida ontem em audiência) reside no mesmo imóvel da traficante conhecida como 'Maria do Pó' o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado ao interrogado se no dia dos fatos quando ele parou o carro em frente ao açougue do Daniel o carro ficou ligado ou desligado, o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se o interrogado quando parou o veiculo fechou as portas do veiculo ou as deixou abertas o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado qual arma o interrogado portava este informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se a vitima pediu para sua esposa Viviane filmar a discussão entre os dois o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se o interrogado quando iniciou os disparos se os filhos da vitima se encontravam presentes o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado ao interrogado se antes de colocar o celular no chão ele solicitou que a vitima colocasse a faca no chão o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se o proprietário do açougue fechou as portas do estabelecimento após os tiros o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se no momento em que o interrogado iniciou os disparos contra a vítima se o filho 'Fábio' efetuou disparos em sua direção o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se a testemunha Jorge já se encontrava no local no momento da discussão do interrogado com a vítima o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz; perguntado se o interrogado perseguiu a vítima em via pública, efetuando disparos em sua direção, o interrogado informou que também não deseja responder às perguntas do Assistente de Acusação, somente as do Juiz. Dada a palavra ao Defensor do acusado, nada foi perguntado. (...)." (f. 251/254-v) - grifo nosso.
Por sua vez, a informante VIVIANE SILVA AGUIAR afirmou, em Juízo, que a discussão entre o ofendido e o pronunciado dizia respeito às "(...) agressões que o réu havia perpetrado contra os adolescentes Célio e Letícia" (f. 238-v), confira-se:
"(...)
Dada a palavra à Promotora de Justiça, às perguntas respondeu: Que a declarante informa que poucos meses mudar-se para o bairro Santa Rita, ao lado da casa do réu, este já passou a se incomodar com a permanência dos filhos da declarante, Célio e Fábio, bem como dos colegas destes; que quando os adolescentes estavam andando de bicicleta na rua por duas vezes o réu 'jogou o carro' em cima destes; que quando os adolescentes estavam na calçada, do lado de fora, constantemente o réu mandava estes entrarem para dentro de casa; que por várias vezes ainda a Polícia Militar era acionada e realizava abordagens nos adolescentes, inclusive questionando a origem do sinal de internet que estes utilizavam, o qual advinha da residência da declarante; que em relação a tais fatos a declarante não dava muita atenção, porém começou a perceber que o réu estava perseguindo os filhos da declarante a partir do dia em que o réu disse que iria matar Célio, alegando que o mesmo havia jogado uma 'bombinha' em sua residência; que tal ocorrência ensejou a elaboração de um boletim de ocorrência pela vítima, tendo em vista que o réu estava armado e gritava que iria matar Célio; que tal fato também ensejou uma representação contra o réu na Corregedoria da Polícia Militar, bem como na Promotoria da Infância e Juventude; que o réu ficou muito exaltado e aguardando pelo filho da declarante, que na ocasião correu, dizendo que iria matá-lo, razão pela qual a declarante temeu pela integridade de seu filho e procurou a Promotoria da Infância Juventude, desejando medidas de proteção para o seu filho; que poucos dias depois o réu, sem farda, abordou Célio na rua e apontou a arma para a cabeça dele, dizendo que iria matá-lo; que segundo Célio o réu disse 'não sou eu quem vai te pegar não moleque, mas vou te matar'; que em virtude deste fato também foi confeccionado um boletim de ocorrência e nova representação na Corregedoria da Polícia Militar, além de uma notícia-crime na Polícia Civil; que tal fato ensejou um processo no Juizado Especial; que em fevereiro deste ano o réu abordou Célio, Letícia e outra garota, ocasião em que determinou que Célio se colocasse em posição de busca, tendo este se recusado alegando que o réu não estava fardado e que ele não estava fazendo ada de errado; que o réu então desferiu dois socos no rosto do adolescente, que correu para a casa de sua avó Maria de Fátima
Aguiar de Morais; que Letícia também foi agredida com dois socos no rosto; que a declarante viu que os adolescentes estavam com o rosto 'vermelho'; (...) que a discussão entre o réu e a vítima era sobre as agressões que o réu havia perpetrado contra os adolescentes Célio e Letícia; que a declarante se aproximou e viu que o réu estava armado, tendo advertido a vítima para que esta se afastasse; que a vítima pediu para que a declarante acionasse a Polícia e filmasse os fatos; que Fábio no início da discussão estava com uma faca nas mãos, a qual estava sendo utilizada, momentos antes, para descascar os fios que utilizava para instalação de uma campainha; que durante a discussão tal faca foi entregue pela vítima Fábio para seu filho Célio; que pelo que se recorda durante a discussão Júlio César disse que se Fábio desse mais um passo iria atirar; que Fábio permaneceu parado, discutindo, tendo o réu Júlio César colocado o telefone celular no chão e iniciado os disparos, totalizando cinco disparos; que quando chegou no local da discussão chegou a ver a testemunha Daniel, dentro do açougue, mas depois não o viu mais; que Célio e Fábio Wendel presenciaram os disparos; (...).' (f. 238/239-v) - grifo nosso.
Vê-se, portanto, que, diante das declarações do próprio réu JÚLIO CÉSAR DA SILVA, ele teria discutido com a vítima em virtude desta ter se dirigido ao mesmo para tirar satisfações, em razão de um longo histórico de desentendimentos entre o acusado e um dos filhos do ofendido.
Assim, diante de uma análise acurada dos autos, constata-se que, de fato, a qualificadora do motivo fútil não deve ser decotada, uma vez que há indícios de que o Pronunciado ceifou a vida da vítima, movido por discussões e provocações de somenos importância.
E, na lição de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:
"Fútil: é o motivo flagrantemente desproporcional ao resultado produzido, que merece ser verificado sempre no caso concreto. (...) E, com efeito, a circunstância de discussão anterior entre vítima e acusado não exclui, por si só, a qualificadora referente ao motivo fútil..."(NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2013, p. 645/646).
Por tais razões, impossível o decote da qualificadora do motivo fútil.
Do mesmo modo, sem razão a Defesa quando pugna pelo decote da qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Com efeito, o próprio recorrente JÚLIO CÉSAR DA SILVA, em seu interrogatório judicial, afirmou que discutia com o ofendido em via pública, quando, em determinado momento, colocou seu aparelho de telefone celular no chão e efetuou cinco (05) disparos de arma de fogo em direção à vítima (f. 251/254-v).
A informante VIVIANE SILVA DE AGUIAR, esposa da vítima, relatou, na fase extrajudicial, que, após o primeiro disparo efetuado pelo autor, a vítima se evadiu correndo, ocasião em que foi atingida por outros disparos de arma de fogo pelas costas. Registrou, ainda, que no momento em que foi baleado, o ofendido já não estava em posse de qualquer arma branca. Confira-se:
"(...) QUE em tal ocasião FÁBIO AGUIAR já não estava segurando a faca nas mãos; QUE depois dos disparos a declarante foi ao encontro do marido, já caído ao solo; QUE depois do primeiro disparo, FABIO AGUIAR saiu correndo, momento em que JULIO CESAR atirou nas costas do marido da declarante (...)."(f. 44/46) - grifo nosso.
Sob o crivo do contraditório, a mencionada informante reafirmou que o ofendido estava desarmado no momento em que foi atingido pelos disparos de arma de fogo. Vejamos:
" (...) que no momento que o réu efetuou os disparos a vítima não estava armada (...). "(f. 238) - grifo nosso.
Registre-se, ainda, que do Laudo do Instituto de Criminalística de nº 0659/2016, acostado às f. 130/148, extrai-se que, de fato, um (01) dos disparos que atingiram o ofendido"(...) adentrou nas costas à direita (...)."(f. 140), o que corrobora as declarações da informante VIVIANE AGUIAR.
Como se vê, há indícios de que o recorrente dificultou o exercício de qualquer defesa por parte do ofendido, uma vez que, supostamente, o surpreendeu com os cinco (05) disparos de arma de fogo em momento em que a vítima estaria, inclusive, desarmada, em condição de vulnerabilidade.
Destarte, as provas carreadas aos autos não autorizam o decote das qualificadoras previstas nos incs. II e IV do § 2º do art. 121 do Código PenalBrasileiro, já que estas não se mostram, a princípio, manifestamente improcedentes.
Ademais, sabe-se a mais não poder que ocorrendo dúvidas acerca da caracterização de qualificadoras, estas devem ser dirimidas pelo Tribunal do Júri - Juiz natural da causa - no momento próprio.
Até porque, esse é o entendimento já consolidado por este Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS por meio da SÚMULA 64:
"Súmula 64 - Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes".
Eis o posicionamento jurisprudencial:
"EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO (ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I E IV) - ABORTO PROVOCADO POR TERCEIROS (ARTIGO 125) - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (ARTIGO 121, § 2º, INCISO IV C/C ARTIGO 14, INCISO II) TODOS DO CÓDIGO PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA - INDÍCIOS DA AUTORIA - MANUTENÇÃO DA PRONÚNCIA - "IN DUBIO PRO SOCIETATE" - RECURSO IMPROVIDO. - Havendo provas da existência do crime e indícios de autoria, deve ser mantida a sentença de pronúncia, nos termos do artigo 408, do Código de Processo Penal. - "Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes". (Súmula n.º 64, deste egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais). Número do processo: 1.0313.00.011367-7/001 (1). Relator: PEDRO VERGARA. Data do julgamento: 20/05/2008 Data da Publicação: 07/06/2008.
De mais a mais, em Plenário, inclusive com a possibilidade de colheita de outras provas, é que deverão os Senhores Jurados decidir sobre a pertinência ou não das referidas qualificadoras.
Neste sentido, o entendimento da douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, ad litteram:
"(...)
O recurso merece ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade.
Conforme relatado, objetiva o réu, em síntese, seja promovido o decote das circunstâncias qualificadoras, pertinentes ao motivo fútil e ao emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, previstas, respectivamente, nos incisos II e IV, parágrafo 2º, artigo 121 do Código Penal, capituladas na denúncia e reconhecidas na r. sentença fustigada.
Sem razão o recorrente, entretanto.
Conforme entendimento sumulado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Súmula nº. 64), deverão ser mantidas, na sentença de pronúncia, as qualificadoras nela reconhecidas, devendo ficar a cargo do Tribunal do Júri a sua apreciação, a teor do disposto no art. 5º, inciso XXXVIII, da Carta Magnade 1988.
(...)
No caso dos autos, da prova colhida, até a presente fase processual, extrai-se indícios da futilidade do móvel do crime doloso contra a vida em comento.
Pelo que se apurou, o delito fora praticado pelo simples fato de a vítima ter procurado o acusado, a fim de esclarecer o desentendimento havido entre este e o filho daquela, Célio José de Morais Neto.
(...)
Também no que se refere à qualificadora pertinente ao emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, dos elementos de prova colhidos, até o momento processual, verifica-se indícios de sua presença.
É que, através da dinâmica dos fatos, extrai-se o fato de que da vítima foi retirada qualquer chance de defesa ou reação.
Com efeito, o réu, agindo de inopino, após promover o primeiro disparo de arma de fogo contra o ofendido, ainda continuou atirando pelas suas costas, quando este corria, pretendendo fugir do local.
(...)
Deste modo, em uma análise perfunctória, própria da fase em que tramita o processado, impõe-se reconhecer o acerto da conclusão alcançada pelo nobre Magistrado primevo.
Ademais, como sabido, apenas haverá a exclusão de uma qualificadora, em situações excepcionalíssimas, nas quais a sua inconsistência é reconhecida de plano. Tal não ocorre no presente caso, como se viu.
(...)
Portanto, como salientado, vigorando nessa fase o princípio in dúbio pro societate, verifica-se que o acervo probatório, colhido até o presente estágio do feito, mormente a prova oral, é suficiente para manutenção das qualificadoras reconhecidas na pronúncia do réu, a fim de que seja ele submetido à sessão perante o Tribunal do Júri, juízo constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Noutras linhas, não se pode promover o decote das qualificadoras descritas na peça de ingresso, abarcadas na sentença de pronúncia, tal como pretendido pelo réu.
(...)." (f. 590/594-v).
Assim, em consonância com o parecer Ministerial, torna-se impossível o decote das qualificadoras previstas nos incs. II e IVdo § 2º do art. 121 do Código Penal, haja vista que pelas provas até então carreadas aos autos, estas não se mostram manifestamente improcedentes.
II. DA REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA
Por fim, no que tange à pretensão de revogação da prisão preventiva, melhor sorte não assiste ao recorrente.
Ressalte-se que este Tribunal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 1.0000.16.027361-1/000, impetrado em favor do acusado Júlio César da Silva, examinou a sua custódia cautelar, entendendo pela legalidade da medida extrema. Confira-se a ementa do julgado respectivo:
"EMENTA: HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR - DECISÕES FUNDAMENTADAS - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA DELITIVA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP - NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO - INADEQUAÇÃO - PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRISÃO PROCESSUAL - COMPATIBILIDADE - CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS - INSUFICIÊNCIA - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão que decretou a prisão preventiva do Paciente encontra-se devidamente fundamentada, ancorando-se nos ditames do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal e do art. 315 c/c os arts. 312 e 313, todos do Código de Processo Penal. 2. A presença nos autos de prova da materialidade e indícios suficientes da autoria do delito imputado ao Paciente aponta para a necessidade de manutenção da custódia cautelar, especialmente para garantir a ordem pública, nos termos do estatuído no art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Permanecendo os requisitos da custódia preventiva, revela-se correta a decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão, mormente se a Defesa não traz aos autos qualquer fato novo. 4. A prisão preventiva se justifica pela presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, além da aplicação do art. 313, inc. I, do mesmo Diploma Legal, já que o delito em questão é doloso e punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro (04) anos. 5. As medidas cautelares diversas da prisão preventiva revelam-se inadequadas e insuficientes em face das circunstâncias do caso, da gravidade concreta do delito e da periculosidade do Paciente. 6. A prisão processual não é incompatível com a presunção de inocência e nem impõe ao Paciente uma pena antecipada, porque não deriva do reconhecimento da culpabilidade, mas, sim, de sua periculosidade, seja para a garantia da ordem pública, seja para a futura aplicação da lei penal, razão pela qual não se há de cogitar em violação do mencionado princípio constitucional. 7. A existência de condições pessoais favoráveis, por si só, não é suficiente para autorizar a concessão da liberdade provisória, já que tais condições devem ser analisadas diante do contexto dos autos. (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.16.027361-1/000, Relator (a): Des.(a) Rubens Gabriel Soares , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/06/2016, publicação da sumula em 17/06/2016).
Sobre o tema, as jurisprudências deste Eg. Sodalício:
"EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO - IMPROCEDÊNCIA -INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA AS PARTES - PRONÚNCIA - PROVA DA MATERIALIDADE - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - QUALIFICADORAS NÃO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES - MANUTENÇÃO - REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - REQUISITOS E PRESSUPOSTOS DO ART. 312DO CPP - NITIDAMENTE PRESENTES NOS AUTOS - MANUTENÇÃO DA PRISÃO NECESSÁRIA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. I- De acordo com a norma do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. II- Por se tratar de um mero juízo de prelibação, a decisão de pronúncia exige apenas a certeza da materialidade e a presença de indícios suficientes da autoria delitiva, cabendo ao Conselho de Sentença dirimir eventuais dúvidas da acusação. III- Consoante a súmula 64 deste Egrégio Tribunal de Justiça, é defeso ao magistrado, na fase de pronúncia, decotar as qualificadoras que não sejam manifestamente improcedentes. IV- Demonstrada a gravidade dos homicídios e existindo nos autos fortes indícios de autoria e comprovada a materialidade, provada está a necessidade excepcional da custódia para garantia da ordem pública, a teor da determinação do art. 312 do CPP."(TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0105.15.016525-3/001, Relator (a): Des.(a) Alberto Deodato Neto, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 14/06/2016, publicação da sumula em 24/06/2016) (grifei).
"EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÃO CORPORAL - IMPOSSIBILIDADE - ANIMUS NECANDI - RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO - NÃO CABIMENTO - ELEMENTOS SUBJETIVOS A SEREM PERQUIRIDOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - INADMISSIBILIDADE - PRISÃO CAUTELAR LEGALMENTE AUTORIZADA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I - Presentes nos autos elementos suficientes à comprovação da materialidade delitiva e indícios satisfatórios da autoria do crime de homicídio qualificado tentado, deverá ser mantida a sentença que pronunciou o recorrente.
II - A excludente da legítima defesa somente pode ser reconhecida quando o agente utiliza moderadamente dos meios necessários para repelir injusta agressão, não podendo ser invocada quando os meios foram utilizados em proporção considerável, assumindo o acusado o resultado morte.
III - Não se desclassifica o delito quando ausentes nos autos provas seguras de que o recorrente não tenha agido com animus necandi.
IV - O reconhecimento do homicídio privilegiado só é admitido diante da existência de provas indiscutíveis, pois no caso de dúvida, a questão deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença.
V - A manutenção da prisão preventiva do recorrente encontra-se devidamente fundamentada nos pressupostos e requisitos autorizadores da custódia cautelar, na forma da garantia da ordem pública."(TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0418.15.000957-3/001, Relator (a): Des.(a) Adilson Lamounier, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/05/2016, publicação da sumula em 02/06/2016) (grifei).
Ademais, tem-se que o Magistrado a quo, na r. sentença de pronúncia manteve a custódia cautelar do recorrente (f. 544), encontrando-se a decisão respectiva devidamente fundamentada, adequando-se aos ditames do art. 413, § 3º, Código de Processo Penal e do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, senão vejamos:
"(...)
Considerando que o acusado preso em virtude de prisão preventiva, e, persistindo os motivos ensejadores da custódia cautelar, que inclusive foram ratificados pelo E. Tribunal de Justiça Mineiro, em especial a necessidade de garantia da ordem pública (art. 312, CPP), nego-lhe o direito de recorrer em liberdade e recomendo-lhe na prisão em que se encontra, devendo ali permanecer até final julgamento (art. 413, § 3º, do CPP).
(...)."(f. 544).
Instada a se manifestar, a douta PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA opinou no sentido do indeferimento do pedido de revogação da custódia preventiva, in verbis:
"(...)
Por derradeiro, pugna o acusado pela revogação da prisão preventiva decretada em seu desfavor.
Novamente, não merece prosperar a pretensão recursal.
(...)
Do citado dispositivo de lei, tal como se dá em toda e qualquer medida cautelar, vislumbra-se a presença de dois requisitos a ensejarem o decreto de prisão preventiva: periculum libertatis (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal) e fumus comissi delicti (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria).
No caso dos autos, quanto ao requisito previsto na primeira parte do aludido dispositivo de lei (periculum in libertatis), visualiza-se a presença de, ao menos, um motivo a ensejá-la, qual seja, a garantia da ordem pública.
Isso porque, além do fato de que o réu responde pela prática do delito de natureza hedionda em comento, extrai-se dos autos o fato de que este, policial militar, estaria perseguindo o filho da vítima, Célio José de Morais Neto.
Por sua vez, a presença do requisito previsto na segunda parte do art. 312 do Código de Processo Penal (fumus comissi delicti) já fora demonstrada, quando da análise do pedido de decote das circunstâncias qualificadoras.
Insta registrar, um dos motivos ensejadores da custódia preventiva do réu (garantia da ordem pública), declinado às fls. 171/171ve renovado às fls. 535/544v, ainda subsiste.
Ademais, conforme posicionamento majoritário deste E. Tribunal, uma vez permanecendo presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, não deve ser revogada a custódia decretada, se o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, como é o caso dos autos.
(...)
Urge salientar, ainda, por pertinente, que a súmula211 do STJ deixa pacificado o entendimento, no sentido de que 'Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo'.
Há que se repelir, portanto, todos os pleitos recursais.
Ao impulso de tais razões, opino pelo conhecimento e improvimento do recurso defensivo, devendo ser mantida a r. sentença hostilizada."(f. 590/594-v).
Portanto, inviável a revogação da prisão cautelar do recorrente, eis que devidamente justificada a necessidade de manutenção da custódia preventiva in casu.
Impõe-se, consequentemente, a manutenção da pronúncia tal como proferida, sem maiores considerações sobre a prova, além das mencionadas, para evitar qualquer influência sobre os Senhores Jurados, que deverão examinar livremente a acusação e as teses defensivas e dirimir eventuais dúvidas apontadas.
III. DO DISPOSITIVO
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença de Primeiro Grau.
Custas na forma da Lei.
DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES
VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE
Peço vênia ao Des. Relator para divergir de seu judicioso voto no que tange às qualificadoras do crime, pelos motivos que passo a expor.
Extrai-se dos autos (denúncia de fls. 01d/03d e vídeo contido em mídia à fl. 265) que, no dia 06/03/2016, Júlio César da Silva e Fábio Aguiar de Morais discutiam em via pública, sendo que Júlio estava portando uma arma de fogo e Fábio uma faca, trocando ameaças mútuas. Após alguns minutos de discussão, com ofensas e ameaças, Fábio entregou a faca a seu filho e continuou defronte a Júlio, com as mãos para trás, continuando o tom ríspido da discussão.
Ato contínuo, Júlio afirmou que iria"cortar"a Fábio no tiro, ao passo que esse respondeu dizendo" vai cortar o caralho ". Nesse momento, Júlio colocou seu aparelho celular no chão e efetuou cinco disparos de arma de fogo contra Fábio, o qual foi atingido por três tiros, os quais foram a causa eficiente de sua morte.
Segundo a exordial acusatória, a qualificadora de motivo fútil se encontra presente pelo fato de a ação ter acontecido após discussão entre acusado e vítima. Além disso, estaria presente a qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima, pelo fato de que, no momento dos disparos, o ofendido não estaria mais portando a faca.
Pois bem. De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, a exclusão de qualificadora apenas é viável quando for manifestamente incoerente ou injustificável, o que não ocorre no presente caso. Assim, para consolidar tal entendimento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais editou a Súmula n. 64, in verbis:
64 - Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes. (unanimidade).
Sobre o tema, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci assim esclarece:
Afastamento de qualificadoras e causas de aumento: as circunstâncias legais, vinculadas ao tipo penal incriminador, denominadas qualificadoras e causas de aumento são componentes da tipicidade derivada. Logo, constituem a materialidade do delito, envolvendo o fato básico e todas as suas circunstâncias. Quando presentes, devem ser mantidas na pronúncia para a devida apreciação pelo Tribunal do Júri. Entretanto, se as provas não as sustentarem, devem ser afastadas pelo magistrado. Na dúvida, o juiz mantém as referidas circunstâncias legais para a apreciação dos jurados; possuindo certeza de que não há amparo algum para ampará-las, torna-se fundamental o seu afastamento. Na jurisprudência: TJSE: 'Nos crimes de competência do Tribunal Popular somente é possível afastar qualificadora na fase de pronúncia, quando, notoriamente, desprovidas de provas ou estranhas aos fatos descritos nos autos, o que não ocorre na presente situação.' (RSE 0024/2004-SE, CC., rel. Edson Ulisses de Melo, 28.04.2009); (...). (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado - 10ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2011, p. 801) (grifamos).
Diante de tais considerações, conclui-se que o decote de qualificadoras somente poderá ocorrer se, de forma incontroversa, as provas acostadas aos autos mostrarem que as referidas circunstâncias são manifestamente improcedentes.
No caso em apreço, creio que razão assiste à Defesa, pelas razões que passo a explanar.
Isso porque, conforme narra a própria denúncia e como consta no vídeo contido na mídia de fl. 265, gravado pela esposa da vítima, houve ameaças de ambas as partes, estando os dois armados, um com uma faca e outro com um revólver, não sendo, dessa forma, uma simples discussão. Além disso, há um extenso histórico de desavenças entre o réu e a família da vítima, que culminou na discussão do dia dos fatos e a morte de Fábio. Vejamos o relato do acusado sobre o dia dos fatos:
(...) que no dia 06 de março de 2016 notou que havia um carro diferente estacionado em frente a casa de Fábio; que pode notar também que Fábio Wendel e Célio estavam próximos a esse carro, como se estivessem limpando o carro; que informa que naquele dia recebeu uma visita do policial reformado soldado João Suíno, o qual entrou na casa do interrogado para ser atendido pelo interrogado; que essa visita chegou em sua casa entre 08 e 08h30min, lá permanecendo por cerca de quinze minutos; que quando saiu de sua casa, conforme já narrado acima, viu um Corsa estacionado em frente a casa de Fábio Aguiar; que o interrogado abriu o portão de sua garagem e quando já estava manobrando seu veículo para sair viu Fábio Aguiar parado na rua, no rumo da garagem do interrogado; que então, de longe, Fábio Aguiar disse que queria conversar com o interrogado, ocasião em que o interrogado percebeu que Fábio estava com uma faca na mão; que o interrogado manobrou seu carro e parou ao lado da porta do açougue, mais a frente; que parou naquele local porque se Fábio Aguiar tentasse contra sua vida teria como se esquivar dele; que o interrogado estava descendo do carro e Fábio Aguiar veio em sua direção, falando que o interrogado era" Polícia de merda, Polícia de bosta, policinha de nada, que o interrogado era um babaca, um machão e que o interrogado era homem porque estava armado "; que o interrogado informa que já desceu do carro com a arma na mão, depois de perceber que Fábio estava nervoso e xingando o interrogado; que informa que Fábio Aguiar começou a ameaçar o interrogado," falando que iria cortar o interrogado todo, que ia pisar no pescoço do interrogado e que iria beber o sangue do interrogado "; que os filhos de Fábio Aguiar" Wendel "e" Celinho "ficavam atrás do pai fazendo chacota, dizendo"agora você vai ver"; que nesse momento viu que a mulher de Fábio (Viviane) chegou e ficou por trás de Fábio Aguiar, filmando com um celular; que novamente Fábio Aguiar começou a falar que o interrogado não era homem, que o interrogado era homem somente porque estava armado e chamando ainda o interrogado de machão; que o interrogado viu Fábio Wendel sacando um revólver que estava em sua cintura; que Fábio Wendel neste momento estava atrás de sua mãe, junto com" Celinho "; que nesse momento o interrogado colocou o celular no chão e atirou na direção de Fábio Aguiar; que nesse momento não deu para perceber se Fábio Aguiar estava com a faca porque ele estava com as mãos para trás; (...). [Interrogatório de Júlio César em juízo às fls. 252v/253] [grifamos].
As declarações dos familiares da vítima e do denunciado (audiência de instrução e julgamento de fls. 247/254v), bem como o relatório policial de fls. 153/155v, demonstram que havia uma conjuntura de tensão e discussões, de modo que as ameaças proferidas pela vítima momentos antes dos fatos, considerando-se que ela estava armada, não nos permite taxar a motivação do denunciado para a prática do crime, apesar de reprovável, como fútil. Nesse viés, cabe ressaltar que não se deve confundir o motivo fútil com o injusto, pois o último, embora contrário ao direito, não se equipara ao motivo frívolo ou insignificante.
Nesse sentido é a lição de Cleber Masson:
(...) Motivo fútil e motivo injusto não se confundem: todo crime é injusto, pois o sujeito passivo não é obrigado a suportá-lo, embora nem sempre seja fútil. O motivo não pode ser simultaneamente fútil e torpe - uma motivação exclui a outra. Não se aplica essa qualificadora quando a razão do crime é uma acirrada discussão entre autor e vítima, ainda que decorrente de causa desproporcional ao resultado produzido. (MASSON, Cleber. Código PenalComentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 617) (destacamos).
Observa-se, ainda, que a denúncia não faz referência à motivação do crime em si, apenas afirma que os disparos foram efetuados após a discussão, sendo que a própria exordial acusatória relata a existência de ameaças bilaterais entre acusado e ofendido, de modo que o fato de os disparos terem ocorrido após a discussão, sem considerarmos o teor dessa, não pode servir para qualificar a motivação como fútil.
De igual forma deve ser decotada a qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima, pois o ofendido teve tempo de abandonar o local, estando de frente ao denunciado durante todo o tempo, inclusive, portando uma faca inicialmente, não havendo sequer indícios de surpresa ou emboscada. Nesse sentido, deve-se salientar que o fato de o denunciado estar armado com arma de fogo e a vítima estar desarmada não é suficiente para a imputação da qualificadora. Para que haja sua incidência é preciso que o meio utilizado seja traição, emboscada ou outro meio que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, como agir de inopino.
Sobre o assunto, discorre Cleber Masson:
Outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima é fórmula genérica indicativa de meio análogo à traição, à emboscada e à dissimulação, como a surpresa, estado de embriaguez da vítima, superioridade numérica de agentes etc. A surpresa é incompatível com o dolo eventual, pois o sujeito deve dirigir sua vontade em uma única direção: matar a vítima de modo imprevisível. Cumpre destacar que não ocorre surpresa se o crime foi precedido de desavença. A superioridade de armas, ou então o emprego de arma contra vítima desarmada, por si só, não qualifica o homicídio. Exige-se também a surpresa no ataque. (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 618) (destacamos).
In casu, não somente havia desavença anterior, como houve ameaças bilaterais, com posse de arma, entre Fábio e Júlio minutos antes dos fatos, como resta devidamente comprovado na filmagem feita pela esposa do ofendido (mídia à fl. 265), sendo o disparo feito no momento em que acusado e vítima estavam de frente para o outro, trocando ofensas, provocações e ameaças, não podendo se falar em surpresa, pois o réu não ocultou sua intenção de matar a vítima.
Além disso, observa-se que a superioridade numérica estava a favor de Fábio, que estava acompanhado de sua esposa e seus dois filhos, mesmo que eles estivessem posicionados pouco atrás dele.
Como se extrai do depoimento da testemunha Ronaldo Alves Pereira em juízo à fl. 247, o réu aparentava estar acuado, por estar sozinho, ao passo que a vítima estava acompanhada de sua esposa:
(...) que no dia dos fatos estacionou seu veículo na Rua Resplendor, em frente ao açougue; que ao chegar o réu e a vítima já estavam discutindo; que ao chegar no local percebeu apenas o réu Júlio César e a vítima discutindo, tendo visto ainda o dono do açougue, dentro do açougue, e a esposa da vítima filmando o ocorrido, em frente a casa desta; que a uns cinco ou dez metros de distância tinha muitos curiosos, não sabendo dizer quem são nem quantas pessoas eram; que Júlio César estava dentro do açougue e a vítima do lado de fora, discutindo; que Júlio César estava" acuado "; que Júlio César estava portando uma arma de fogo e a vítima uma faca, entendendo o depoente que Júlio César estava" acuado "; que ao visualizar o depoente Júlio César pediu para este chamar a Polícia; que o réu Júlio César conseguiu acionar a Polícia Militar, tendo o depoente presenciado tal ligação; que antes de conseguir acionar a Polícia Militar o depoente, ao chegar no local, disse para o réu Júlio César" deixar isso para lá ", tendo o réu Júlio César dito que já havia tentado ligar duas vezes para a Polícia e estava tentando novamente; que ouviu o réu Júlio César dizer que iria deixar a Polícia chegar; que após o réu Júlio César efetuar a terceira ligação para a Polícia Militar o depoente saiu do local; que estava dentro de seu carro quando ouviu um disparo, mas não sabe quem o efetuou pois já estava dentro de seu carro; que saiu do local e foi ao supermercado Rio Doce avisar para a irmã do réu Júlio César que este estava em uma discussão" que estavam os dois armados e ele estava sozinho "; que a vítima estava acompanhada da esposa, que estava um pouco atrás filmando; que não havia ninguém armado acompanhando a vítima; que em seguida foi até a casa da mãe do réu Júlio César avisar para esta o que estava acontecendo; que em seguida retornou para sua residência. (destacamos).
O relatório da autoridade policial descreve suas impressões (fls. 153/154) acerca do vídeo:
(...) ao assistir o dito filme, percebemos trocas de ofensas e ameaças recíprocas entre Fábio Aguiar e Júlio César; num dado momento, Fábio Aguiar desfaz-se da faca que levava consigo, permanecendo Júlio César com o revólver, momento em que este afirma que" vai cortar no tiro "a pessoa de Fábio Aguiar, sendo que a vítima retruca dizendo" corta o caralho ", ocasião em que Júlio César coloca o celular que usava para falar com o serviço 190 (cento e noventa) no chão e efetua 05 (cinco) disparos na direção de Fábio Aguiar que tenta se proteger dos disparos, porém é atingido e falece nas imediações (vide laudo pericial de local de fls. 133 usque 148). [grifamos].
Desse modo, creio estar ausente o elemento surpresa, não se constatando que Júlio César agiu de modo a dissimular sua intenção, devendo a qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima ser decotada, em razão de sua evidente improcedência.
Assim tem decidido o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE - IMPOSSIBILIDADE - DECOTE DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E MEIO CRUEL - INVIABILIDADE - DECOTE DA QUALIFICADORA DO RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA - CABIMENTO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- Havendo os requisitos exigidos pela lei processual para a pronúncia (indícios suficientes da autoria e indicação da materialidade do fato), deve ser julgada admissível a acusação.
- Se a prova produzida não afasta categoricamente o ''animus necandi'', deve a questão ser submetida à apreciação pelo Conselho de Sentença, juízo natural do delito ''sub judice''.
-" Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase da pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes ".
- Existindo nos autos indícios de que o delito foi perpetrado por razão diminuta e medíocre, inviável o decote da qualificadora do motivo fútil.
- A qualificadora do meio cruel deve incidir quando o agente se vale de mecanismo para potencializar a dor da vítima, postergando a consumação do homicídio para impingir elevado e desnecessário sofrimento, demonstrando uma maior perversidade e uma maior gravidade do desvalor da ação.
- A multiplicidade de pancadas com um instrumento contundente é plenamente capaz de causar à vítima intenso martírio, não se podendo dizer, então, que a qualificadora do meio cruel é manifestamente improcedente, devendo tal questão ser resolvida pelo júri.
- Se o conjunto probatório demonstra que o ataque realizado pelo réu não ocorreu de modo inopinado, mas, antes, foi precedido por uma briga com a vítima, com quem possuía um relacionamento conturbado, atulhado por diversas desavenças, não se pode dizer que a ofendida teve tolhida a sua capacidade de reação por ter sido surpreendida, sendo incabível, portanto, a incidência da qualificadora do art. 121, § 2º, IV, do CPB. (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0056.13.026367-8/001, Relator (a): Des.(a) Furtado de Mendonça, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/03/2015, publicação da sumula em 08/04/2015) (destacamos).
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE COMPROVADA. INDÍCIOS DE AUTORIA. LEGÍTIMA DEFESA NÃO DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO NEGADA. INCOMPROVAÇÃO DO DOLO. DÚVIDA QUANTO À INTENÇÃO DO RÉU. MATÉRIA DE MÉRITO AFETA AO CONSELHO DE SENTENÇA. DISCUSSÃO INCABÍVEL NA PRIMEIRA FASE DO PROCESSO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. MOTIVAÇÃO FÚTIL. EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE. BRIGA ANTERIOR ENTRE RÉU E VÍTIMA. OFENDIDO QUE DESFERE UM TAPA NO ROSTO DO RECORRENTE. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
- A absolvição sumária, prevista no art. 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, somente é possível mediante prova estreme de dúvidas.
- Não havendo prova estreme de dúvida quanto à real intenção do agente, se agiu ou não com dolo, cabe ao Tribunal do Júri decidir acerca do assunto.
- Se réu e vítima discutiram antes do evento - antecedente psicológico não desproporcional, ainda que injusto -, o decote da qualificadora do motivo fútil se faz necessário.
- Recurso provido em parte. (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0680.10.000377-0/001, Relator (a): Des.(a) Nelson Missias de Morais , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 23/01/2014, publicação da sumula em 03/02/2014) (grifamos).
Dessa forma, o acusado deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri pela prática do crime tipificado no art. 121, caput, do Código Penal.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo, apenas para decotar as qualificadoras de motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima, previstas no art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, mantendo, no restante, a decisão vergastada nos termos em que foi proferida.
Sem custas.
É como voto.
____________________________________________________________
DESA. DENISE PINHO DA COSTA VAL - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:"NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O PRIMEIRO (1º) VOGAL."
Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Rec em Sentido Estrito : 10105160166184001 MG
Nenhum comentário:
Postar um comentário