40 ANOS DO GOLPE NO CHILE
11/09/2013 - 06h00 | Victor Farinelli | Santiago
Após trauma de golpe militar de 64, brasileiros revivem repressão no Chile com Pinochet
Entre os detidos, está o ex-governador de São Paulo José Serra; pelo menos quatro morreram nas mãos da ditadura
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Ser brasileiro em Santiago, em setembro de 1973, era uma condição de risco, e havia muitos nessa situação. Entre eles, conhecidos intelectuais e políticos brasileiros, como Fernando Gabeira, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Herbert de Souza e a economista luso-brasileira Maria da Conceição Tavares – os últimos chegaram a colaborar com ministérios do governo de Salvador Allende em alguns projetos.
Obrigados a sair do Brasil, encontraram no Chile uma experiência de socialismo democrático que parecia adequada aos seus ideais de esquerda. Porém, viveram lá o segundo golpe de Estado de suas vidas, e alguns não sobreviveram a ele.
Naqueles primeiros dias após o golpe, o exército chileno, esparramado por toda a capital chilena, tinha a missão de capturar o maior número possível de pessoas vinculadas ao governo de Salvador Allende ou ligadas direta ou indiretamente a ideais e atividades consideradas subversivas.
Reprodução A missão também tinha como objetivo identificar e interrogar todo e qualquer cidadão estrangeiro, tanto que alguns aviões e helicópteros que sobrevoavam os bairros mais centrais distribuíam folhetos com mensagens orientando os chilenos a denunciarem os estrangeiros que fossem observados em atividades suspeitas ou antipatrióticas.
[O engenheiro comunista Tulio Roberto Quintiliano Cardoso figura como desaparecido]
Segundo o historiador Cristián Gazmuri, “os brasileiros estavam entre os mais visados naquela missão, porque as Forças Armadas já sabiam que muitos dos que viviam em Santiago naquela época eram opositores da ditadura brasileira, que foi a provável foi a fonte dessa informação”.
Embora não existam dados precisos, os órgãos ligados a causas de direitos humanos estimam que uma centena de cidadãos estrangeiros esteve detida no Estádio Nacional naqueles primeiros meses da ditadura. Os brasileiros seriam um dos grupos mais numerosos, e um deles sairia de lá sem vida.
Wânnio
Naquele mesmo estádio, transformado em campo de concentração, em outubro de 1973, o militante comunista Wânnio José de Mattos Santos viveu seus últimos dias sob tortura e padecendo de um grave estado infeccioso. A Comissão Rettig (primeira comissão da verdade chilena, em 1991) apontou que Wânnio faleceu por não ter tido a atenção médica que necessitava no momento, e que isso configurava um cerceamento grave dos seus direitos humanos.
[O professor universitário Nelson de Souza Kohl foi executado pelo regime chileno]
Ele não foi o primeiro brasileiro morto pelos militares chilenos. Na mesma semana do golpe, foram vistos pela última vez com vida o engenheiro comunista Tulio Roberto Quintiliano Cardoso, que figura no relatório final da Comissão Rettig como desaparecido, e os professores universitários Nelson de Souza Kohl e Luiz Carlos de Almeida, executados com tiros pelas costas – o corpo de Almeida foi encontrado dias depois, flutuando pelo Rio Mapocho.
Jane
A última das vítimas fatais seria também a única mulher da lista, e a única cujo crime teria acontecido fora de Santiago. Jane Vanini, militante do Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR, na sigla em espanhol), trabalhava como secretária administrativa e vivia em Concepción. Foi capturada junto com seu namorado, em outubro de 1974. Dois meses depois, no dia 6 de dezembro, Vanini foi encontrada morta e a versão oficial da época afirmou que teria sido atingida por uma bala durante um enfrentamento armado.
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[Jane Vanini era militante do MIR e também foi morta pelo regime]
As cinco vítimas brasileiras do regime de Pinochet são citadas em processos mais recentes, iniciados pela Corte de Apelações de Santiago no ano de 2009, e ainda não foram concluídos. Em resposta a uma consulta realizada pela reportagem de Opera Mundi, a Embaixada do Brasil no Chile afirmou que está acompanhando os cinco processos envolvendo brasileiros, junto com o INDH (Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile) e o Museu da Memória. Também estaria sendo avaliada uma possível visita ao Chile de membros da Comissão Nacional da Verdade do Brasil, que contaria com a intermediação da Embaixada.
Serra
Escapar do segundo golpe de estado que viveram, em plena juventude, não juventude foi uma tarefa difícil para os brasileiros que o tentaram. Entre que conseguiram, está o ex-governador de São Paulo José Serra, que viveu no Chile entre 1965 e 1974.
Serra deixou o Brasil logo após o golpe militar de 1964, quando era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e era uma das figuras mais visadas pelos militares brasileiros. Primeiro, exilou-se temporariamente na Bolívia, mudando-se depois para o Chile, onde se estabeleceu.
Reprodução José Serra durante exílio no Chile, com a esposa Mónica Allende
Em Santiago, Serra conheceu a esposa Mónica Allende – que não tem parentesco aparente com o ex-presidente Salvador Allende – e trabalhou na FLACSO (Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais), onde foi colega de outros jovens que seriam figuras importantes da política chilena como o ex-presidente Ricardo Lagos Escobar (2000-2005).
Diante de outro golpe de Estado, Serra usou sua influência como funcionário da FLACSO para ajudar na fuga de outros estrangeiros que viviam no Chile, segundo um testemunho exclusivo dado por Ricardo Lagos Escobar para Opera Mundi: “Formamos um grupo junto com o Serra, que se encarregou de inventar subterfúgios para permitir a saída de várias pessoas do país, mas nem sempre era possível, porque os militares controlavam rigidamente o aeroporto internacional e todas as fronteiras próximas a Santiago”.
No dia 14 de outubro de 1973, foi a vez de Serra tentar, sem sucesso, sair do Chile, em um avião da Alitalia. “O Serra tentou convencer os militares de que iria voltar no dia seguinte, era uma das desculpas que inventávamos na época, às vezes funcionava, e ele quase convenceu os soldados, mas no último controle de identidade, descobriu que seu nome estava marcado”.
Efetivamente, o nome de Serra constava em um documento emitido pelo Ministério de Relações Exteriores, que pedia informações a respeito de estrangeiros que viviam no país. Serra foi detido e levado ao quartel da Polícia de Investigações (similar chileno à Polícia Civil), onde esteve entre as 12h daquele dia 14 de outubro e as 16h do dia seguinte.
Devido à insistência em alegar sua imunidade diplomática, a qual contava como funcionário da FLACSO, Serra foi levado ao Estádio Nacional, onde permaneceu das 17h às 21h30, do dia 15 de outubro de 1973.
O livro Associação Ilícita, do jornalista chileno Maurício Weibel, que traz documentos secretos da ditadura de Pinochet, contém o documento que salvou a vida de Serra. Trata-se de uma carta enviada pelo secretário geral da FLACSO, Luis Ramallo, na qual exige do Ministério de Relações Exteriores a libertação de Serra e o respeito à imunidade que ele possui como funcionário da instituição. Ao sair do Estádio Nacional, Serra conseguiu asilo temporário na Embaixada da Itália, onde permaneceu até sua saída definitiva do Chile.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/31145/Apos+trauma+de+golpe+militar+de+64+brasileiros+revivem+repressao+no+
chile+com+pinochet.shtml
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