Justiça Federal aceita denúncia contra cinco militares e um ex-delegado
Bomba foi detonada dentro do Puma no Riocentro, na noite de 30 de abril de 1981 - Anibal Philot / Arquivo O Globo
por Chico Otavio
RIO - Numa decisão histórica, a Justiça Federal no Rio aceitou a denúcia contra os seis acusados pelo Ministério Público Federal pelo atentado a bomba no Riocentro, em 1981. Com isso, viram réus o coronel da reserva Wilson Luiz Chaves Machado, o ex-delegado Claudio Antonio Guerra, os generais reformados do Exército Nilton de Albuquerque Cerqueira e Newton Cruz, o general reformado Edson Sá Rocha e o major reformado Divany Carvalho Barros. Eles responderão pelos crimes de tentativa de homicídio doloso, associação em organização criminosa, transporte de explosivos, favorecimento pessoal e fraude processual.É a primeira vez que uma denúncia criminal referente ao caso do Riocentro vira processo. Outras tentativas foram rechaçadas pela Justiça Militar e pelo Supremo Tribunal Federal. Essas instâncias entenderam que os crimes do Riocentro estariam “perdoados” pela Lei da Anistia, assinada em 1979 no Brasil.
O atentado, organizado por um grupo da linha-dura do regime militar, provocou a explosão de duas bombas no Riocentro em 30 de abril de 1981, durante um show em comemoração pelo 1º de maio. Uma das bombas explodiu dentro do Puma usado pelos dois militares que executavam o atentado - o então capitão Wilson Machado e o sargento Guilherme Pereira do Rosário, ambos agentes do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército. Rosário morreu no ataque.
Em 16 de fevereiro deste ano, O GLOBO antecipou os termos da denúncia, formulada pelos procuradores do Grupo de Justiça de Transição do Ministério Público Federal no Rio. Em 30 de março, reportagem do GLOBO mostrou também que o então presidente João Figueiredo foi avisado do ataque ao Riocentro.
Ao aceitar a denúncia, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, disse entender que os crimes, ocorridos há 33 anos, não prescreveram por duas razões: os crimes de tortura, homicídio e desaparecimento de pessoas, cometidos por agentes do Estado no período da ditadura militar brasileira configuram crimes contra a Humanidade; pelo Direito Internacional, acolhido pelos Estados e pela ONU, crimes contra a Humanidade são imprescritíveis.
“Passados 50 anos do golpe militar de 1964, já não se ignora mais que a prática de tortura e homicídios contra dissidentes políticos naquele período fazia parte de uma política de Estado, conhecida, desejada e coordenada pela mais alta cúpula governamental. Os fatos narrados na denúncia encontram-se, em tese, dentro desse contexto, na medida em que, segundo a tese ministerial (do Ministério Público), a ser submetida ao contraditório, o atentado a bomba descrito fazia parte de uma série de outros quarenta atentados a bomba semelhantes ocorridos no período de um ano e meio, direcionados à população civil, com o objetivo de retardar a reabertura política que naquele momento já se desenhava”, escreveu a juíza.
Ana Paula Vieira de Carvalho lista ainda vários exemplos de casos internacionais em que crimes contra a Humanidade foram considerados imprescritíveis, e destaca que esse é um princípio respeitado por vários países. Conclui: “Acrescento, ainda, que o Brasil já em 1914 ratificou a Convenção Concernente às Leis e Usos de Guerra Terrestre, firmada em Haia em 1907, na qual reconhece o caráter normativo dos princípios jus gentium preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da Humanidade pela exigências da consciência pública. Desde o início do século XX, pois, reconhece a forma normativa destes princípios. Finalmente, é necessário deixar consignado que a força deste costume internacional remonta às decisões do Tribunal de Nuremberg, portanto em muito anteriores aos fatos ora em julgamento. Por todo o exposto, e presente o suporte probatório mínimo configurador da justa causa, recebo a denúncia.”.
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