Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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segunda-feira, 31 de março de 2014

Como a ditadura sequestrou crianças


Como a ditadura sequestrou crianças e torturou famílias para obter delações

Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo

Na fase mais violenta da ditadura militar brasileira, quando não mais restavam técnicas de tortura para arrancar delações de suas vítimas, os torturadores recorriam a um último expediente: usar os filhos dos presos políticos, sejam eles crianças ou mesmo bebês, na última tentativa para obter informações. Ou então torturava-se em família: pais, mães, filhos, irmãos sofrendo juntos os horrores do cárcere.
Presa aos 26 anos no DOI-Codi de São Paulo, Maria Amélia Teles relembra o dia em que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra pegou nas mãos de seus dois filhos --Edson Teles, 5 anos, e Janaina, 4-- e os levou até a sala onde ela estava sendo torturada, nua, suja de sangue, vômito e urina, na cadeira do dragão. Na mesma sala estava o marido e pai das crianças, César Teles, recém-saído do estado de coma.
"Minha filha perguntava: 'mãe por que você ficou azul e o pai verde?' Meu marido entrou em estado de coma e quando saiu estava esverdeado. E eu estava toda roxa, cheia de hematomas e ela viu aquela cor roxa como azul. Meu filho até hoje lembra do momento em que eu falava "Edson" e ele olhava para mim e não sabia que eu era a mãe dele. Estava desfigurada", recorda Amelinha, como é conhecida.

Sequestrados, filhos de Amélia Teles a viram sob tortura - 3 vídeos



Militantes do PCdoB, Amelinha e César foram presos juntos, em uma rua da Vila Clementino, na zona sul de São Paulo, e levados ao DOI-Codi, que funcionava na rua Tutóia, no bairro do Paraíso. "Eles gritavam: 'você está na Oban (Operação Bandeirante). Sabe o que é a Oban? É o Paraíso no inferno. Fica no Paraíso, mas aqui é o inferno'."
Depois que os dois foram presos, os agentes da repressão dirigiram-se até a casa deles e "sequestraram" as duas crianças e a irmã de Amelinha, Criméia Almeida, grávida de oito meses de João Carlos Grabois (Joca Grabois), que foi torturado antes mesmo de nascer no cárcere: sua mãe levou choques elétrico na barriga.
Enquanto Amelinha e o companheiro enfrentavam como podiam as sessões de tortura, Edson e Janaina foram trancados em quartos dentro do DOI-Codi de onde ouviam gritos dos torturados e se assustavam com uma campainha que anunciava a chegada de mais um preso. "Quando tive a oportunidade de morar com eles novamente, vi que tinham pavor de campainha. Saíam correndo para dentro do banheiro, debaixo da cama. Porque achava que era um soldado que iria levá-los para torturar."
A ameaça contra os filhos era constante, relembra Amelinha. "Houve momentos que eles falavam. 'você viu sua filha hoje? Não viu porque ela vai ser morta. Você vai ver ela num caixãozinho. Você quer um caixãozinho branco? De que cor você quer?".
Bruno Miranda/Folha Press - 07.set.2006
Da esquerda para direita: Crimeia Alice, César Teles, Maria Amélia Teles, Joca Grabois, Janaina Teles e Edson Teles

"Diziam que éramos filhos de terroristas"

Adilson Oliveira Lucena, então com 8 anos de idade, tentava aprender as primeiras letras junto com a irmã gêmea Denise e a caçula Telma, de três anos no dia 20 de fevereiro de 1970. O trio não podia frequentar a escola porque os pais viviam na clandestinidade. As aulas de alfabetização eram dadas pela mãe Damaris, maranhense e militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) assim como o pai Antônio Raymundo Lucena.
Os tiros na parte externa da casa dos Lucena em Atibaia (SP) assustou a mãe e os filhos, que correram para debaixo das camas. Com o fim dos disparos, Adilson correu para fora e viu o pai baleado. "Ele estava sem camisa, tinha recebido muitos impactos de bala. Eu entrei chorando dentro de casa. Depois saiu minha mãe com a Telma no braço e eu senti um tiro. Acho que deram o último tiro de misericórdia nele."

Na infância, professor foi perseguido pela ditadura - 3 vídeos



O dia mais triste da vida da família também marcava o início de uma saga de perseguição, tortura e humilhação. Os três foram levados a uma delegacia policial no município, onde Damaris passou pelas primeiras torturas. "Ali fomos tratados como delinquentes. Tinha muita gente. A notícia correu a cidadezinha", relembra Adilson, hoje professor de espanhol.
Arquivo Pessoal
Antonio Raymundo Lucena, morto em 1970
Adilson afirma que foi levado mais de uma vez até a casa em que viviam, ainda suja de sangue e toda bagunçada, para ser interrogado pelos agentes. "Pegaram uma bainha de facão do meu pai e me bateram. Disseram que já tinham feito isso com outras crianças Aí chorei muito."
Os filhos foram tirados da mãe pelos agentes da repressão, que não conseguiam achar um novo lar para as crianças em orfanatos e instituições de caridade. "Ninguém queria ficar com a gente. Diziam que éramos filhos de terroristas", conta Adilson, com os olhos marejados.
Arquivo Pessoal
Foto mostra os filhos de Antonio Raymundo e Damaris Lucena. Da esquerda pra direita, Adilson, Telma e Denise. A imagem estava em poder do Dops
As crianças acabaram sendo levadas para uma instituição de menores na zona leste da capital, "praticamente uma prisão", nas palavras de Adilson, que teve de ser separado das irmãs. "Eram muitos maus-tratos, castigos. Não deixavam a gente ver televisão, desenhos animados. Inclusive as portas eram grades."
Após alguns dias, a viúva Damaris foi levada ao temido DOI-Codi de São Paulo, onde os filhos também estiveram. "Eles insinuaram que iriam torturar a gente na frente da minha mãe. Ela ficou louca. Tiveram que dar uma injeção para acalmá-la."
A liberdade das crianças, da mãe e de outros militantes veio por meio do sequestro de um cônsul japonês, Nobuo Okuchi, pela VPR. A família exilou-se no México e depois em Cuba. Até hoje não se sabe o paradeiro do corpo do pai. "Em todas as culturas têm-se o direito de enterrar seus mortos. Isso é uma coisa que não conseguimos até hoje. Nós queremos recuperar essa coisa da família, talvez um último ato de enterrar seu ente querido."

Aos 16 anos, Ivan Seixas foi preso com a família toda - 4 vídeos



Tortura em família

O jornalista Ivan Seixas foi preso em São Paulo em 1971, aos 16 anos, junto com o pai Joaquim Alencar Seixas. Ambos eram da linha de frente do Movimento Revolucionário Tiradentes, enquanto a mãe Fanny atuava no apoio da organização de luta armada. Ambos foram brutalmente torturados no DOI-Codi de São Paulo, com choques elétricos e espancamento na cadeira do dragão, para que entregassem companheiros. "Pareciam cachorro louco. Me estraçalharam de porrada."

OUTRO LADO

Na entrevista, Ivan Seixas acusa os capitães do Exército Enio Pimentel Silveira e Dalmo Lúcio Cirillo, além dos ex-delegados da Polícia Civil David dos Santos Araújo e João José Vetoratto pelas torturas contra ele e pela torturas e morte do pai.

Seixas diz ainda que o coronel Brilhante Ulstra comandava as torturas no DOI-Codi de São Paulo. Maria Amélia Teles afirmou que Ulstra a torturou e levou os filhos dela para presenciar os atos de violência.

A reportagem conversou com Ulstra por telefone e também enviou e-mail aomilitar da reserva, mas ele se recusou a falar sobre as denúncias. O Exército também foi procurado, mas não enviou posicionamento sobre as acusações contra os capitães.

David dos Santos Araújo foi procurado na Dacala, empresa de segurança mantida por ele no Campo Belo, zona sul de São Paulo. A reportagem deixou recado com um funcionário, mas não houve retorno.

Por telefone, Vetoratto negou ter torturado Ivan e matado Joaquim Seixas e afirmou nunca ter presenciado tortura no DOI-Codi. "É mentira dele. Ele era um moleque de 16 anos, nem cheguei a conversar com ele. Ele foi condenado pela justiça federal. Eu não fazia nada disso (tortura). Fiquei sabendo que ele foi preso com o pai, a mãe e as irmãs, não vi nenhum deles. Só o Ivan, um dia que estava indo até a sala do rádio."
Após horas de tortura, quando percebeu que havia anoitecido, Ivan "abriu" o endereço de sua casa, na confiança de que a mãe e as duas irmãs já haviam deixado o local para escapar dos militares. As três, no entanto, ainda estavam lá e também foram levadas ao DOI-Codi, onde foram espancadas e uma das irmãs, violentada. "Elas foram colocadas em uma sala abaixo da sala de tortura para ouvir tudo."
Ivan conta que, ao deixar o centro de repressão com os militares para uma "simulação de fuzilamento", leu em um jornal pendurado numa banca que "o terrorista Joaquim Seixas" havia sido morto. "Eu pensei: 'mataram ou vou matar meu pai'".
Quando retornou ao DOI-Codi, viu Joaquim vivo, mas ele não duraria muito: seria morto durante uma sessão de tortura horas depois."Eu ouvi a morte, a gritaria. Ouvi eles falando 'não precisava ter matado'. É um diálogo que a minha mãe também ouve. Aí faz um silêncio, apagam-se as luzes, e descem com o corpo. A minha mãe vê pelo vitrô as roupas dele e a cabeça envolta nos jornais."
Hoje, diz Ivan, o assunto é tabu na família Seixas. Minha mãe já morreu. Com as minhas irmãs a gente conversa, mas é muito dolorido falar sobre isso. A morte do meu pai é evitada. Porque é muito chocante."

"Infância raptada"

No mesmo dia em que o AI-5 (Ato Institucional nº5) foi decretado, em 13 de dezembro de 1968, Maria Auxiliadora Arantes foi presa em Pariconha, sertão de Alagoas, com os filhos André, de três anos, e Priscila, com dois. Militante da Ação Popular (AP), ela fazia trabalho de base junto a camponeses e indígenas daquela região.
A família foi levada ao Dops de Maceió e depois à cadeia pública da capital alagoana, onde ficaram por algumas semanas. "Era janeiro, fevereiro, um sol abrasador em Maceió. Os dois tinham diarreia o tempo todo, pegaram uma infecção grave. Não tínhamos assistência médica", relembra Maria.
Folhapress
Da esquerda para direita: Maria Auxiliadora, André, Priscila e Aldo Arantes
O trio ficou preso na Escola de Aprendizes Marinheiros, onde tinham direito a um banho de sol diário de uma hora, e depois em uma policlínica da Polícia Militar. Lá, a diversão das crianças era contar os ratos que atravessavam o pequeno pátio onde a família fazia os banhos de sol.
"A gente ficava brincando de contar os ratos . Naquela época passava o Tom & Jerry. Era um pátio de descarte do hospital, com lixo hospitalar, material cortante", relembra Maria, que, durante o cárcere, tentava entreter os filhos com atividades lúdicas.
O ex-deputado Aldo Arantes (PCdoB), marido e pai das crianças, também estava preso, em outro presídio em Alagoas. A família ganhou a liberdade após cinco meses de cárcere, quando foram inocentadas em um tribunal local.
As crianças viveram com uma identidade falsa até 1976, quando os pais tiveram de explicar tudo após o episódio da chacina da Lapa, em que militares mataram três militantes do PCdoB na zona oeste de São Paulo. Na ocasião, o pai Aldo foi preso. "Tive que entregar os dois ao tio, que os levou para a casa da avó em Belo Horizonte."
"Só com 11 ou 12 anos de idade foram saber quem eram, que tinha família, avós, tios. Eles tiveram a infância raptada pela ditadura", diz Maria.

Dilma diz que dia de hoje exige


Que "nos lembremos do que aconteceu"


Do UOL, em Brasília

A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira (31), em cerimônia no Palácio do Planalto, que "o dia de hoje exige que nos lembremos e contemos o que aconteceu", em referência aos 50 anos do golpe militar de 1964.
Dilma lembrou que 50 anos atrás o Brasil "deixou de ser um país de instituições ativas, independentes e democráticas e que por 21 anos nossa liberdade e nossos sonhos foram calados, mas que graças ao esforço de todas as lideranças do passado, dos que vivem e dos que morreram, foi possível ultrapassar os 21 anos de ditadura".

Arte/UOL
Em um período de polarização entre a esquerda e a direita, faça suas escolhas e veja como você passaria pelos 21 anos da ditadura no Brasil
Jogue

A presidente Dilma Rousseff integrou os quadros da organização Colina (Comando de Libertação Nacional), grupo que lutou contra a ditadura e que tinha aparelhos (esconderijos) em Belo Horizonte. Segundo seus colegas da época, Dilma era "disciplinada e dedicada", e não chegou a pegar em armas. Ela chegou a ser presa e torturada durante o regime militar.


Veja abaixo o que a presidente disse sobre a efeméride:
"O dia de hoje exige que lembremos e contemos o que aconteceu. Devemos isso a todos que morreram e desapareceram, aos torturados e perseguidos, a suas famílias, a todos os brasileiros. Lembrar e contar faz parte de um processo muito humano, desse processo que iniciamos com as lutas do povo brasileiro, pela anistia, Constituinte, eleições diretas, crescimento com inclusão social, Comissão Nacional da Verdade, todos os processos de manifestação e democracia que temos vivido ao longo das últimas décadas. Um processo que foi construído passo a passo, durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura.
A grande [escritora] Hanna Arendt escreveu que toda dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. As cicatrizes podem ser suportadas e superadas, porque hoje temos uma democracia, podemos contar nossa história. Nesse Palácio, dois anos atrás, quando instalamos a Comissão Nacional da Verdade, eu disse que se existem filhos sem pais, pais sem túmulos, nunca mesmo pode existir uma história sem voz. E o que dará voz à história são os homens e mulheres livres sem medo escrevê-la. Quem dá voz à história somos nós".

Exames de rotina

A declaração de Dilma foi feita em cerimônia no Planalto para assinatura do contrato para construção da ponte sobre o rio Guaíba, no Rio Grande do Sul.
A declaração foi dada após Dilma passar, na manhã dessa segunda-feira (31), porexames de rotina, segundo a Presidência da República, no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. A assessoria do Planalto não deu mais informações sobre os exames nem sobre a saúde da presidente. 

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