Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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Investigação mostra que ainda há corpos de vítimas da ditadura no cemitério de Perus



Um time de peritos luta por uma nova escavação na mais infame das valas do regime

LEANDRO LOYOLA
11/06/2015 - 08h00 - Atualizado 11/06/2015 13h06



cemitério de Perus se estende pela descida de um morro, entre uma estrada sinuosamente estreita e uma fazenda de eucaliptos, no extremo noroeste da cidade de São Paulo. É um local isolado, em meio a sítios e à mata do Parque Anhanguera, no bairro que dá nome ao cemitério. Lá não existem jazigos de mármore – nem mesmo túmulos de cimento. Os milhares de sepulturas são apenas montes de terra, como barrigas a sair do chão, alinhadas simetricamente ao horizonte. Ali a morte é sugerida, nunca anunciada. Os vestígios dela aparecem nos poucos montes de terra adornados com pequenas placas de cimento. São feitas e vendidas ali mesmo, com nome, datas e, em alguns casos, foto da pessoa morta. Muitas sepulturas nada têm. Resta apenas o mato. E o silêncio.
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Entre o final de setembro e a primeira quinzena de outubro do ano passado, o arqueólogo Rafael Abreu e dois colegas trabalharam em Perus, numa área fora desse perímetro de sepulturas. O trio examinou a área com um radar de penetração de solo, um aparelho semelhante a um cortador de grama, com uma tela na haste, capaz de detectar alterações no terreno. Metodicamente, durante três dias eles cobriram cerca de 2.500 metros quadrados, empurrando o aparelho por 68 linhas com cerca de 50 centímetros de largura.
Naquele local onde ninguém pisa, a tela mostrou “anomalias” relevantes em duas áreas, a cerca de 50 centímetros de profundidade – confirmadas dias depois por exames em laboratório. Em um relatório de 25 páginas, encaminhado no início deste ano à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a equipe representada por Rafael recomenda uma escavação arqueológica de um mês no local. Na década de 1970, o cemitério de Perus foi usado como esconderijo para corpos de presos políticos torturados e assassinados em São Paulo pela ditadura militar. Em 1990, num dos maiores achados sobre as brutalidades da ditadura, descobriu-se lá uma vala clandestina, que escondia 1.049 sacos plásticos pretos com ossadas de indigentes – entre eles, de desaparecidos políticos. Agora, há fortes suspeitas de que as anomalias detectadas pelo radar em Perus sejam sinais da existência de uma segunda vala clandestina, ou de uma parte não escavada da fenda original. Esses buracos podem ocultar ainda ossadas de até 39 pessoas que se opuseram à ditadura e figuram há 40 anos na lista de mortos e desaparecidos políticos do regime.
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A vala original tinha 23 metros de comprimento, demarcados hoje por um retângulo estreito feito de tijolos, e cortada por um monumento vermelho curvo, erigido em homenagem aos desaparecidos políticos enterrados em Perus. A pesquisa de campo feita no ano passado aponta duas novas áreas suspeitas. Uma delas tem a forma de um retângulo, com 6 metros de largura por 11 metros de comprimento e 1,75 metro de profundidade. Pode ser uma segunda vala, ainda intocada. A outra área é formada por seis pontos próximos à vala original, o que levanta a hipótese de ela ser maior do que se sabia até agora. “A pesquisa que fizemos é muito importante porque tem a possibilidade de que a vala não tenha sido escavada totalmente”, diz o antropólogo forense José Pablo Baraybar, coordenador do Grupo de Trabalho Perus. “A vala que foi escavada (em 1990) tem uma área muito pequena. Nós temos de voltar lá e verificar.”
 
Cemitério de Perus, onde há sinais de que há uma nova vala pode guardar mais 40 corpos  (Foto: Matuiti Mayezo/Folhapress)
Monumento em homenagem aos desaparecidos na vala clandestina no cemitério  (Foto: Luiz Carlos Leite/Folhapress)
A retirada das ossadas em 1990 (Foto: Ignacio Aronovich/Lost Art/ÉPOCA)
O peruano José Pablo é diretor da Equipe Peruana de Antropologia Forense, uma referência internacional no trabalho de investigar crimes do passado a partir de restos mortais. Em mais de 20 anos de missões pelo mundo, já escavou terrenos em busca de mortos pela violência da ditadura da Argentina, por outros tipos de abuso em quase todos os países da América Latina, em genocídios motivados por guerras, como no Kosovo, ou por causa de fatores étnicos e tribais, em locais como Ruanda. Uma dessas missões recentes deu-se na Somalilândia, um pequeno enclave que se declara independente da Somália, país sem governo no nordeste da África. Advogados americanos bancaram escavações em busca de provas para condenar à cadeia perpetradores de um genocídio étnico na região.

Com o apoio de uma rede que envolve o Ministério Público Federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a Universidade Federal de São Paulo, José Pablo, seus colegas peruanos e, no início, uma equipe argentina formaram a primeira equipe brasileira de arqueólogos e antropólogos forenses. Estruturaram o método de trabalho do que se chama agora Grupo de Trabalho Perus. Ao contrário de países vizinhos, como Peru, Argentina e Uruguai, e apesar de ter um histórico de violência, o Brasil nunca teve gente capaz de investigações assim. Perus só poderia ser o primeiro lugar da lista: é o mais importante esconderijo de corpos da ditadura já descoberto. Entre as 1.049 ossadas tiradas de lá, foram identificados restos mortais de três desaparecidos políticos – Frederico Mayr, Flávio Molina e Dênis Casemiro. Mas resta uma dúvida: os registros do cemitério indicam que 1.500 ossadas desapareceram. Como da vala aberta saíram 1.049 sacos, com uma ossada cada, existe a suspeita de que outras 450 ainda estejam escondidas sob o solo de Perus.
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O Ministério Público Federal espera apenas uma oportunidade para, depois de 25 anos, escavar o terreno de Perus como se deve. “A Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos não vai dar por encerrado o trabalho de análise do caso Perus sem ter a certeza de que não existem mais ossadas lá”, afirma a procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da comissão.

Será uma etapa fundamental da recente – e atrasada – busca pela reconstituição dos abusos cometidos pela ditadura militar no Brasil. Assim como optou por não punir os responsáveis por abusos aos direitos humanos no período, o Estado brasileiro pouco fez desde a redemocratização para encontrar as 136 pessoas desaparecidas ou mortas cujos corpos nunca foram achados. Como na Argentina, com as Mães da Praça de Maio, a busca por desaparecidos políticos como os de Perus só existe no Brasil porque a mobilização das famílias atingidas compensou o imobilismo do Estado. É uma história que começou ainda na década de 1970, sob a ameaça da ditadura – e só tem um pequeno êxito –, graças à coragem de alguns.
Caixões de madeira
Assim que foi libertada da prisão, em setembro de 1972, Fanny Akselrud passou a frequentar o deserto e longínquo cemitério de Perus. Sempre acompanhada de uma das filhas, toda semana Fanny tomava o trem do ramal Santos-Jundiaí na estação da Luz até Perus e, depois, caminhava cerca de 2 quilômetros por uma estrada de terra para visitar a sepultura do marido, Joaquim Alencar Seixas, o primeiro enterrado lá, em março de 1971. Operário por profissão e militante do Movimento Revolucionário Tiradentes, o MRT, por escolha, Joaquim morreu após sessões de tortura no DOI-Codi, na Rua Tutoia, em São Paulo. Fanny, as duas filhas e um filho foram presos com Joaquim. Fanny e as filhas foram torturadas e amargaram mais de um ano de cadeia. A caminhada semanal de Fanny ao cemitério era, em essência, um ato de bravura. Em carros descaracterizados, agentes da repressão xingavam e ameaçavam Fanny pelo caminho. Enquanto ela chorava à beira do túmulo do marido, um agente se aproximava e apontava: “Esta cova aqui do lado nós reservamos para o seu filhinho. Ele vai ficar ao lado do papai”. Preso e torturado com o pai, o adolescente Ivan puxava o que seriam sete anos de cadeia. Com o tempo, os coveiros começaram a se aproximar de Fanny e aconselhar: “Tira daqui, que vão sumir com ele”. Assim que venceu o prazo mínimo de três anos, Fanny levou os restos mortais de Joaquim para o Rio de Janeiro.

Antonio Pires Eustáquio chegou a Perus em 1976, quando Fanny não ia mais lá. Depois de vender sua parte na sociedade em um jornal de bairro na Zona Sul e fazer estágios em cinco grandes cemitérios, o mineiro foi nomeado administrador do inóspito Perus e agraciado com o privilégio de morar em uma ampla sala dentro do cemitério – moradia gratuita no lugar mais calmo e silencioso que havia. Perus era o maior depósito de indigentes, mortos que não possuem nada, cujos corpos não são reclamados pelas famílias ou simplesmente não são identificados. “Cuide dos indigentes, olhe por eles. Eles não têm ninguém, só você”, disse a Antonio o diretor do departamento, Hélvio Alcoba, na frente de seu braço direito, Nélson Moreira. “Aquilo ficou na minha cabeça”, diz Antonio. Toda vez que um carro do Instituto Médico-Legal chegava, Antonio verificava tudo. Os corpos vinham em caixões de madeira, com a tampa solta; muitos tinham perfurações de balas. Com frequência a descrição não batia com o laudo do IML – alguns vinham até sem registro. Antonio já tinha notado que, normalmente, os carros do IML chegavam cheios, com até 12 corpos de uma vez. Em algumas ocasiões, era bem diferente. O carro trazia apenas um corpo, escoltado de longe pela polícia.

Antonio aproveitava as noites para verificar os livros de registro do cemitério. Deparou com um mistério: faltavam dados das exumações dos indigentes. Após três anos e 30 dias, os restos mortais são exumados – as famílias podem levá-los para outro lugar ou transferi-los para um ossário. Outra alternativa é “inumar no mesmo local”, ou seja, enterrar na mesma sepultura, mais fundo, para abrir espaço a um novo cadáver em cima. “Normalmente, ao lado do nome e da sepultura, tinha no livro uma coluna anotada a data da exumação e, do lado, o local no ossário ou escrito ‘inumado no mesmo local’”, diz. “Mas, em vários, tinha apenas a data da exumação e nada para onde tinha ido.” Os corpos haviam sumido – como os coveiros, anos antes, avisaram a Fanny que aconteceria.

Os coveiros que falavam com Fanny não confiavam em Antonio. Quando ele perguntava sobre os indigentes, ouvia silêncio. O auxiliar do antigo administrador desconversava. Contudo, a turma do cemitério gostava de relaxar do trabalho em pescarias na Represa de Mairiporã – sempre com um copinho ao lado. “O Pedro, o operador da retroescavadeira, gostava de umas canjebrinas”, diz Antonio. Um dia, os dois ficaram sozinhos em um canto. “Aí eu pensei: ‘É agora’.” Antonio perguntou e, com as ideias amolecidas, Pedro abriu. “Ah, rapaz, isso é terrorista, não pode falar...”, disse. Contou que, tempos antes, Nélson Moreira, do serviço funerário, havia ido ao cemitério, examinado o terreno e escolhido um local. “Eles fizeram eu abrir uma vala lá atrás do cruzeiro, rente ao barranco, e jogar tudo lá.” O “tudo” eram corpos de indigentes enterrados na quadra 1 da gleba 1 do cemitério, que haviam sido exumados – os tais que Antonio não encontrava o destino registrado nos livros. Eram cerca de 1.500. Antonio procurou – e não havia registro da vala nos livros do cemitério. Era clandestina, ilegal. Quando foi aberta, em 1976, a vala não tinha razão de existir. Havia espaço no cemitério.

A partir da Lei da Anistia, em 1979, Antonio começou a notar a presença frequente de familiares com perfil diferente no cemitério onde prevaleciam famílias pobres da região. Eram parentes dos desaparecidos, uma figura cuja existência ficava mais fácil de tratar à medida que a ditadura caminhava para o fim. “A coisa começou a esquentar”, diz Antonio. Em 1980, quando havia contratado dois vigias noturnos de sua confiança, ele se sentiu seguro para investigar. Certa noite, pegou uma sonda de ferro de 3 metros de comprimento e foi para trás do cruzeiro. Seguindo as indicações dadas por Pedro na pescaria, começou a espetar o solo. Onde o ferro não penetrava, era sinal de terra nunca mexida. Até que, numa das tentativas, a sonda entrou inteira facilmente, um sinal inequívoco de terra revolvida, de buraco aberto e coberto. Antonio se lembrou da descrição de Pedro. “Eu fui furando, testando até achar o limite, o barranco dela”, diz. “Eu vi que tinha achado a vala”, diz Antonio. Em outra noite, Antonio pegou uma trena, voltou e mediu a vala. E guardou o segredo.
A câmara de ossos
As ossadas só foram desenterradas da vala clandestina de Perus dez anos depois. Os familiares dos desaparecidos passaram a se mexer mais após a abertura política, e Antonio se tornou um aliado bem posicionado para repassar informações. Em 1988, a então petista Luiza Erundina foi eleita prefeita de São Paulo. Ela bancou a abertura da vala, a retirada das ossadas e o transporte para um laboratório de medicina legal na Universidade de Campinas. O material foi levado em dois caminhões e seguido por um comboio que incluía até o carro da prefeita. Os responsáveis receberam ameaças por telefone. “Vocês não chegam a Campinas. Vão explodir no caminho”, diziam. Uma CPI foi aberta na Câmara Municipal. Antonio foi a principal testemunha para desvendar a história. 

Em 1993, Paulo Maluf, que fora prefeito indicado pela ditadura no início da década de 1970, voltou ao cargo pelo voto, como sucessor de Erundina. Um de seus primeiros atos foi demitir Antonio. As ossadas de Perus permaneceram mais de 20 anos na Unicamp, a maior parte do tempo abandonadas. Em 2001, por pressão dos familiares dos desaparecidos, foram levadas para o Cemitério do Araçá, em São Paulo. Nada foi feito com elas.

Em setembro do ano passado, as ossadas de Perus deixaram o Araçá em um caminhão. Rodaram alguns quilômetros até uma casa de quase 500 metros quadrados, na Zona Sul de São Paulo. Depois de 20 anos, o material voltou a ser examinado, agora pela turma montada por José Pablo. É um processo metódico, repetitivo. Na parte de baixo do sobrado, onde funcionava a lavanderia, antropólogos e arqueólogos retiram uma ossada por vez dos sacos colocados dentro de caixas de plástico. Limpam e organizam os ossos sobre uma peneira de metal, apoiada em tanques feitos com tambores cortados ao meio. Até o pó resultante é recolhido e peneirado novamente. O processo é registrado em fichas e fotos. Depois, os ossos são levados a uma câmara, onde a temperatura é mantida em torno de 20 graus e a umidade não passa de 60%. Após alguns dias, os ossos seguem para uma sala mais ampla, bem iluminada. Na parede, as fotos dos rostos dos 42 desaparecidos políticos procurados observam os técnicos que trabalham sobre três mesas dispostas sobre cavaletes. Os ossos são medidos, separados e montados. Algumas ossadas quase formam um esqueleto inteiro; outras têm poucos ossos. É possível inferir, com alguma precisão, a faixa etária da pessoa.

Em condições normais, um trabalho como esse é a última etapa de um longo processo. É preciso estudar o contexto dos desaparecimentos, entrevistar testemunhas, conhecer o local, escavar, retirar ossadas e tudo o que estiver em volta com extremo cuidado para, só depois, buscar identificações. O caso de Perus é diferente. “Aqui (em Perus) começamos do contrário, porque (as ossadas) já foram exumadas”, diz José Pablo. A abertura da vala em Perus foi feita na raça, por coveiros, sem os devidos cuidados. “Os ossos foram misturados, muitos quebraram, a terra não foi peneirada e não foi feito nenhum registro à época”, afirma o arqueólogo Rafael Abreu, que esteve em locais como a Somalilândia com José Pablo.

Com o estudo prévio, o trabalho fica mais fácil. No caso de Perus, é preciso encarar as dificuldades porque os familiares esperam por isso. Em 25 anos, muitos pais e irmãos dos desaparecidos morreram, o que reduz a chance de uma identificação perfeita, por um caro exame de DNA a partir dos ossos. “É um processo complicado, muito tempo já foi perdido com espera.” Em 2013, quando o grupo brasileiro começou a ser estruturado pelos peruanos, foi acertado que as outras etapas de pesquisa seriam feitas em paralelo ao trabalho com as ossadas.
Técnicos manipulam as ossadas retiradas do cemitério de Perus em 1990 (Foto: Ignacio Aronovich/Lost Art/ÉPOCA)
Técnicos manipulam as ossadas retiradas do cemitério de Perus em 1990 (Foto: Ignacio Aronovich/Lost Art/ÉPOCA)
Técnicos manipulam as ossadas retiradas do cemitério de Perus em 1990 (Foto: Ignacio Aronovich/Lost Art/ÉPOCA)
Técnicos manipulam as ossadas retiradas do cemitério de Perus em 1990 (Foto: Ignacio Aronovich/Lost Art/ÉPOCA)
Desencavando o passado
A ida de Rafael e seus colegas a Perus, com o radar de solo, foi a tentativa de saber todo o possível sobre o terreno e a ocupação de Perus. Há poucos documentos sobre a planta do cemitério, características do solo ou como foram feitos os sepultamentos. A equipe conseguiu fotos aéreas da década de 1970, que permitiram reconstituir a ocupação do cemitério. Em algumas é possível divisar dez misteriosas covas abertas em uma área isolada. Até um drone foi usado para fotografar a área hoje.

A ditadura militar possuía mecanismos para ocultar a causa das mortes e os cadáveres. A maioria dos mortos que chegavam ao IML era direcionada a legistas comprometidos e saía de lá com laudos adulterados, com nomes falsos, para cemitérios onde se sepultavam indigentes. Cientes desse mecanismo, Rafael e a historiadora Márcia Hattori começaram em 2013 uma pesquisa por documentos em arquivos públicos. Compilaram dados de 1971 a 1980 de 20 livros do cemitério de Perus, com cerca de 600 páginas cada um, e cerca de 5 mil documentos entre registros do IML. Descobriram que, enquanto outros legistas assinaram até 400 laudos enviados para Perus naquela década, os legistas Harry Shibata e Isaac Abramovitch, notórios soldados da ditadura no IML, assinaram apenas 15 e oito laudos, respectivamente. “Isso reforça a suspeita de que esses corpos eram de presos políticos”, afirma Márcia.

Os dois encontraram uma preciosidade: uma caixa com fotos dos desaparecidos, dadas pelas famílias há décadas para uma das primeiras tentativas de identificar os desaparecidos. Resgataram os arquivos com contatos das famílias – alguns números de telefone ainda tinham seis dígitos – e falaram com 39. Devido à falta de documentos, como fotos, a conversa com os familiares pode render informações como a existência de uma fratura, capaz de ajudar na identificação dos ossos. Alguns familiares desistiram do assunto; outros contam longas histórias, com detalhes que podem ajudar na identificação. Alguns se emocionam. Ao degravar a entrevista de um familiar, um técnico da equipe chorou sem parar. “Antropologia forense não é só uma questão de ossos na mesa, não é um CSI”, afirma José Pablo, em referência ao seriado Crime scene investigation, em que uma equipe de legistas usa inteligência e alta tecnologia para desvendar crimes. “Se não tem uma pesquisa preliminar, você não tem nada. Tem de saber a quem você está procurando, quantas pessoas, em que contexto elas sumiram.”

Em 2015, o obstáculo para uma nova escavação em Perus não é a vigilância de ditadores, desconhecimento ou falta de tecnologia – é dinheiro. A casa-laboratório precisa de uma reforma, calculada em R$ 500 mil, para comportar mais uma carga de ossos que podem ser retirados do cemitério, além das ossadas que já estão armazenadas lá. É uma ninharia. Um processo de licitação para escolher quem fará o trabalho está correndo. Depois que a empresa for acertada e assinar o contrato, a obra deverá demorar até cinco meses.

A pesquisa sobre as ossadas de Perus pode resultar, ao menos, numa satisfação do Estado às famílias. É um direito delas, consagrado pelas leis e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Os rituais fúnebres atendem a instintos primitivos de todos os humanos. Na Colômbia, uma mãe foi buscar a ossada de seu filho, desaparecido em um conflito, identificada após uma pesquisa. Ao ver os ossos, ela pegou uma falange e passou-a pelo corpo, de olhos fechados, como se estivesse recebendo um gostoso carinho. Muitas mães de Perus morreram sem isso. 










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