31/03/2014 15h42 - Atualizado em 31/03/2014 20h34
Advogado de 88 anos conta consequências da luta contra o regime militar.
Sul-mineiros comentam como a repressão refletiu também na região.
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Há exatos 50 anos os militares derrubaram o presidente João Goulart e tomaram o poder no Brasil, culminando no golpe militar de 1964, que perdurou por 21 anos no país. Foi um período conturbado da história política, com repressão violenta aos opositores do regime militar. Entre muitas histórias, duas que aconteceram no Sul de Minas refletem a intolerância violenta do regime a qualquer manifestação que pudesse ir contra o sistema: as agressões que deixaram sequelas físicas e psicológicas em um advogado de 88 anos, que não consegue mais sequer comer um bife, e a repressão a duas pessoas de Passos (MG) por tocarem uma música considerada proibida na época.
(ESPECIAL "50 ANOS DO GOLPE MILITAR": a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na "lei ou na marra", com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985. Saiba mais.)
advogado
Luta pela liberdade
"Eu andava no carro com um cartaz escrito: abaixo à ditadura. Isso me valeu muita dor de cabeça. A tortura que sofri arrebentou a minha boca, eu não consigo comer um bife, porque eu engasgo. O arroz tem que ser papa e algumas sopas", conta o advogado Joaquim Guimarães Ferreira, de 88 anos, ao se lembrar das consequências que sofreu ao lutar contra a ditadura militar. Hoje morando em São Sebastião do Paraíso (MG), ele pertenceu ao grupo de Carlos Lamarca, um dos líderes da oposição ao regime instalado no Brasil em 1964.
O advogado conta que foi preso e sofreu tanto que para alguns é impossível de acreditar. "A pessoa sendo pura, não acredita que existe tanta maldade. Eu passo noites e noites sem dormir, lembrando daquela época. Eu tenho muito medo do escuro e carrego uma lanterna na cabeceira da cama e uma bateria com a lâmpada, porque se acabar a energia, eu ligo a minha luz. Isso tudo porque fomos torturados no escuro, não enxergávamos nada", comentou.
A música que falava de flores
No dia 7 de setembro de 1969, militares invadiram o prédio da rádio onde Sebastião de Almeida trabalha há 60 anos. Ele não sabia que naquela tarde seria vítima da repressão só porque tocou uma música proibida pela ditadura. "Chegaram dois policiais armados com fuzis e mandaram que eu tirasse o disco, com bastante violência. Eu tirei e entreguei para eles", conta.
A música era "Para não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. "Eles disseram que ela era proibida, mas nós não tínhamos sido comunicados. Ela estava na discoteca e foi por isso que toquei", completou.
historiador
A mesma música também deixou a pedagoga Marise Pacheco e os colegas em apuros. Ela ganhou um disco do pai que tinha a música de Geraldo Vandré e colocou para tocar em um restaurante, ponto de encontro de estudantes naquela época. Ela diz que foi surpreendida pela intolerância do regime.
"Eu fiquei impressionada. Achei que era brincadeira o que estava acontecendo. Eu achei engraçado e a música continuou tocando. Aí pegaram o disco e nos mandaram sair do bar", lembra.
O desrespeito dos militares pelos direitos das pessoas é o que mais deixa Marise indignada até hoje. "Por causa de uma música termos que sair de um bar é terrível. A pessoa nem se identificou, estava à paisana", disse.
Ditadura atrasou educação
O historiador Antônio Teodoro, conhecido como professor Grillo, afirma que o período de opressão é responsável pela ignorância de toda uma geração. Em 48 anos dando aulas, o que ele mais preza é ensinar aos jovens a não permitirem que o idealismo e o desejo de mudanças lhes sejam roubados.
Para ele, a ditadura cassou a capacidade de refletir sobre a nossa realidade e de reconhecer as nossas necessidades. "A ditadura caçou essa linha de reflexão sobre a realidade brasileira. Várias famílias queimaram bibliotecas pequenas, mas significativas, para que seus filhos não pudessem mergulhar nisso. Hoje somos professores, todos enquadradinhos à uma ciência e escola organizada. Não se estuda mais socialismo. Não se estuda mais realidade brasileira", completou.
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