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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Ex-policial que seqüestrou durante a ditadura agora processa jornalista que viu tudo e contou — em VEJA e em livro

24/05/2011
 às 20:31 \ Política & Cia


Cunha: o seqüestrador que deveria estar na cadeia tenta condenar, na Justiça, o jornalista que testemunhou seu crime e o relatou em VEJA
Amigos, no país da impunidade mais vergonhosa que é o Brasil, não faltava mais nada: um seqüestrador que deveria estar na cadeia tenta condenar na Justiça o jornalista que presenciou e denunciou seu crime.
A história tem mais de 30 anos – é de novembro de 1978 – mas, pelo visto, ainda não terminou.
O inspetor aposentado do DOPS gaúcho João Augusto da Rosa, vulgo ‘Irno’, um dos autores do seqüestro ilegal e clandestino ocorrido em Porto Alegre dos refugiados uruguaios Universindo Díaz e Lílian Celiberti, mais os dois filhos menores dela, tenta hoje nesta quarta, 25, um recurso na Justiça gaúcha para condenar o jornalista Luiz Cláudio Cunha.
Na ocasião, Luiz Cláudio era chefe da sucursal de VEJA em Porto Alegre e, depois de receber um telefonema anônimo, acabou sendo testemunha involuntária do sequestro, uma ação coordenada de militares da então ditadura que sufocava o Uruguai e de policiais da polícia política do Rio Grande do Sul no âmbito da nefanda “Operação Condor”, organização clandestina que, na década de 70, coordenou ações de repressão a opositores do regime nas seis ditaduras do Cone Sul – Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Uruguai e Paraguai.
A desembargadora Marilena Bonzanini, do Tribunal de Justiça gaúcho, relatora do processo, julgará o recurso de Irno, de que participarão também os desembargadores Íris Helena Medeiros Nogueira e Leonel Pires Ohlweiler, da 9ª Câmara Cível do TJ.
Para o seqüestrador, revelar a verdade é “injúria”
O seqüestrador insiste na ação que instaurou, em 2009, contra o jornalista e a Editora L&PM que, em 2008, publicaram o livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios — uma reportagem dos tempos da ditadura (livro extraordinário, que já indiquei aos amigos do blog). Quer ser indenizado em dinheiro.
“Irno” considera que o jornalista cometeu injúria contra si ao narrar a história, apoiado não apenas no que ele e o falecido fotógrafo J. B. Scalco presenciaram, mas num maciço conjunto de provas divulgadas em reportagens de VEJA durante mais de um ano e que valeram aos jornalistas a à revista, entre outros, o Prêmio Esso de 1979.
(O policial aposentado, por alguma razão, não está processando VEJA pela extensa cobertura de 86 semanas que proporcionou a seus leitores, entre novembro de 1978 e junho de 1980, com os detalhes escabrosos do sequestro praticado há 33 anos.)
Foi ele quem apontou uma pistola para o rosto do jornalista
“Irno” foi o homem desconhecido que apontou uma pistola para o rosto de Luiz Cláudio num apartamento situado na rua Botafogo, no bairro Menino Deus, na tarde de 17 de novembro de 1978. A ação foi presenciada pelo fotógrafo de Placar J. B. Scalco, já falecido, que acompanhara Luiz Cláudio até o apartamento onde o seqüestro estava ocorrendo. Os uruguaios também foram testemunhas.
Depois de um exaustivo trabalho de investigação, ele acabou sendo foi reconhecido pelo jornalista e pelo fotógrafo J.B Scalco como um dos sequestradores dos uruguaios.
O reconhecimento aconteceu na CPI instaurada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul sobre o caso e também na Justiça Federal, que condenou Irno em primeira instância a pena de 6 meses de prisão por “abuso de poder” e suspensão de suas atividades de policial em Porto Alegre por dois anos.
Oswaldo Pires e Manoel Bezerra, advogados, com Pedro Seelig, João Augusto Rosa e Orandir Lucas, policiais de participaram do sequestro dos exilados uruguaios
Ganhou recurso “por insuficiência de provas”. As principais estavam presas no Uruguai
Ele recorreu e ganhou o recurso no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul por “insuficiência de provas” – as principais provas, os dois militantes de esquerda uruguaios, estavam encerrados nas masmorras da ditadura do país vizinho.
“Irno” integrava a equipe do notório delegado Pedro Seelig, diretor do DOPS gaúcho e a peça mais importante do aparato repressivo da ditadura no sul do do país. Seelig — tal como se deu com “Irno” e o ex-jogador de futebol do Internacional de Porto Alegre e então escrivão Orandir Potassi Lucas, o “Didi Pedalada”, outro seqüestrador identificado pelos jornalistas – foi mais tarde reconhecido pelos uruguaios como o chefe das sessões de tortura em Lílian e em Universindo na antiga sede do DOPS, na avenida Ipiranga, na capital gaúcha, das quais participava o major do Exército uruguaio Glauco Yanonne.
Camilo e Francesca Cesariego, filhos de Lilian Celiberti e Universindo Diaz, com seus avós
Juíza nega em primeira instância e fala em “triste episódio”
A primeira tentativa de “Irno” de inverter de ver punido quem denunciou o crime que ele cometeu esbarrou na firme decisão contrária em primeira instância. No dia 6 de julho passado, a juíza Cláudia Maria Hardt, da 18ª Vara Cível do Foro de Porto Alegre, julgou improcedente a ação do seqüestrador do DOPS, que ela define como “triste episódio contado no livro… relato pertencente a um tempo ‘página infeliz da nossa história’, nas palavras do próprio Chico Buarque”.
Diferentemente do que ocorrera em 1983, Lílian Celiberti pôde ser testemunha em juízo, em favor de Luiz Cláudio, e teve a chance — face a face, pela primeira vez após o sequestro —, de apontar João Augusto da Rosa (o “Irno”) como um dos seus seqüestradores. Confirmou tudo o que o jornalista disse e escreveu em VEJA e no livro.
A juíza Hardt acentua, em sua sentença final: “Não há que se olvidar os abusos cometidos pelas autoridades instituídas durante o período do regime militar brasileiro. São inúmeras as compilações históricas e os relatos dos que vivenciaram a etapa em que o país esteve distanciado da democracia. Inegáveis as arbitrariedades, os excessos e as violências infligidas a muitas pessoas. Também não se pode desconsiderar as restrições impostas à imprensa naqueles momentos em que muitos dos direitos irmanados com a dignidade humana e a liberdade foram deixados de lado”.

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