por Inara Fonseca, membro da Revista Vírus Planetário no Mato Grosso. ViaOCOMPRIMIDO.
Foto de Toni Bernardo da Silva, estudante assassinado.
Em 2006, quando o jovem Toni Bernardo da Silva deixou Nova Guiné, na África, para estudar Economia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, por meio de um programa de intercâmbio, ele não poderia prever o que a mudança traria para sua vida: a morte. Aos 27 anos, o estudante africano foi cruelmente assassinado por dois policiais militares e um empresário, numa pizzaria da cidade, no dia 22 de setembro de 2011. Os policiais Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira e o empresário Sérgio Marcelo Silva da Costa já foram indiciados e respondem pelo crime de lesão corporal seguida de morte.
Segundo laudo técnico, Toni foi morto por asfixia, após ter a traqueia fraturada. De acordo com a polícia, o estudante de Guiné-Bissau teria abordado um casal no restaurante para pedir R$ 10. Em seguida, ele teria sentado em uma cadeira ao lado dos dois e teria se aproximado da namorada do rapaz. Sérgio Marcelo Silva, namorado da garota, teria revidado e entrado em luta corporal com o rapaz. Ao verem a briga, outros dois clientes anunciaram serem policiais militares e imobilizaram o estudante. No entanto, os três passaram a desferir socos e pontapés contra ele.
Apesar dos acusados terem sido presos em flagrante – e apesar de todos os presentes na pizzaria terem presenciado o ato de covardia contra Toni – a juíza da 8ª Vara Criminal de Cuiabá, Maria Rosi de Meira Borba, considerou o crime lesão seguida de morte. O próprio inquérito da Polícia Civil sugeriu que fosse imputada a pena de homicídio qualificado.
Má preparação policial, racismo, impunidade, preconceito e violência (inclusive, moral) nas Universidades marcaram o caso de Toni. Após sua morte, a UFMT apressou-se em afirmar que Toni era usuário de drogas e que não se responsabilizava mais pelo estudante, já que esse havia sido desvinculado do programa de intercâmbio em decorrência de mau comportamento. A postura foi duramente criticada pelos movimentos sociais que apontavam a Universidade como omissa e denunciavam a falta de políticas institucionais em relação ao uso de drogas dos estudantes. Apesar das críticas, após a morte de Toni o posicionamento da reitora da UFMT, Maria Lúcia Cavalli Neder, foi anunciar o cancelamento do convênio que permitia que jovens africanos estudassem no Brasil.
Igualmente inquisitória, a mídia local tentou justificar o crime apontando Toni como um delinquente viciado. Negro, pobre e estrangeiro assassinado por ícones da hegemonia (policiais e um empresário filho de advogado), Toni não teve chance contra seus agressores. Se jornais, revistas e sites se apressaram em expor a vida pessoal de Toni e arruinar a imagem do jovem, a polícia adiantou-se em proteger Higor Marcell Mendes Montenegro, Wesley Fagundes Pereira e Sérgio Marcelo Silva da Costa, negando-se, inclusive, a conceder fotos dos acusados.
É importante frisar: Ainda que Toni fosse usuário de drogas, ainda que ele tenha realmente abordado de forma desrespeitosa o casal, ainda que ele tivesse feito qualquer coisa: nada justifica o que foi feito. Ele foi brutalmente assassinado e os algozes até hoje respondem ao processo em liberdade – e se forem presos será apenas por lesão seguido de morte.
“Infelizmente, a situação não é nova, mas algo cotidiano. O extermínio do jovem negro se dá dia a dia. A luta do Toni também é a luta pelo fim do extermínio da juventude negra que ocorre desde sempre, tanto na sociedade, quanto na Universidade”, disse Nayara Del Santo, membro do Fórum de Estudantes Negros e de Origem Popular.
De acordo com as estatísticas do Mapa da Violência 2011, nos últimos anos houve um forte crescimento na vitimização da população negra. Se em 2002 morriam 46% mais jovens negros que brancos, em 2008 o índice saltou para 127%. Em média, para cada jovem branco, 13 negros são assassinados.
“Eu fui amigo do Toni, ele frequentava minha casa. Toni era o meu contato com os demais estudantes africanos e me ajudou muito. Um cara do bem, sempre com um sorriso no rosto”, lembrou Éder Medeiros.
Saiba mais sobre o caso e a repercussão na UFMT: clique aqui.
A próxima audiência, onde ocorrerá o julgamento dos acusados, já foi marcada para fevereiro de 2013 (clique aqui para saber +).