Lis Andreia Ferreira, que hoje mora em Brasília, afirma que Toni Bernardo era uma pessoa pacífica e sem traços de violência
ALIANA CAMARGO
Mayke Toscano/Hipernotícias
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Delegado Antônio Esparândio (sentado), encarregado do inquérito que apura a morte do estudante, disse que Toni morreu por asfixia: a traqueia se rompeu com um golpe |
Filho
de uma família tradicional de Guiné-Bissau, o ex-estudante da UFMT Toni
Bernardo da Silva, 27 anos, morto por policiais militares e um empresário na
noite de quinta-feira (22), teria sido vítima de racismo, de acordo com sua
ex-namorada brasileira, que hoje vive em Brasília.
Segundo
ela, o pai de Toni, que tem o mesmo nome do filho, é formado na Rússia em agronomia. Um tio é
oficial das forças armadas em Guiné-Bissau. Toni ainda tem mais 14 irmãos,
alguns vivem em outros países. Uma irmã faz direito na França, e outro exerce a
arquitetura em Lisboa, Portugal.
De
acordo com a ex-namorada de Toni, Lis Andreia Ferreira, o pai do ex-estudante
da UFMT o mandou para o Brasil a fim de fazer economia em um dos países que
despontam nesse segmento no mundo, para que em seu retorno à Guiné-Bissau
pudesse exercer a profissão na estrutura do governo.
“O
pai dele é muito idealista e por isso mandou alguns de seus filhos para fazer
faculdade em outras universidades pelo mundo; o objetivo era que eles
pudessem ajudar no desenvolvimento de seu país”, afirma Lis Andreia, a
ex-namorada de Toni.
Lis
Andreia, que é publicitária, afirma que a trajetória de Toni, que culminou com
a tragédia, pode se tratar de caso de racismo, que camufla uma realidade para
um país miscigenado como o Brasil. “Muitas vezes é velado (o racismo)”.
“A
característica desse crime bárbaro que cometeram com o Toni é social. Olharam
para uma pessoa negra, pobre e que apenas esbarrou em uma pessoa; eles já
pensam que é muito perigoso para a sociedade e quiseram exterminar”, disse Lis,
que namorou o jovem rapaz durante um ano, entre 2007 e 2008.
Lis
Andreia Ferreira trabalha atualmente na Secretaria de Publicidade no Governo do
Distrito Federal. Na manhã seguinte à tragédia, Lis ligou para a Embaixada de
Guiné-Bissau no Brasil, onde irá exigir, junto com todos os familiares de Toni
Bernardo, as investigações à Policia.
“Liguei
para a embaixada e eles já estavam a par de toda a situação. Estamos nos
organizando para exigir uma resposta do porquê Toni foi brutalmente agredido.
Conhecia ele muito bem e a convivência era pacífica. Ele não gostava de
violência”, afirmou.
A
ex-namorada disse ainda que o caso está tendo repercussão internacional, já que
a família do estudante é formada por pessoas de classe média, que vão exigir
explicações para a morte trágica. Toni deixou uma namorada brasileira grávida
de oito meses.
OUTRA SITUAÇÃO
Toni
Bernardo se encontrava em situação de risco. De acordo com amigos, ele estava
envolvido com o uso de drogas pesadas (como pasta-base ou cocaína) há alguns meses,
e a UFMT não teria dado a assistência necessária para que ele fizesse
tratamento.
De
acordo com Ernani Ernesto Dias, estudante de letras de Guiné-Bissau e amigo de
Toni Bernardo, a assistência se resumiu a três ou quatro consultas realizadas
por uma psicóloga da Instituição.
“Deram
assistência através de uma psicóloga, não duradoura e nem intensiva”
complementou Ernani Dias.
O
acordo de cooperação de intercâmbio acadêmico colocou Toni Bernardo sob a
tutela da União, por meio da UFMT. O estudante havia se afastado da faculdade
desde o início deste ano.
Para
casos em que há problemas com algum estudante de intercâmbio internacional que
não está correspondendo com o Programa de Estudante-Convênio Graduação (PEC-G),
o procedimento é comunicar à Polícia Federal no Estado, ao Departamento de
Cooperação Científica e em seguida à Secretaria de Educação Superior (SESu). A
questão é se esse procedimento foi realizado ou não pela instituição.
O
objetivo, conforme à cláusula da PEC-G, é para que sejam tomadas as
providências necessárias ao retorno do estudante. A Instituição é tutora do
aluno nesta situação.
TRAGÉDIA
De
acordo com Ernani Ernesto Dias, familiares do estudante estão consternados e de
lá da África também buscam informações na Embaixada do Brasil naquele país. A
estudante de letras Luana Soares, amiga brasileira dos estudantes africanos disse
que alguns não têm a assistência devida por parte da instituição.
“Eles
(os estudantes africanos) vêm sofrendo na UFMT, com condições de moradia e por
falta de bolsas. A instituição os recebe por meio de um convênio e os
estudantes não têm assistência!”, exclamou Luana.
TRATADO
O
acordo de cooperação entre os países observa que os participantes do programa
poderão usufruir de auxílios econômicos por parte da instituição de origem ou
acolhimento, no caso a UFMT. Mas será um esforço já que os gastos com alimentação,
viagem e moradia ficam por conta do estudante que, além disso, tem que arcar
com seguro saúde e todas as despesas com material educativo, cabendo à
instituição a promoção de aulas e eventos.
Atualmente
a UFMT mantém intercâmbio com vários países. Segundo Luana Soares, que também
faz parte da frente acadêmica de luta, existe cerca de 20 estudantes do
continente africano.
ATO DE REPÚDIO
Nesta
segunda-feira (26), às 14h, a UFMT realiza ato de repúdio contra violência
no centro cultural.
Em
nota, a UFMT divulgou repúdio ao fato: “A violência de que foi vítima o
ex-estudante de Economia, Toni Bernardo, da República da Guiné-Bissau,
ex-integrante do programa de mobilidade internacional PEC-G, exige punição dos
responsáveis e reflexões sobre a cultura da paz”.
Na
noite de sexta-feira (23), cerca de 150 alunos fizeram um protesto em forma de
vigília, em frente à pizzaria Rola Papo, local onde o estudante foi morto no
dia anterior. Amigos e colegas acenderam velas para lembrarem a forma como o
rapaz foi morto.
OUTRO LADO
A
reportagem tentou entrar em contato com o Departamento de Relações
Internacionais da UFMT. Porém, por ser final de semana, não conseguiu falar com
nenhum integrante do setor.
Na
sexta-feira (23) à tarde, a pró-reitora Myriam Serra, da Pró-reitora de Ensino
e Graduação, e outros representantes da instituição se reuniram com os
estudantes africanos às portas fechadas.
De
acordo com Luana Soares, alunos brasileiros foram impedidos de participarem da
reunião pela alegação que eles não tinham nada a ver com a morte do estudante
africano Toni Bernardo.
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