Polícia mata três a cada 48 horas
Levantamento do governo federal mostra que 46 pessoas são
assassinadas todo mês por quem deveria protegê-las
Renata Mariz
A cada 48 horas, três pessoas são assassinadas por policiais no Brasil. Um total de 46 mortes por mês ou 560 anualmente, de acordo com levantamento feito pelo Ministério da Saúde a pedido do Estado de Minas.
O terror do extermínio comandado pelos homens fardados, entretanto, é muito maior. Isso porque os números oficiais sofrem de um mal freqüente no setor da segurança pública: asubnotificação. “É impossível identificar a totalidade dos casos, nem todos os estados informam, as metodologias de notificação variam”, explica Cristina Neme, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência, ligado à Universidade de São Paulo. Os números apresentados pelo Ministério da Saúde foram extraídos da base de dados mais atualizada da pasta, o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), referente ao ano de 2006. A região com o maior índice de mortes provocadas pela polícia é a Sudeste, que registrou 490 assassinatos de civis. Famoso pela corporação que mais mata no mundo, o Rio de Janeiro respondeu por 290 ocorrências. Um pouco atrás, São Paulo fez 198 notificações. Juntos, os dois estados reúnem quase 90% dos registros nacionais daquele período. Embora tenham as estatísticas mais assustadoras do país, menos de 1% das ocorrências de morte em ações policiais realizadas no Rio e em São Paulo chegam aos tribunais, segundo relatório da Anistia Internacional.
“A impunidade começa antes mesmo do ato de matar”, diz Sandra Carvalho, diretora da organização não-governamental Justiça Global, uma das mais atuantes do país na defesa dos direitos humanos. Para ela, a formação militarizada do policial, a falta de órgãos de controle e o grau de corporativismo nas investigações em que há policiais suspeitos contribuem para que as punições quase nunca aconteçam. “Falta independência às ouvidorias, corregedorias e órgãos de perícia. Sempre que há mortos em operações policiais, os corpos são removidos antes que os investigadores cheguem, os laudos de pólvora simplesmente não são feitos, provas somem do inquérito”, afirma Sandra.
Um caso que se tornou emblemático é o de Wallace de Almeida, 18 anos, negro, que servia o Exército como recruta. Em 1998, o garoto foi morto em frente à sua casa, no Morro da Babilônia, Rio de Janeiro. Revoltada com a lentidão da polícia, que não finalizou a investigação até hoje, a família do jovem apelou aos organismos internacionais. O caso está sob análise da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). É provável que o organismo receba mais uma reclamação brasileira de execução pela polícia, emperrada nos meandros investigativos. Trata-se do episódio conhecido como Chacina do Parque Bristol, quando três jovens foram assassinados, em meio a semana de horror provocada pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC), entre 12 e 19 de maio de 2006, em São Paulo. A única testemunha das execuções, o estudante Fernando Elza, 22 anos, acabou sendo morto sete meses depois da chacina e poucos dias antes da data marcada para o primeiro depoimento sobre o caso. AMEAÇAS “Além de enfrentar a resistência da polícia em investigar e punir seus pares, as famílias das vítimas que lutam por justiça sofrem ameaças, são perseguidas e muitas vezes assassinadas”, lamenta Eloísa Machado, advogada da organização Conectas Direitos Humanos.
Gilvan Mundim, pai do estudante Marllos Jankel Mundim, 17 anos, conseguiu a condenação judicial do policial militar que matou seu filho em 2000, no Distrito Federal, com um tiro nas costas. O ex-cabo Pedro Ferreira Pedrosa pegou 17 anos de prisão. Mas a dor de Gilvan, hoje com 47 anos, não tem fim. “A justiça seria feita se ele pudesse devolver meu filho. Mas isso ele nunca vai poder fazer”, lamenta.
"Sempre que há mortos em operações policiais, os corpos são removidos antes que os investigadores cheguem." Sandra Carvalho, diretora da ONG Justiça Global
Fonte: jornal Estado de Minas, caderno Nacional, 27/7/08
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