O advogado Benedito Barbosa fala sobre a agressão que sofreu da Polícia Militar e das principais reivindicações dos movimentos de moradia de São Paulo
25/08/2011
Aline Scarso,
Da redação
O uso da força policial contra trabalhadores e movimentos sociais e populares, principalmente durante protestos, não é nenhuma novidade. Aos 51 anos, o advogado da União dos Movimentos de Moradia, Benedito Barbosa, é mais uma das vítimas da truculência de integrantes da Polícia Militar de São Paulo.
Dito, como é conhecido, perdeu o ar depois de receber uma “gravata” de um policial militar no dia 29 de julho, durante uma reintegração de posse de um prédio particular abandonado, na Alameda Nothmann, número 280. A agressão foi registada por uma rede de televisão que estava no local (veja o vídeo).
O advogado tentava se comunicar com famílias, que se negavam a desocupar o local. Depois de jogar uma sacola de pão por uma janela para que os resistentes, incluindo crianças, se alimentassem, Dito foi repreendido, agarrado pelo pescoço e acabou detido no 77º Departamento de Polícia, no bairro Campos Elíseos, em São Paulo (SP).
O inquérito policial 720/11 foi aberto para investigar as ações ocorridas naquele dia, incluindo o excesso de força policial. A Relatoria do Direito Humano à Cidade, da Plataforma DHESCA, emitiu nota condenando a agressão e pedindo a investigação da conduta do policial militar. Alertaram também ao Estado que verifique a necessidade de incluir Dito no Programa Nacional de Defensores dos Direitos Humanos.
Para falar sobre a agressão que sofreu da Polícia Militar e das principais reivindicações dos movimentos de moradia de São Paulo, a agência Brasil de Fato entrevistou o advogado. Segundo ele, a luta dos movimentos contra remoções e por mais moradia na cidade é grande e será intensificada até 2014 em razão do mega-evento da Copa Mundo. Confira.
O que você acha que motivou a agressão policial contra você?
Bom, naquela sexta-feira eu estava acompanhando uma reintegração de posse de uma comunidade numa ocupação na Alameda Nothmann. Eu fui procurado no começo da semana, e como advogado das famílias, fiz um termo de reconsideração judicial pedindo mais prazo para a reintegração, mas o pedido não foi considerado pela Justiça. Na quinta-feira à noite, eu fui até o local e fizemos uma assembléia com as famílias para explicar que teriam que deixar o local, que a polícia viria fazer a remoção e cumprir o mandado de reintegração de posse. Na sexta-feira de manhã eu estava no local, bem cedo. Por volta das 7h da manhã, a polícia militar também chegou ao local. Parte das famílias já estava fazendo a sua mudança desde a madrugada para uma favela ali perto, chamada favela do Moinho, que fica atrás da Estação Júlio Prestes. Os policiais falaram comigo, eu disse que era advogado das famílias e que eles adiassem um pouco o cumprimento do mandado porque parte das famílias não tinha para onde ir e a gente estava tentando conseguir um atendimento emergencial junto com a prefeitura. Liguei para a Secretaria de Habitação e eles me disseram que iriam avaliar a situação.
Eu disse para os policiais que aguardassem a resolução da Prefeitura porque daí as famílias teriam algo de mais concreto e sairiam do prédio. Por volta de umas 8h30, algumas pessoas disseram que as famílias que estavam dentro do prédio estavam com fome. Foi quando pensamos em comprar pão até porque tinha muitas crianças dentro do prédio. Compramos e o pessoal jogou o fio de uma bateria de celular para se amarrasse a cesta de pão e a levasse para o primeiro andar. Só que a polícia interveio, não deixou levar o pão às pessoas e disse que elas deveriam descer do prédio. Mas elas queriam comer, não queriam descer. Daí eu que estava com a sacola de pão na mão, joguei o pão na janela e as pessoas pegaram. E lógico, comemoraram porque estavam com fome. Só que aí a polícia usou a força excessiva contra mim e mandou me prender.
Qual a sua avaliação sobre o comportamento da polícia?
Bom, eu estava ali exercendo o meu trabalho como advogado do movimento e a polícia agiu com violência, me agarrou pelo pescoço e deu uma “gravata”. Eu não podia falar, mal conseguia respirar. Pensei até que eles poderiam quebrar meu pescoço da forma como fizeram. Quase perdi os sentidos, foi uma forma violenta. Mas infelizmente, nas remoções de ocupações na cidade de São Paulo com a presença da polícia militar ou da guarda civil metropolitana, têm ocorrido várias situações com esse tipo de violência, inclusive com mais violência do que foi comigo. Essa violência é um fato comum e corriqueiro em todas as desocupações de áreas públicas ou particulares contra o movimento sem-teto, contra o movimento sem-terra.
E infelizmente também não se apura, não se responsabiliza ninguém. As pessoasgeralmente ficam com medo de denunciar a polícia e levar a investigação em frente. Mas quando há denúncias, como são investigadas pela Corregedoria de Polícia, acabam ficando por isso mesmo. Eu não tenho conhecimento de policial ou guarda civil que tenha sido punido por ter se excedido em ações de reintegração de posse aqui na cidade de São Paulo. A impunidade é grande. Embora o Condepe (Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana) tenha enviado à Corregedoria da Polícia Militar um pedido de apuração do ocorrido, apesar da carta da Relatoria do Direito Humano à Cidade, que é a área da plataforma DHESCA que acompanha esse processo de violação de direitos humanos no Brasil na área do direito à moradia, eu pessoalmente vejo que vai necessitar de uma pressão bem grande para que haja alguma punição nessa questão. Vai depender um pouco desse processo do inquérito policial e, no futuro, de uma ação penal.
Dito, esse descaso do poder público com a moradia popular deve ser uma das razões para tanta população de rua em São Paulo, não é mesmo?
Com toda certeza. As famílias que foram removidas do prédio da Alameda Nothmann ainda não foram atendidas pela Prefeitura, muitas pessoas ainda estão na rua até hoje na porta do prédio, aguardando uma resposta da Prefeitura. Algumas se acomodaram na favela do Moinho. A prefeitura disse que iria verificar e providenciar o atendimento. Mas realmente é um grande problema.
A gente tem na cidade de São Paulo mais de 17 mil pessoas morando em situação de rua e a gente vê que a situação é de precariedade. As remoções que estão acontecendo em grande intensidade em função dos projetos que a Prefeitura de São Paulo, desencadeou um processo maior ainda de remoção das famílias. Na região da Luz, por exemplo, onde a Prefeitura prevê o projeto Nova Luz, há casos de pensões, cortiços e prédios que já foram fechados, inclusive lacrados. Têm muitas pessoas morando na rua em função disso. Muitas, inclusive, são usuárias de drogas e estão vivendo de forma muito precária, abandonadas pela Prefeitura e pelo poder público. Mas isso é em toda a cidade. É por exemplo na região da Sé, mesmo com a repressão da guarda civil metropolitana. Se você andar pela região da Santa Cecília, nas regiões em torno do metrô Marechal Deodoro, Armênia e Ana Rosa, você vai ver a população de rua se movimentando. Na estação Paraíso e na [avenida] 23 de Maio, mesma coisa. As pessoas acabaram se espalhando pelo arco intermediário da cidade, tentando sobreviver de alguma forma. Ou seja, não só no arco central da cidade você vê pessoas morando em barracas de papel. Esse aumento da população de rua se deve mesmo à situação de despejo e de abandono com as causas sociais e com as políticas públicas da cidade e também com esses grandes projetos.
A respeito da Copa do Mundo, como os movimentos de moradia estão se articulando para enfrentar os impactos urbanos do mega-evento?
Aqui em São Paulo, nós estamos articulando o Comitê Popular da Copa, uma organização que está se reunindo mensalmente, [durante] toda a primeira sexta-feira do mês, no Sindicato dos Advogados (Rua da Abolição, 167, Bela Vista). Organizamos também um Comitê chamado "Copa pra Quem?" lá em Itaquera, que está organizando uma série de ações e fortalecendo as várias iniciativas de resistências às remoções ou à falta de transparência na preparação da Copa. Fazemos também mobilizações, como a que do dia 30 de julho na região de Itaquera, organizando seminários de transportes e de moradia na região. Estamos organizando pelo menos duas audiências públicas na Assembleia Legislativa e uma série de lutas contra os despejos, como o "Fórum das favelas".
Além disso, há a preparação de uma mobilização grande com os movimentos que estão sofrendo os impactos nas grandes cidades, na região das Águas Espraiadas, da Nova Luz, da Operação Água Branca, Rodoanel, e outros projetos em curso na cidade que estão literalmente despejando milhares de pessoas nas ruas da cidade de São Paulo. A grande imprensa fala em pelo menos 200 mil pessoas despejadas ou removidas em função desses grandes projetos, que se aceleraram em função dos jogos de 2014. Em Itaquera, por exemplo, três mil pessoas vão ser removidas daquela região e até agora nem a Prefeitura nem mesmo o Comitê Organizador Local dos jogos disseram o que vai acontecer com as famílias. Também não há nenhuma discussão transparente sobre essa questão.
A gente vê muita falta de transparência por parte do poder público, e muitos despejos, ameaças e remoção. As famílias denunciam que a Prefeitura simplesmente chegam nas favelas e nas comunidades, ameaçando, fotografando as pessoas sem a sua vontade. O que a Prefeitura oferece muitas vezes é um apoio de R$ 300 mensais por família, ou R$ 9 mil por ano, para contribuir com o aluguel. Em alguns casos, oferece menos que isso. Nós chamamos isso de cheque-despejo porque as famílias não recebem nenhuma alternativa habitacional por parte do poder público.
Nesse sentido, qual o impacto do Programa Minha Casa, Minha Vida para famílias de baixa renda?
O programa Minha Casa, Minha Vida tem duas frentes. Uma é uma parceria do governo federal, da Caixa Ecônomica, da Prefeitura e das empreiteiras para viabilizar o programa. Outra frente é com as associações comunitárias. Ninguém pode dizer de forma alguma que o programa não é importante, porque ele é importante, pelo menos para encaminhar uma solução para o déficit habitacional no Brasil. O que a gente tem visto, pelo menos nas regiões metropolitanas e na cidade de São Paulo, entretanto, é o encarecimento do preço da terra, especialmente aqui, onde se tem uma grande concentração de déficit habitacional. O custo da terra tem dificultado a aceleração e a aplicação do programa. A gente tem feito uma pressão muito grande junto ao governo federal, e mesmo junto a Prefeitura e ao governo do Estado, para viabilizarem principalmente a terra. Tem alguns projetos em curso, mas a gente pode dizer que eles são insuficientes para impactar o déficit.
Mas o programa tem a ver também com a faixa de renda das famílias. O acesso ao crédito é mais difícil para famílias com salários menores, que não contam com FGTS, por exemplo.
Exatamente. Na cidade de São Paulo e na região metropolitana são recursos para famílias de renda mais alta, mas para famílias que ganham dois salários por mês, um salário e meio, faixa na qual está 80% da concentração do déficit, há uma dificuldade muito grande de viabilizar [o recurso]. Sem falar que a aprovação do projeto demora muito. Só a Prefeitura de São Paulo tem demorado cerca de dois anos para aprovar um projeto do Minha Casa, Minha Vida. E as empresas que têm maior capacidade de recurso, acabam agilizando a aprovação de recurso de famílias com renda média, ou renda mais alta, e também as famílias que ganham de zero a três salários mínimos continuam com dificuldades de acessar o programa em função da dificuldade de aprovar os projetos junto à Prefeitura de São Paulo. Inclusive nós, do movimento de moradia, fizemos no dia 26 de julho uma manifestação para pressionar a prefeitura para agilizar essas aprovações. Do ponto de vista prático, temos visto muito pouco empreendimento. E a gente quer empreendimento nas áreas mais consolidadas da cidade. Não adianta fazer só empreendimentos no anel periférico da cidade, onde é dificultado o acesso à transporte, à escola, ao trabalho, à equipamentos públicos de qualidade. A moradia digna não é só a casa, ela precisa de outros requisitos para ser considerada moradia digna.
Foi aprovada a revitalização de 53 prédios abandonados pelo Projeto Renova Centro, da Prefeitura, e que vão poder ser financiados com recursos da Minha Casa, Minha Vida. Você acha que esse projeto vai beneficiar as famílias de baixa renda ou ainda quem serão os beneficiados serão a classe média e a mais alta?
Então, há um esforço de tentar viabilizar 53 imóveis dentro do Programa Renova Centro, que é uma reivindicação histórica do movimento do centro. A grande maioria desses edifícios já foi identificada pelo movimento de moradia, inclusive esses prédios já foram ocupados pelo próprio movimento, pressionando o poder público a desapropriar e a viabilizar. Mas o que nós estamos vendo – e o discurso do Secretário [Municipal] de Habitação, Ricardo Leite, confirma isso – é que parte desses prédios vai atender famílias de renda mais alta no centro, o que eles estão chamando de combinação de demandas. Acontece que o déficit habitacional está concentrado nas famílias com rendas mais baixas. Nada contra que a Prefeitura atenda à classe média, mas com recursos do programa Minha Casa, Minha Vida do governo federal e com o orçamento municipal, a Prefeitura tem que viabilizar esses empreendimentos para as famílias de renda mais baixa. O mercado imobiliário pode dar conta das famílias de renda mais alta. Outra coisa, entretanto, é que está tendo muito discurso. Eu sou conselheiro municipal de habitação e o Renova Centro já faz mais de um ano e meio que a Prefeitura anunciou, e até agora só três prédios foram desapropriados. E um dos prédios, a Prefeitura doou para artistas idosos, que não têm renda. Nada contra esses artistas acessarem os prédios, mas é que há uma luta muito grande dos movimentos de moradia do centro de São Paulo para que os prédios atendam às famílias de baixa renda. A prefeitura tem que priorizar o Renova Centro para famílias com até três salários mínimos e atender a demanda do movimento sem-teto, que está reprimida há muito tempo. Há anos tem gente aguardando essa moradia em acampamentos e essa moradia não sai.
Qual a perspectiva a curto e médio prazo para os movimentos de moradia popular de São Paulo e da região metropolitana?
Bom, o maior desafio para os movimentos é continuar a luta para viabilizar os empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida para a população de baixa renda. De fato, há recursos expressivos nos cofres do governo para isso. Outra questão é parar a onda de despejo em toda a cidade. E quando acontecer remoções e reintegração de posse, [agir para] que a prefeitura possa prestar um rápido atendimento. Já a prioridade do movimento é fortalecer a luta e o debate com o Comitê Popular da Copa, em função dos grandes projetos em curso na cidade para 2014. O fortalecimento do comitê popular, da sociedade civil, do movimento popular organizado, essa articulação com outros movimentos, é fundamental não só para barrar despejos, mas discutir a aplicação desses recursos que são muito grandes. Estão se falando agora da construção de um terceiro terminal do Aeroporto de Guarulhos, e que deve remover mais sete mil famílias da região. Vamos acompanhar e monitorar essa questão e também acompanhar o plano diretor do município de São Paulo, em relação às Zonas Especiais de Interesse social (Zeis). Pelo menos dentro das operações urbanas, nós temos visto o mercado imobiliário falando que as Zeis são um obstáculo ao avanço dos negócios imobiliários. Nossa agenda é intensa e até 2014 [estamos] com muitas frentes de luta.
Com a Copa deve aumentar a repressão aos movimentos de moradia. Como vocês estão se preparando para isso?
Bom, a própria relatora da ONU, Raquel Rolnik, está dizendo que na cidade onde acontecerão os jogos está se instalando um verdadeiro estado de exceção. Os desafios em relação à Copa são muito grandes, considerando não só que haverá uma repressão muito grande aos movimentos sociais organizados, como também àquelas pessoas pobres, pequenos comerciantes da região de Itaquera que não vão poder vender suas mercadorias próximas ao estádio. A Fifa, durante a realização dos jogos, tem inclusive uma polícia própria, que pode fazer prisões e tudo mais. Temos que explicar para a população que elas não vão poder participar ou acompanhar os jogos. Eles não vão conseguir nem chegar perto do estádio em 2014.
Quem é?
Benedito Barbosa é filiado ao PT, advogado da União dos Movimentos de Moradia e há 15 anos integra a Central dos Movimentos Populares (CMP). Desde 1980 milita a favor da causa da moradia digna e popular em São Paulo e região metropolitana. Dito integra o Comitê Popular da Copa em São Paulo.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário