sábado, 28 de maio de 2011
Editoriais sobre a Marcha da Maconha paulista
[Nota do Editor: Para continuar a discussão sobre a questão da Marcha da Maconha, coloco abaixo dois editoriais de importantes jornais de São Paulo. Não achei um editorial apoiando a ação policial, por isso os dois que selecionei estão a favor do direito de liberdade de expressão. Amanhã encerro a discussão - por enquanto - com dois artigos sobre a maconha em si. Um a favor e um contra]
Droga proibida, a maconha está no centro de um debate internacional acerca da existência ou não de algum sentido em se manter o combate ao tráfico nos moldes que se utiliza há décadas. Estadistas de prestígio sustentam a necessidade de mudar de atitude em relação aos narcotraficantes, porque as drogas têm sido as vencedoras, até o momento. Os países mais bem-sucedidos na luta contra o narcotráfico são justamente aqueles que menos reprimem. Nos demais, o que se vê é a corrupção dos meios policiais, o crescente contingente de jovens dependentes que vivem à beira da marginalidade, as clínicas de recuperação cada vez mais solicitadas.
Há argumentos sólidos e consistentes contra e a favor da descriminação da maconha. Nos dois lados há médicos, policiais, legisladores, pensadores, intelectuais sérios, respeitados. Existe, portanto, o ambiente apropriado para um debate, no qual cabe uma manifestação como a frustrada Marcha da Maconha, desde que os participantes respeitem a lei e não fumem em público. No caso, a única transgressão ocorrida se deu quando o grupo avançou pelo meio da rua, complicando o trânsito.
Foi uma transgressão, sem dúvida, mas os policiais exageraram em sua reação. É sabido e reconhecido que a Polícia Militar paulista dá treinamento competente aos seus homens, prepara-os para agir da maneira conveniente nas mais diferentes situações. Ou seja: aqueles brutamontes que saíram espancando a torto e direito sabiam que estavam desrespeitando a orientação recebida. Exorbitaram conscientemente, deram demonstração pública de que não têm equilíbrio para missões mais delicadas - como, por exemplo, a de dar proteção aos estudantes e professores que sofrem com assaltos e furtos no campus da USP.
Em sua fúria desmedida - mas consciente -, os policiais atingiram também jornalistas que estavam ali trabalhando, fazendo a cobertura de um assunto que é de interesse da sociedade, inclusive um repórter do DIÁRIO. Nas guerras e nos conflitos em geral, profissionais de imprensa se expõem a esses valentões armados que preferem bater em vez de debater. Os policiais truculentos de sábado têm conhecimento disso, mas nunca é demais lembrá-los de que agredir um jornalista em missão significa agredir o próprio jornalismo.
O argumento é falacioso. Os juízes não têm como saber, de antemão, se os participantes estarão lá para consumir substâncias ilícitas. Se isso vier a ocorrer, devem ser tratados de acordo com a lei vigente no país, mas a mera possibilidade não pode servir de base para a proibição de manifestação legítima a favor de uma ideia, por controversa que seja (legalização de droga considerada “leve”).
Tais determinações judiciais parecem ignorar, também, que existe um debate muito mais amplo na sociedade, não restrito apenas a usuários e especialistas, em torno do que fazer em relação à complexa questão das drogas. Relatório de 2009, de um grupo liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por colegas da Colômbia e do México, defendia que a guerra às drogas fracassou e cobrava um debate público sobre alternativas, inclusive a descriminalização. No final do ano passado, foi o governador do Rio, Sérgio Cabral, quem se posicionou pela discussão acerca da legalização das drogas leves.
Proibições a manifestações pacíficas e sem objetivo declarado de ferir a lei não vão frear o debate. Servem apenas, como foi o caso em São Paulo, para favorecer a exibição de despreparo das forças de segurança, que agiram com inaceitável truculência, sob o pretexto de cumprir ordem judicial. Duas ações no Supremo Tribunal Federal, em andamento desde 2009, contestam pontos da atual legislação empregados nas decisões dos juízes para proibir as manifestações por suposta apologia ao consumo de drogas.
O STF deve manifestar-se o quanto antes e cumprir sua função de garantidor da Constituição, que ampara de modo inequívoco o direito à liberdade de expressão.
Foto por Tiago Santana
Debater, em vez de bater (Diário de São Paulo)
Três questões básicas da vida civilizada afloram, quando se analisa o que aconteceu durante a tentativa de promover uma Marcha da Maconha, sábado, na cidade de São Paulo. Uma é a marcha em si, proibida pela Justiça e transformada por seus organizadores em ato em defesa da liberdade de expressão. Outra é a truculência dos policiais mobilizados para reprimir a manifestação. A terceira é o exercício do jornalismo e os riscos que correm os jornalistas em sua missão de ir em busca da informação que a sociedade espera e deseja.Droga proibida, a maconha está no centro de um debate internacional acerca da existência ou não de algum sentido em se manter o combate ao tráfico nos moldes que se utiliza há décadas. Estadistas de prestígio sustentam a necessidade de mudar de atitude em relação aos narcotraficantes, porque as drogas têm sido as vencedoras, até o momento. Os países mais bem-sucedidos na luta contra o narcotráfico são justamente aqueles que menos reprimem. Nos demais, o que se vê é a corrupção dos meios policiais, o crescente contingente de jovens dependentes que vivem à beira da marginalidade, as clínicas de recuperação cada vez mais solicitadas.
Há argumentos sólidos e consistentes contra e a favor da descriminação da maconha. Nos dois lados há médicos, policiais, legisladores, pensadores, intelectuais sérios, respeitados. Existe, portanto, o ambiente apropriado para um debate, no qual cabe uma manifestação como a frustrada Marcha da Maconha, desde que os participantes respeitem a lei e não fumem em público. No caso, a única transgressão ocorrida se deu quando o grupo avançou pelo meio da rua, complicando o trânsito.
Foi uma transgressão, sem dúvida, mas os policiais exageraram em sua reação. É sabido e reconhecido que a Polícia Militar paulista dá treinamento competente aos seus homens, prepara-os para agir da maneira conveniente nas mais diferentes situações. Ou seja: aqueles brutamontes que saíram espancando a torto e direito sabiam que estavam desrespeitando a orientação recebida. Exorbitaram conscientemente, deram demonstração pública de que não têm equilíbrio para missões mais delicadas - como, por exemplo, a de dar proteção aos estudantes e professores que sofrem com assaltos e furtos no campus da USP.
Em sua fúria desmedida - mas consciente -, os policiais atingiram também jornalistas que estavam ali trabalhando, fazendo a cobertura de um assunto que é de interesse da sociedade, inclusive um repórter do DIÁRIO. Nas guerras e nos conflitos em geral, profissionais de imprensa se expõem a esses valentões armados que preferem bater em vez de debater. Os policiais truculentos de sábado têm conhecimento disso, mas nunca é demais lembrá-los de que agredir um jornalista em missão significa agredir o próprio jornalismo.
Foto por Tiago Santana
Direitos Espancados (Folha de São Paulo)
As cenas de agressão policial a manifestantes da Marcha da Maconha e a jornalistas que cobriam o evento, na avenida Paulista, são resultado da visão embotada de alguns juízes, incapazes de distinguir entre a liberdade de expressão e a apologia ao crime. A decisão de um desembargador de proibir a marcha não é a primeira. Desde 2008, a Justiça vem barrando manifestações semelhantes. O teor das decisões ao longo dos últimos anos é quase idêntico - alegam não se tratar de um debate de ideias, mas sim de uma iniciativa para o consumo público coletivo da maconha.O argumento é falacioso. Os juízes não têm como saber, de antemão, se os participantes estarão lá para consumir substâncias ilícitas. Se isso vier a ocorrer, devem ser tratados de acordo com a lei vigente no país, mas a mera possibilidade não pode servir de base para a proibição de manifestação legítima a favor de uma ideia, por controversa que seja (legalização de droga considerada “leve”).
Tais determinações judiciais parecem ignorar, também, que existe um debate muito mais amplo na sociedade, não restrito apenas a usuários e especialistas, em torno do que fazer em relação à complexa questão das drogas. Relatório de 2009, de um grupo liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por colegas da Colômbia e do México, defendia que a guerra às drogas fracassou e cobrava um debate público sobre alternativas, inclusive a descriminalização. No final do ano passado, foi o governador do Rio, Sérgio Cabral, quem se posicionou pela discussão acerca da legalização das drogas leves.
Proibições a manifestações pacíficas e sem objetivo declarado de ferir a lei não vão frear o debate. Servem apenas, como foi o caso em São Paulo, para favorecer a exibição de despreparo das forças de segurança, que agiram com inaceitável truculência, sob o pretexto de cumprir ordem judicial. Duas ações no Supremo Tribunal Federal, em andamento desde 2009, contestam pontos da atual legislação empregados nas decisões dos juízes para proibir as manifestações por suposta apologia ao consumo de drogas.
O STF deve manifestar-se o quanto antes e cumprir sua função de garantidor da Constituição, que ampara de modo inequívoco o direito à liberdade de expressão.
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