O policial militar Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle FrancoImagem: Marcelo Theobald/Agência O Globo
RESUMO DA NOTÍCIA
- Justiça autoriza quebra de sigilos fiscal, bancário e bloqueio de bens de Ronnie Lessa
- Segundo polícia, ele usava "laranjas" para ocultar patrimônio, incompatível com salário
- PM da reserva tinha imóveis, lancha, carro blindado e terrenos, aponta inquérito
- Em caso de condenação, parte do patrimônio poderá indenizar famílias
A Justiça do Rio de Janeiro determinou ontem à noite a quebra dos sigilos fiscal e bancário e bloqueou os bens do sargento da reserva da PM Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Ao todo, foi sequestrado patrimônio de Lessa avaliado em cerca de R$ 3,5 milhões, de acordo com levantamento feito pelo UOL com base em valores atualizados do mercado imobiliário.
A investigação já rastreou um patrimônio de ao menos R$ 7 milhões pertencente a Lessa —o valor envolve apreensões policiais nos últimos meses e a lista completa de propriedades bloqueadas pela Justiça, que inclui imóveis, terrenos, uma lancha e um carro blindado. Segundo a Polícia Civil, Lessa ocultou parte da sua fortuna com o auxílio de "laranjas", que também tiveram os seus sigilos quebrados. O ex-PM Élcio Queiroz, que responde com Lessa pela morte da vereadora, também teve os sigilos quebrados.
Em uma ação em parceria com o Gaeco/MP-RJ (Grupo de Atuação Especial do Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio de Janeiro), o inquérito concluiu que os valores são incompatíveis com a renda mensal de R$ 7.400 da aposentadoria de Lessa. O patrimônio do policial aposentado seria o equivalente a 73 anos de pagamentos integrais recebidos da corporação, incluindo o 13º.
A delegacia especializada no combate a crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, responsável pelo inquérito, baseou a investigação na análise de relatórios de inteligência financeira.
Parte do patrimônio pode ser usada para indenizar os parentes das vítimas do duplo homicídio, em caso de condenação.
Verificamos movimentações atípicas, como depósitos em espécie com valores acima de R$ 100 mil. São indícios de lavagem de dinheiro e da participação de Ronnie Lessa em outras atividades criminosas, como homicídios encomendados e o envolvimento em jogos de azar. Agora, vamos verificar a origem desses valores
Delegado Thiago Neves, responsável pela investigação
O sargento da reserva tinha ainda outras fontes de renda. Reportagem do UOL apontou que ele ainda foi dono de um bingo clandestino e pretendia expandir o seu negócio de distribuição de água para áreas dominadas pelo tráfico, segundo relatório do MP-RJ.
Entre os "laranjas" usados por Lessa, estão a esposa, o irmão e um amigo. A Justiça ainda bloqueou os dados de uma filha dele e do ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, também acusado participar do atentado. A dupla, acusada de cometer o duplo homicídio, foi presa em março de 2019.
A investigação ainda irá verificar se há contas bancárias ligadas a Lessa no exterior.
Lessa é dono de um imóvel luxuoso na Barra da Tijuca, zona oeste carioca, avaliado em pelo menos R$ 1,2 milhões, com valor atualizado. Entretanto, a Polícia Civil suspeita de ocultação da propriedade. Durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, os agentes encontraram uma escritura de compra e venda do imóvel, de 7 de julho de 2015.
Manobras para ocultar o patrimônio
No documento, a propriedade consta como pertencente a Dennis Lessa, irmão do sargento reformado. Contas de luz, IPTU e certidões do imóvel também estavam em nome de Dennis. Os comprovantes de pagamento de contas de luz apareciam na conta-corrente de Elaine, esposa de Lessa.
Documento emitido pelo Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro) com a autorização de uma obra no imóvel em nome do sargento reformado também foi anexado ao inquérito.
Em 29 de junho de 2015, um dia antes do pagamento do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), Dennis forneceu uma procuração ao irmão, dando a ele poderes para representá-lo em instituições financeiras.
Uma casa no bairro Pechincha, zona oeste do Rio, também foi bloqueada. Adquirido em outubro de 2002, o imóvel hoje está avaliado em cerca de R$ 400 mil, segundo estimativa de duas entidades especializadas na análise do mercado imobiliário.
Lancha de amigo desempregado
O casal também possui um terreno de 3.400 metros quadrados no condomínio Portogalo, em Angra dos Reis (RJ), e outra propriedade em Mangaratiba (RJ). Lessa pagou R$ 600 mil à vista pelo lote de Angra. Corrigido pela inflação, o valor chega a R$ 718 mil.
O policial aposentado construiu uma casa no local, onde guardava uma lancha avaliada em R$ 600 mil em nome de Alexandre Motta de Souza, que está desempregado. Em março de 2019, a Delegacia de Homicídios da Polícia Civil apreendeu, no imóvel de Alexandre, um arsenal com peças para montagem de 117 fuzis, um recorde na história do estado.
Segundo a investigação, ele é um dos "laranjas" usados por Lessa. Para comprovar a tese, a delegacia especializada no combate à lavagem de dinheiro anexou ao inquérito o contrato do seguro da lancha, enviado para o endereço do amigo. Também conta na investigação um documento com o comprovante de pagamento de pouco mais de R$ 2 mil à Marina de Portogalo, onde ficava a embarcação, efetuado em uma agência nas imediações do local onde morava Ronnie Lessa.
Lessa também era dono de um terreno em Mangaratiba (RJ), adquirido em setembro de 2010. Em valores atuais, o imóvel é avaliado em cerca de R$ 300 mil.
Carro zero e blindagem pagos à vista
De acordo com o inquérito, Elaine Pereira Figueiredo Lessa, mulher do sargento reformado, pagou R$ 81 mil em dinheiro no dia 30 de outubro de 2018 para comprar um Jeep Renegade zero quilômetro. Ela ainda desembolsou outros R$ 40 mil para fazer a blindagem do veículo.
Segundo a investigação, Elaine não possui renda comprovada ou registro de atividade profissional no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho.
Procurados, os advogados de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz informaram que só irão se posicionar quando tiverem acesso ao inquérito. O UOL ainda não conseguiu contato com os demais citados na reportagem.
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