Eram quatro horas da manhã. Acordei com o som de pneus riscando o asfalto e o barulho de um carro batendo. Então ouvi três tiros. Pensei: “É um assalto”. Mas escutei: “Deita no chão vagabundo!”. Era a Polícia Militar.
Eu, já acordada e com o coração a mil, olhei pela janela: três tiros, três viaturas, três corpos no chão – “Estão mortos”. Começaram a chegar mais viaturas, havia quase dez veículos, com mais de um PM em cada, e dois cachorros para três pessoas que possivelmente estavam mortas. Detalhe, entre os três havia uma mulher; mas não havia policiais mulheres. Me senti enjoada.
Os PMs começaram a revistá-los. Foi quando percebi que não estavam mortos, às vezes levantavam a cabeça ou mexiam um pouco as pernas.
Um policial homem foi revistar a moça – que usava saia. Eu conseguia ouvir – do décimo oitavo andar – o estalo dos tapas que o policial dava nas pernas dela, desnudas. Fiquei com medo por ela.
Pensei até em ligar para alguém, mas para quem? Para a polícia???
Não encontraram armas.
Depois vi que havia mais uma mulher, estavam em quatro. Porém essa não se deitou no chão, nem foi revistada – não sei por qual motivo. No final, acabaram os quatro indo parar, algemados, no porta-malas de duas viaturas.
Ouvi quando um dos policiais foi conversar com o porteiro do meu prédio. Captei apenas algumas coisas: “Tem câmera? [no edifício]”, “Carro roubado”.
Ao que tudo indica, o C3 prateado de onde saíram as quatro pessoas havia sido mesmo roubado por elas: de manhã chegou um casal para identificar o carro, pertencia a eles.
Independentemente do carro ter sido mesmo roubado ou não, o que me assustou (porém não surpreendeu), foi que a PM começou a atirar antes de qualquer coisa. Aquelas pessoas não estavam armadas, como descobriram na revista. Além disso, depois de rendidas, deitadas no chão com a cara no asfalto, chegou uma quantidade absurda de viaturas e policiais. Por quê? Não representavam mais um perigo e não demonstravam nenhuma intenção de fuga.
Essa postura tem sido recorrente. O mais recente caso é o dos dois jovens que roubaram uma moto e um PM atirou contra os dois quando estavam em cima do veículo e, depois, quando já estavam rendidos no chão. Agir antes, perguntar depois. Algo um tanto quanto inconsequente.
Pode-se argumentar: “Ah, mas não tinha como saber que estavam desarmados”. Por isso justifica atirar primeiro? Os policiais, inicialmente em três viaturas, estavam em maior número. Não havia a necessidade de sair disparando. Alguém poderia ter morrido.
Se, neste caso, os quatro realmente roubaram o carro, como parece, então eles devem ser punidos, sim, porém pela justiça, não por policiais – que, entretanto, se acham no direito de punir.
2 thoughts on “O dia em que a polícia atirou na porta de casa”
Todo policial sabe que a chance delemorrer de tiro é grande. Estranho não ter policiais mulheres. Por que roubar carro ainda é tão fácil né. Devíamos ter uma lei mais rigorosa pra quem compra peças furtadas.
A chance do policial morrer de tiro é grande mesmo, mas, infelizmente, a chance de ele matar alguém com um tiro (mesmo que essa pessoa não represente um perigo) também é grande. Sem policiais mulheres eles não poderiam ter revistado a moça, é proibido isso. É considerado violência contra a mulher.
Sem policiais mulheres eles não poderiam ter revistado a moça, é proibido isso. É considerado violência contra a mulher.