Ex-miliciano revela funcionamento de milícia do Rio de Janeiro
Segundo a polícia, um jogador de futebol citado pelo ex-miliciano deu um carro de luxo de presente para um dos chefes da quadrilha.
10/08/2014 21h38 - Atualizado em 10/08/2014 23h23
Elas tomam conta de bairros carentes, e cobram dos moradores por proteção e serviços básicos, que quem deveria prestar é o Estado. São as milícias, organizações criminosas formadas, muitas vezes, por policiais e ex-policiais. Uma pessoa que pertencia a um desses bandos, no Rio, decidiu contar tudo e o Fantástico obteve o depoimento com exclusividade.
“Muitas mortes. Passa fogo e acabou. Some com eles dali e ninguém vê o corpo, ninguém vê nada”, conta um ex-miliciano que preferiu não se identificar.
A maior e mais violenta milícia do Rio de Janeiro foi desarticulada esta semana. Milícia é um bando armado que toma conta de áreas onde o poder público está ausente.
Cobra taxas dos comerciantes, das vans de transporte alternativo, cobra por segurança, cobra pela TV a cabo e pelo gás. Cobra preços exorbitantes até pela cesta básica.
“Quem não paga, pode comprar a passagem para o além. Entendeu? Tem que pagar. É assim que funciona”, diz.
Um homem ajudou a polícia do Rio a identificar os criminosos. Ele diz conhecer como ninguém o funcionamento da quadrilha, que explorava moradores da Zona Oeste da cidade havia mais de dez anos.
“Eu sou um ex-componente da firma. Eu era um braço-direito deles”, conta.
Essa milícia foi criada pelos irmãos Jerônimo e Natalino Guimarães, respectivamente, ex-vereador e ex-deputado estadual do Rio. Eles estão presos há mais de seis anos em um presídio federal de segurança máxima, em Porto Velho, Rondônia, condenados por formação de quadrilha armada. Esse grupo criminoso é formado, principalmente, por quem deveria estar do lado da lei.
“A maioria é ex-policiais. Ex-policiais e policiais da ativa. A maioria, por isso que tem essa força. A firma é milionária”, diz.
“Nós constatamos que eles movimentavam cerca de R$ 1 milhão por mês”, destaca o delegado da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, Alexandre Capote.
A área de atuação da milícia chegou até condomínios do programa "Minha casa, minha vida", do governo federal.
Em abril passado, o Fantástico denunciou que essa quadrilha cobrava taxas e serviços dos moradores e expulsava de lá quem não colaborava.
“Centenas de trabalhadores que conquistaram o direito de ter um imóvel, e de uma hora pra outra se viram no meio da rua, expulsos, torturados, ameaçados só porque esses milicianos queriam esses imóveis para vender”, diz o delegado.
Nesta semana foi a vez de os milicianos mudarem de endereço. Terça-feira passada, a Divisão de Homicídios prendeu um dos chefes: o ex-PM Marcos José de Lima Gomes, conhecido como Gão. Ele trocava de casa frequentemente e vivia cercado de proteção.
“Desde o início da rua onde ele mora, tinham pessoas e câmeras que faziam toda a vigilância para que ele efetivamente não fosse alcançado”, diz o delegado da Divisão de Homicídios, Rivaldo Barbosa.
“É uma pessoa extremamente perigosa, audaciosa, e que controlava, dividia a liderança da milícia com mão de ferro”, diz o delegado Alexandre Capote.
Dois dias depois da captura de Gão, a equipe da delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas prendeu mais 22 integrantes do grupo, entre eles João Henrique Barreto, o Cachorrão.
“Ele era ainda policial militar, um suboficial, e lotado no Batalhão de Campo Grande, que é a área de atuação dessa milícia”, destaca o delegado Alexandre Capote.
Segundo o ex-integrante da milícia, a quadrilha tem armamento pesado. “Hoje, tem 168 fuzis. A arma que chega, eles pagam, eles compram. Isso é brinquedo para eles”, conta.
Além do poder de fogo, os comparsas gostam de mostrar poder, de ostentar.
“Sexta e sábado sempre tem um churrasco. Chope à vontade, mulher à vontade. E de vez em quando aparece um cantor famoso, um jogador de futebol de um time grande do Brasil para prestigiar”, conta o ex-miliciano.
Segundo a polícia, o jogador de futebol citado pelo ex-miliciano deu de presente um carro de luxo para um dos chefes da quadrilha. O bandido usou uma estratégia: ficou apenas três semanas com o mimo para evitar qualquer monitoramento. Para o jogador, o plano teria sido outro.
“Ele presenteou o miliciano para ficar bem com ele, e, ao mesmo tempo, cometeu um estelionato, uma fraude com fim de receber o valor do seguro desse carro. Foi o familiar do jogador que comunicou falsamente o roubo desse carro”, diz o delegado Alexandre Capote.
A investigação mostra que o roubo foi registrado em uma delegacia no início do ano.
“Já foi instaurada uma investigação e esse jogador de futebol vai ser investigado, vai ser chamado para prestar esclarecimento”, destaca o delegado Alexandre Capote.
A polícia também vai investigar os papéis apreendidos com os milicianos que foram presos.
“Nós apreendemos contabilidade, que causa perplexidade, por dois motivos. Primeiro, pela organização. Está tudo planilhado, bem como outros documentos, por exemplo, as cartas que mostram que existe uma vinculação entre as pessoas que estão presas e quem está aqui fora”, diz o delegado Rivaldo.
Aqueles que ainda estão do lado de fora fazem exaltação aos criminosos. Em um funk, eles mostram de onde vem a inspiração.
“Igual à máfia italiana nossa fama se espalhou. Esse é o bonde do Gão. Igual à máfia italiana igual à máfia italiana igual à máfia italiana”, diz a letra.
versão clássica
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