Publicado em 13/09/2016 às 12h27
Atualizado em 13/09/2016 às 17h23
A Gazeta
A Polícia Civil investiga se existe uma rede de pedofilia por trás da suposta atividade beneficente do coronel reformado da PM Pedro Chavarry Duarte, de 62 anos. Ele foi preso em flagrante no sábado à noite, quando a atendente de uma lanchonete em Ramos acionou uma patrulha ao ver uma criança nua, chorando, no banco do carona de um carro dirigido pelo oficial.
Responsável pela investigação, a delegada Cristiana Bento, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima (Dcav), acredita que o caso é “a ponta do iceberg de uma monstruosidade que pode estar sendo praticada há mais de 20 anos”. Em 1993, Chavarry foi preso ao ser flagrado com uma criança de apenas 4 meses de idade, encontrada nua no chão de um apartamento mantido por ele. Na época, era um capitão lotado no batalhão de Bangu e disse que fazia um trabalho assistencial com gestantes carentes. Acabou se livrando de uma acusação de tráfico de crianças e respondeu apenas por maus-tratos, crime do qual foi inocentado em segunda instância. Desde então, circulava entre autoridades, foi promovido a coronel, frequentava igrejas e até se ligou a um orfanato.
Nesta segunda-feira, a Justiça decretou a prisão preventiva de Chavarry. No sábado, ao ser flagrado, ele tentara subornar policiais, sem sucesso. Não se sabe como, mas, no trajeto de apenas 13 quilômetros entre o local do crime e a Cidade da Polícia, no Jacaré, o oficial se desvencilhou de seu celular, no qual investigadores acreditam que poderiam encontrar mais provas contra ele. Pelo aparelho, havia se comunicado com a faxineira Thuanny Pimenta de Souza, de 23 anos. Foi ela quem lhe entregou a menina, que mora em uma casa vizinha à sua na comunidade Uga-Uga, em Ramos. Nesta segunda-feira, Thuanny também foi presa. Ao pegar a criança, ela deu aos pais a desculpa de que a levaria para fazer um cadastro de pessoas que receberiam presentes no Natal. No celular de Thuanny, foram encontradas várias fotos de crianças, além de mensagens trocadas com o militar. Em uma delas, informa ao coronel que um menino nascera numa maternidade, e ele responde “quero ver”.
— Ao longo da semana iremos colher novos depoimentos e avaliar a possibilidade de haver um esquema de tráfico de crianças. Acredito que isso pode estar acontecendo há muitos anos, pelo menos desde a década de 1990, quando ele foi flagrado em uma situação semelhante — afirmou a delegada, acrescentando que o estupro já está confirmado. — Quando se trata de um menor, os abusadores não deixam vestígios, recorrem a atos libidinosos.
Acusada era faxineira de Chavarry
Na Dcav, Thuanny e a irmã, Izabela Pimenta de Souza, levada à delegacia como testemunha, afirmaram que trabalham há muitos anos para o coronel como faxineiras e confirmaram que sempre o viam acompanhado de bebês. As duas disseram ainda que outras crianças da comunidade Uga-Uga tiveram contato com o acusado, que chegava a viajar por dias com elas, autorizado pelos pais. Segundo Thuanny, o coronel chegou a deixar uma criança com uma moradora da favela e só a pegou de volta um ano depois.
— Vamos buscar esses pais e verificar se há crianças desaparecidas — adiantou a delegada.
O secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Paulo Melo, um dos responsáveis pela prisão em flagrante de Chavarry em 1993, também não tem dúvida de que o crime continuou sendo perpetrado:
— Fui eu que o prendi. Presidia a Comissão da Criança e o Disque-Criança. Recebi a informação e encontrei uma criança de aproximadamente 4 meses jogada ao chão nua, num imóvel em Bangu, por cima de um forro de cobertor sem nenhum tipo de ventilação, desidratada. Ele (coronel) foi preso em flagrante. Na época, suspeitávamos de tráfico internacional de crianças. Houve muita pressão para liberá-lo. Acho que aquela não foi a primeira vez que ele cometeu esse tipo de crime e temo que agora não seja a última. Espero que, desta vez, a Justiça o condene. Está na hora de trocar a farda de coronel pela de presidiário — disse Melo.
Além do flagrante que não deu em nada, Chavarry conseguiu se livrar de um processo sobre envolvimento com a contravenção, embora seu nome tenha aparecido 16 vezes na chamada Lista do Bicho, na qual foram registradas propinas pagas pelo bicheiro Castor de Andrade. Até sábado, Chavarry estava à frente da Caixa Beneficente da Polícia Militar, que dirigia desde 2010. A entidade está envolvida em pelo menos 300 processos na Justiça, a maioria por não pagar benefícios prometidos aos seus contribuintes.
Acostumados com a crueldade das ruas, os três PMs que prenderam Chavarry falaram nesta segunda-feira em sentimentos de “nojo, repulsa e revolta”.
Nesse meio tempo, o coronel reformado, ao perceber a aproximação da PM, desligou o carro e apagou as luzes do Jetta, conforme relato de uma testemunha. Em seguida, tentou deixar o local. Um casal apontou o veículo à dupla de PMs, que seguiu atrás. O oficial só parou de dirigir cerca de cem metros adiante. Para o choque dos PMs, havia uma criança de dois anos nua no banco do carona. Imediatamente, o sargento Batista pediu ao soldado Mattos que tirasse a criança do carro. Mattos, que não tem filho e revelou ontem sonhar em ser pai de uma menina, emocionado, tentou acalmar o bebê.
- Peguei a criança e coloquei no colo. Ela estava muito assustada, chorando em prantos, agoniada. A farmácia ficava a uns cem metros do local de abordagem, e fui lá e comprei a fralda. Coloquei a fraldinha nela e botei no colo de novo - contou o jovem policial, citando que sentiu naquela hora. - Revolta.
Batista ainda ouviu o oficial dizer que estava trocando a fralda da criança:
- Respondi: como trocando a fralda dirigindo? E não havia fralda alguma! - lembra ele, acrescentando. - O Mattos ficou emocionado. Ele sempre fala do desejo de ter uma criança, até brinco com ele que é uma responsabilidade muito grande. Tenho três filhas e o mal que não quero para elas não quero para a família de ninguém - disse Batista, contando que, naquele momento, foi quebrada a hierarquia.
Foi ele o responsável por gravar com o celular a tentativa de suborno do coronel reformado:
- Num primeiro momento ele falou: "você pode pedir quanto você quiser. Sou presidente da Caixa Beneficente". Aí peguei minha câmera e comecei a gravar. As imagens não mostram, mas ele fazia com a mão um gesto assim (de dinheiro). E vendaval é código para dinheiro - lembra ele. - Tenho três filhas e fiquei muito triste. Mas não tenho que me deixar levar pela emoção, e sim pela razão. Todas as prerrogativas foram garantidas.
O subtenente Ismael Izidoro da Silva Filho, de 40 anos, foi ao local como supervisor. Ele ouviu as mulheres - Isabela e Thuane - em off, no local. Elas contaram que há dez anos frequentam a casa do coronel, como faxineiras. Isabela teria dito ao PM que mantém um caso com Pedro Chavarry, que, naquela noite, se comunicava com as duas pelo WhatsApp. Isabel chegou primeiro ao local. Depois Thuane se apresentou com a certidão de nascimento da criança. Os três alegaram que a mãe da bebê estava presa.
Ismael falou sobre como é enfrentar no trabalho um caso desse sendo pai de três filhos (duas mulheres e um menino) e avô de dois garotos.
- Num casso assim a gente sente repúdio, sente, asco, sente revolta, sente nojo. Por um momento, até raiva. Mas a postura tem que ser profissional. A gente não quer ver esse tipo de coisa com filho de ninguém, não é para existir na sociedade. A gente trabalha exatamente para que esse tipo de coisa não aconteça.O que quero é que esse cidadão esteja no lugar que está: na prisão. Independente de quem seja.
Por causa da hierarquia disciplinar, Chavarry só foi levado à delegacia após a chegada de um outro oficial. Segundo o porta-voz da PM, coronel Oderlei Santos, ele foi escoltado por um coronel do 3º BPM (Méier).
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