Grupos de Extermínio: o Brasil oculto do Capitão Wagner
Deputado cearense, representante de PMs, acusa um major de comandar grupo de extermínio; mas ele mesmo já tinha sido acusado por Ciro Gomes de ser o chefe
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
“Dentro da Polícia Militar do Ceará tem sim um grupo de extermínio, e aqui nesta tribuna eu já denunciei que ele existe e tem um chefe. É o major Henrique, que foi da Coin e hoje ainda trabalha na Inteligência”.
Assim começa texto do site Ceará News sobre declaração em plena Assembleia Legislativa feita na terça-feira (17) pelo deputado estadual cearense Capitão Wagner (PR). O mesmo jornal lembra que o próprio deputado já foi acusado, pelo ex-governador Ciro Gomes, de chefiar na PM uma “milícia fardada”.
Fortaleza teve no dia 12 a maior chacina da história do Ceará, a de Messejana. Sem a repercussão que teve as chacinas em Osasco (SP). Foram onze mortos, com idade entre 16 e 19 anos. O tema ganhou a tela do Jornal Nacional, na Globo. Durante 23 segundos. E foi só. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou hoje a série de assassinatos e instou o Estado a dar continuidade aos inquéritos instaurados.
Segundo a Tribuna do Ceará, Ciro Gomes responde na Justiça desde 2013 por ter acusado Wagner de “comandar milícias infiltradas na PM”. No vídeo abaixo o ex-governador diz que o capitão comanda “marginais ligados ao narcotráfico”. Até esta quinta-feira o major Henrique não tinha respondido à acusação do deputado.
HISTÓRIA COM FUNDAMENTO
O Comitê Cearense pela Desmilitarização da Polícia e da Política considera que a desconfiança sobre grupos de extermínio possui história e fundamento. E lembra do caso do frentista João Paulo de Sousa, que desapareceu no fim de setembro após uma abordagem policial – em caso parecido com o do pedreiro Amarildo de Souza, no Rio, que gerou grande comoção nas redes sociais. #OndeEstáJoãoPaulo?
Na quarta-feira (18) o secretário de Segurança Publica e Defesa Social do Ceará, Delci Teixeira, esteve na Assembleia Legislativa e confirmou que há indícios de participação de policiais na chacina de Messejana. “Não nos surpreende”, diz Ana Vládia Holanda Cruz, doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e integrante do comitê. “Estamos em permanente contato com familiares de pessoas executadas pela PM, algumas delas após sessões de tortura”.
Ela conta que os assassinatos da chacina foram aleatórios. Adolescentes foram mortos apenas por estarem nas ruas – como aconteceu em Osasco e Barueri (SP), em agosto, quando 23 pessoas foram executadas, a esmo, somente em uma madrugada. “Algumas pessoas relatam que também tiveram suas casas invadidas por homens encapuzados”, diz Ana Vládia, sobre a chacina cearense.
Segundo ela, a conta quase sempre recai no trafico, como se o comércio ilegal de drogas justificasse as execuções sumárias e extrajudiciais. Outra prática comum em Fortaleza seria a entrega de pessoas, pela polícia, nas mãos de inimigos – que fariam a matança.
Sobre o deputado Capitão Wagner, o comitê o descreve como o líder político dos policiais militares. Associações como as que ele comanda fariam uma blindagem corporativista, sem se opor à lógica bélica para a qual os policiais são empurrados.
“As propostas com relação à segurança, seja de um ou outro campo político, apostam no Estado Policial para dar conta dos conflitos sociais”, diz a pesquisadora. E isso se refletiria nos programas de governo apresentados pelos candidatos apoiados tanto por Ciro Gomes como pelo deputado Wagner.
TEMA PRIORITÁRIO
Um levantamento deste blog mostra que todas as Unidades da Federação têm denúncias sérias sobre grupos de extermínio. A maioria delas, recentes. Com participação policial e ligação com várias faces do crime organizado. O tema, no entanto, não ganha cobertura sistemática da imprensa – que, no máximo, dá atenção por alguns dias ao tema quando há uma chacina com mais mortos.
Não é possível que acusações dessa gravidade fiquem pairando no ar, sem apuração rígida das polícias – e não somente da polícia cearense. Ciro Gomes e o Capitão Wagner já são bem grandinhos para saírem fazendo acusações apenas com base na imaginação. Um deles está certo?
A situação me faz lembrar o título famoso da carta aberta do escritor Émile Zola ao presidente francês, em 1898, “”Moi, j’accuse” (eu acuso), acusando o governo de antissemitismo e de ter prendido ilegalmente o general Alfred Dreyfuss. Ciro Gomes acusa. Capitão Wagner acusa. Mas quem vai apurar?
A pesquisadora da UFRN lembra que todos perdem com o belicismo das corporações. Mas principalmente os moradores das periferias, que sofrem com a lógica de um sistema criminal seletivo, que só atinge os mais pobres. Com a participação policial em grupos de extermínio temos um problema dentro do problema: a pena de morte. Não legalizada no Brasil, mas executada – sem que haja comoção popular ou midiática por isso.
2 IDEIAS SOBRE “GRUPOS DE EXTERMÍNIO: O BRASIL OCULTO DO CAPITÃO WAGNER”