Principal suspeita é que vítimas foram mortas por um grupo miliciano da região
26.mar.2018 às 12h27
RIO DE JANEIRO e MARICÁ
A delegada titular da delegacia de homicídios de Niterói, Bárbara Lomba, disse na manhã desta segunda-feira (26) que os cinco jovens assassinados na madrugada de domingo (25) em condomínio do Minha Casa Minha Vida em Maricá, região metropolitana do Rio, não tinham qualquer envolvimento com o crime organizado.
De acordo com a delegada que coordena as investigações, a principal suspeita foi que os jovens foram mortos por um grupo miliciano que atua na região e cobra por serviços de segurança. Os jovens, segundo relataram parentes à reportagem da Folha, faziam parte de uma roda de rap e passinho em Maricá.
Ainda segundo a delegada, os cinco jovens —três dos quais menores de idade—, foram colocados deitados no chão e mortos com tiros na cabeça. A polícia suspeita que dois homens em um carro abordaram os jovens e descarta a primeira versão surgida sobre o caso, de que homens em uma motocicleta passaram atirando.
Policiais Civis do Rio de Janeiro cercam local onde cinco jovens foram mortos em Maricá -
Dois homens numa moto não conseguiriam atingir cinco pessoas na cabeça", disse ela. Os jovens foram mortos por volta de 5h50 de domingo. Eles estavam na área de convivência do conjunto habitacional, que tem 1.432 apartamentos.
O local é conhecido por ser onde os moradores fazem confraternizações, com churrascos na calçada e barraquinhas de venda de bebidas e comida. Há no local pontos de venda de drogas, o que estaria contrariando os interesses dos grupos milicianos que atuam na região.
A polícia investiga relatos de que os jovens foram mortos porque estariam consumindo maconha no local. "As primeiras informações dão conta de uma execução. Os jovens não tinham qualquer anotação criminal, antecedentes ou envolvimento recente com o crime", disse Lomba.
A delegada confirmou que parte dos mortos fazia parte de rodas de rap e hip-hop em Maricá. Segundo ela, pode ter ocorrido de uma das letras dos jovens ter desagradado à milícia, que tem expandido territórios desde a capital para Niterói, Itaboraí e Maricá. "Há a hipótese de consumo de drogas ou que eles propagavam nas músicas alguma ideia que desagradasse a esses grupos", disse.
De acordo com a policial, casos como o de domingo têm sido frequentes na região. "Desde o fim do ano passado que vemos os índices de violência crescerem muito em Maricá, sempre com alguma relação com esses grupos." Ela não soube dizer se a milícia que atua no local é associada aos grupos que dominam bairros da zona oeste do Rio e também municípios da Baixada Fluminense.
O conjunto não tem câmeras de segurança. A polícia busca imagens de câmeras posicionadas no centro da cidade para tentar identificar suspeitos. O condomínio fica a cerca de uma hora de ônibus do centro de Maricá.
Os corpos foram liberados do IML (Instituto Médico Legal) no início da tarde. Três dos jovens foram sepultados na tarde desta segunda no cemitério municipal de Maricá.
Três ônibus da prefeitura levaram parentes e amigos. Em clima de grande comoção, jovens e adolescentes choravam a morte dos amigos. Os caixões tiveram que seguir fechados para as sepulturas devido aos ferimentos na cabeça das vítimas.
Os jovens foram identificados pela polícia como Sávio de Oliveira Vitipó, 19, Mateus Bitencourt da Silva, 18, e os menores, sem idade revelada, Patrick da Silva Diniz, Matheus Barauna dos Santos e Marcus Jonathas.
À exceção dos dois jovens de nome Mateus, os demais foram sepultados em Maricá, com despesas pagas pela prefeitura local, administrada por Fabiano Horta (PT).
Um parente de Sávio que não quis se identificar afirmou que o rapaz tinha pegado o salário recente de R$ 700 e entregou para que o pai juntasse para investir na produção de um clipe de rap.
Conhecido como Soul, ele era um dos que fazia batidas e rimas junto com o grupo. Soul pretendia viajar a Brasília para gravar um clipe na capital federal.
Marcus Jonathas, conhecido como Quadrado, gostava de dançar, tendo sido campeão em uma competição de passinho da prefeitura de Maricá em 2015. Os jovens faziam apresentações nas rodas culturais da cidade. Um deles chegou a se apresentar no Circo Voador, tradicional casa de shows no centro do Rio.
Uma das pessoas presentes no enterro dos garotos afirmou que a quantidade de pessoas dava a medida do quanto eles eram queridos. Se fossem bandidos, disse, não haveria ninguém na cerimônia.
O clima de apreensão é grande entre os moradores locais, já que há a suspeita de que os assassinos sejam milicianos. A maioria estava reticente em falar com a imprensa no local.
Na noite de Natal de 2017, uma tentativa de homicídio já havia levado o terror ao conjunto habitacional, acostumado às más notícias desde 2016, quando uma enchente invadiu casas apenas sete meses após a inauguração do condomínio pela então presidente Dilma Rousseff.
No Natal passado, moradores relatam que um carro perseguiu e atirou contra um morador local, que sobreviveu.
Segundo síndicos do condomínio, parte dos problemas, de segurança e estrutura, são de responsabilidade da Caixa, que é a dona por direito dos imóveis enquanto os moradores não terminam de pagar as prestações do programa federal.
De acordo com Luiz Lucena, síndico do setor C do condomínio, justamente onde ocorreram os assassinatos, até hoje, três anos após a inauguração, a Caixa não liberou a documentação para a constituição formal do condomínio. Com esse documento, explicou, o condomínio poderá criar um CNPJ e cobrar taxas que poderão bancar, por exemplo, segurança privada.
O condomínio não tem cancelas, tampouco muros. A segurança é feita por policiais de folga ou agentes municipais. Maricá não tem batalhão de polícia. No momento do crime, conforme moradores, os seguranças, em pequeno número, estariam dormindo.
Há falta de estrutura desde a enchente que comprometeu parte dos apartamentos. Muitos ainda vivem com goteiras e rachaduras nas paredes. A luz não teria sido instalada nos salões de festa, que funcionam com gatos de eletricidade. O local onde os jovens foram mortos fica em um ponto de churrasqueira sem luz e sem água. De acordo com o síndico, o local atualmente não serve para fazer churrascos.
"A Caixa só aparece para cobrar quem está com pagamento atrasado. Diversos apartamentos foram abandonados com a enchente e foram invadidos. Nós não sabemos quem mora, quem entra e quem sai do condomínio porque não tem controle. Quem tinha que resolver esses problemas é a Caixa, que é a dona", disse ele.
De acordo com Edinelson Rio Branco, 39, síndico do setor D, a falta de um CNPJ para o condomínio impede que projetos sociais promovam ações no local. "Nós tentamos colocar aulas de judô e ballet, mas não temos registro, o condomínio não existe formalmente", disse o síndico, que é um dos cinco eleitos pelos moradores para cuidar do conjunto.
Maricá tem vivido aumento da violência urbana, seguindo tendência de todo o estado do Rio. A cidade, contudo, não é a mais carente, tampouco a mais violenta.
Maricá tem vivido aumento da violência urbana, seguindo tendência de todo o estado do Rio. A cidade, contudo, não é a mais carente, tampouco a mais violenta.
Segundo o Mapa da Violência, Maricá é a 29 cidade no ranking dos municípios fluminenses com mais mortes por arma de fogo. A taxa ali é de 19,6 por 100 mil habitantes. A cidade é a 22ª maior do estado em população, que chega a 127.461 habitantes, pelo IBGE.
O Índice de Desenvolvimento Humano de Maricá era de 0,765, em 2010, o que situa o município na faixa de desenvolvimento humano alto, entre 0,700 e 0,799, de acordo com a classificação do Ipea.
Ao mesmo tempo em que experimenta evolução na violência, Maricáfoi uma das cidades beneficiadas pela corrida do petróleo nos últimos dez anos no Rio.
A cidade vive a explosão de receitas desde 2010, quando começaram as operações do campo petrolífero de Lula, hoje o maior produtor do país, e se tornou líder no ranking de arrecadação de royalties e participações especiais cobrados sobre a produção de petróleo. Em 2017, a receita com a atividade petrolífera foi de R$ 806 milhões.
A bonança, no entanto, ainda não se reflete em indicadores sociais. De acordo com o IBGE, Maricá tem o 120º maior PIB per capita entre os 5.570 municípios brasileiros, mas figura na 4.281ª posição em taxa de escolarização (96,4%), em 3.622º lugar em mortalidade infantil (8,23 óbitos por mil nascidos vivos) e em 1.634º em esgotamento sanitário (64,4% dos domicílios).
A chacina na cidade predominantemente rural ocorre em meio à intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada em 16 de fevereiro. Em julho passado, militares já tinham sido autorizados a reforçar a segurança do Rio, por meio de decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Conforme a Folha mostrou no último dia 8, desde que chegaram ao Rio os militares não fizeram operações em áreas dominadas por milícias.
Lucas Vettorazzo , Nicola Pamplona e Luiza Franco
Erramos: o texto foi alterado
O atual prefeito de Maricá é Fabiano Horta (PT). Washington Quaquá (PT) é seu antecessor.Lucas Vettorazzo , Nicola Pamplona e Luiza Franco
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ARNALDO VIANNA DE AZEVEDO MARQUES
26.mar.2018 às 14h25