Por meio do aplicativo Fogo Cruzado, que monitora em tempo real os atos de violência, a reportagem filtrou os dados do primeiro mês de intervenção. As tropas das Forças Armadas chegaram ao Rio em 17 de fevereiro — 24 horas após o presidente Michel Temer assinar o decreto de intervenção. Até 17 de março, ou seja, no período de um mês, 150 pessoas foram assassinadas na região metropolitana da capital. Já nos 30 dias anteriores à intervenção, entre 16 de janeiro e 16 de fevereiro, o número de homicídios fechou em 126.
No mesmo período, o número de feridos em trocas de tiros e ações policiais passou de 131 para 83, registrando queda. As ações policiais passaram de 112 para 132, incluindo as operações das Forças Armadas que ocorreram em rodovias para impedir o roubo de carga e arrastões. Os dados da violência podem ser ainda mais abrangentes, pois não existe a divulgação de dados oficiais mensalmente. Os últimos registros divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro são de janeiro.
Para o doutorando em direito na Universidade de Brasília e integrante do grupo de pesquisa em criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) Felipe Freitas, a intervenção federal tem ligação clara com o aumento no número de mortes no Rio de Janeiro. Segundo ele, a operação se dá de modo desorganizado. “É mais do mesmo. As operações são feitas sem planejamento. São mais agentes de segurança, sem planejamento em maior contato com as milícias”, explica. Segundo ele, os policiais atuam com as mesmas condições de antes, porém expostos a mais violência.
Outro ponto criticado pelo especialista é o fato de não haver relatórios públicos a respeito das operações feitas pela intervenção. Segundo Freitas, isso faz com que muitas ações ocorram em contrariedade com o que determina a legislação. “Medidas como fotografar os moradores que entram na comunidade ou não haver relatórios públicos para a comunidade acompanhar tornam a intervenção completamente inconstitucional”, critica.
De acordo com dados do governo estadual, em todo o estado foram registrados 469 homicídios no primeiro mês do ano, 20 latrocínios (roubo seguido de morte) e 154 mortes em decorrência de intervenção policial. Os roubos a transeuntes chegaram a 10,9 mil casos.
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que pretende envolver vários segmentos da sociedade no combate à violência, no Rio de Janeiro e no resto do país. “Nós vamos procurar as igrejas, os sindicatos, as empresas. Essa tem que ser uma conquista de todos. Nós estamos vivendo uma crise neste momento. Mas temos uma forma única de fazer avançar essa luta. Só basta organização e valorizar aqueles que fazem a segurança pública”, afirmou.
Comoção e revolta
Em meio à intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a nação e o mundo viram o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSol, após sair de um encontro com mulheres negras, no Centro do Rio. O atentado contra Marielle, que também vitimou o motorista Anderson Gomes, engrossa o número de mortos que foram levantados para esta reportagem.
Mas a violência não parou por aí. Na semana passada, três policiais foram mortos em menos de 24 horas, entre quarta-feira e quinta-feira. Um deles é o soldado Filipe Santos de Mesquita, atingido por quatro tiros de fuzil na Rocinha. Ele tentou se proteger atrás de uma geladeira, ferido, foi levado ao hospital por colegas, mas não resistiu.
A geladeira era do morador Antônio Ferreira da Silva, de 70 anos, conhecido como Marechal. De acordo com testemunhas, ele tentou proteger o soldado Felipe ao vê-lo baleado. O idoso teria recolhido o fuzil do militar, que estava no chão, para não ser pego por traficantes e devolvido para a patrulha que resgatou o policial. Minutos após o crime, ele teria sido atingido por um tiro, enquanto se alimentava (leia mais abaixo). A Polícia Civil investiga as mortes.
Procurado pela reportagem, o Comando Militar do Leste do Exército Brasileiro (CML) informou que o assunto está sendo tratado pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF), que também não respondeu aos questionamentos.
"É mais do mesmo. As operações são feitas sem planejamento. São mais agentes de segurança, sem planejamento em maior contato com as milícias”
Felipe Freitas, especialista em segurança pública
* Estagiários sob a supervisão de Roberto Fonseca
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