Em sete meses deste ano, foram 225 denúncias contra 96 do
mesmo período de 2016
Imagens de um policial militar utilizando balas de borracha para atirar três vezes contra um homem refugiado no interior de uma ambulância, nesta terça-feira, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, exemplificam um fenômeno. Nos primeiros sete meses do ano, dobraram relatos de agressões cometidas por policiais no Estado. O brigadiano que aparece nos vídeos, em Uruguaiana, foi afastado imediatamente pela corporação.
Segundo o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, nos sete primeiros meses deste ano, as denúncias de violência policial aumentaram 134%, pulando de 96 relatos para 225.
São tipificados como violência policial abusos praticados pela Polícia Civil, Guarda Municipal e Brigada Militar, responsável por quase 90% das denúncias que chegam ao conhecimento do CRDH. As 216 notificações registradas na Defensoria Pública em todo o ano passado representam aumento de 166,66% em relação à 2015, quando o órgão atendeu 81 casos. Em 2014, haviam sido 67.
– Os registros podem ter aumentado em razão da implementação das audiências de custódia ou, mesmo, pela consolidação deste espaço como centro de referência para quem precisa de ajuda. Queremos apresentar esses dados para diversas instituições, para a sociedade civil e, assim, mobilizar a todos e definir uma linha de atuação. Percebemos que é um problema macro – disse a dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado, Mariana Py Muniz Cappellari.
A apresentação citada por Mariana será feita em audiência pública, em data ainda não definida, quando serão convidados, além de representantes da Brigada Militar, Polícia Civil, guardas municipais e Polícia Federal, o governador do Estado, José Ivo Sartori, e o secretário da Segurança Pública (SSP), Cezar Schirmer.
Obtidos via Lei de Acesso à Informação, números da Brigada Militar mostram aumento de 15% das denúncias de lesão corporal feitas na ouvidoria da corporação entre os cinco primeiros meses de 2017 comparado com igual período do ano passado, ao passar de 26 para 30 casos. O corregedor-geral da Brigada Militar, tenente-coronel Régis Rocha da Rosa, argumenta que essa elevação pode ser justificada pela reação ilegal de quem está sendo abordado.
– Se houvesse aceitação das pessoas, uma conduta passiva, não aconteceria. Hoje há resistência a qualquer ação da polícia – disse.
Seguindo a mesma linha, o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Mario Ikeda, nega que haja qualquer tipo de incentivo à violência por parte da corporação e diz que, após o início das audiências de custódia, em 2015, a demanda das corregedorias aumentou.
– Há mais relatos, mas não posso dizer que a violência aumentou ou diminuiu, pois muitos desses casos ainda não foram encerrados – disse Ikeda.
"Começaram a me puxar e dar soco. Depois fui saber que eram policiais à paisana"
No dia 20 de abril, o segurança Maximiliano da Costa, 44 anos, deixava Porto Alegre em direção a Cachoeirinha, onde mora com a mulher Joseane Branco Campos, 33 anos, quando o ônibus em que estava foi assaltado por dois homens. Assim que os criminosos desembarcaram, nos arredores da Arena do Grêmio, alguns passageiros passaram a lhe cobrar uma atitude de defesa coletiva diante dos criminosos, já que estava vestido com roupas da empresa.
– Expliquei que sou segurança de uma escola e que não uso armas. Mas não adiantou muito – recorda.
Depois de algum bate-boca no coletivo, o motorista parou em frente ao 26º Batalhão de Polícia Militar, em Cachoeirinha, na Avenida Flores da Cunha, para registro da ocorrência. Lá, Max e ele começaram a discutir, segundo o segurança, porque o condutor do veículo negou-se a prestar depoimento. O conflito se estendeu a Joseane e a outra passageira, que entraram em luta corporal em frente ao batalhão.
– Fui separar a briga, quando duas pessoas começaram a me puxar e dar soco. Depois fui saber que eram policiais à paisana – conta Max.
Com a chegada de outros PMs, devidamente fardados, o segurança foi algemado. A partir daí, um vídeo feito por celular mostra ele imobilizado por quatro policiais e um deles desferindo socos em sequência. Em poucas horas, o segurança foi de vítima de assalto à vítima de agressões da Brigada Militar.
– Não tem explicação. Não se identificaram nem nada. Me puxaram e começaram a dar socos. Com certeza foi racismo.
Das 21h30min até a meia-noite, o casal permaneceu algemado. Ele relata que no caminho à delegacia, dentro de uma viatura, ouviu um dos policiais dizer que iria "apagar esse macaco". O comandante da Brigada Militar de Cachoeirinha, major Luciano Moritz, explica que foi aberto procedimento interno para apurar a conduta dos policiais, mas não acredita que os seus comandados tenham praticado qualquer ato de racismo ou de intimidação.
Ao fim da investigação, a BM considerou a "atitude dos policiais dentro da normalidade". O segurança acusa a BM de passar, nas semanas seguintes, em frente a sua casa, às vezes na contramão, com as sirenes ligadas para constrangê-lo.
– Nossos policiais jamais fariam algo neste sentido – defende o comandante.
Moritz salienta que, se comprovadas fossem as agressões, nada as justificariam, mas que é preciso analisar o contexto dos fatos. Por fim, acrescenta que a BM não compactua com comportamentos ilegais. O caso também está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Polícia de Cachoeirinha.
Como relatar violência policial no RS
O Centro de Referência em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul está localizado na Rua Caldas Junior, 352, no Cento Histórico de Porto Alegre. O horário de funcionamento é das 9h ao meio-dia e das 13h às 18h de segunda a sexta-feira. Há, ainda, o disque-acolhimento: 0800-644-5556.
Nenhum comentário:
Postar um comentário