Mecânico morre após ser agredido por PM na Grande SP
Viúva chamou a polícia para ajudá-la a tirar os pertences da casa onde vivia com o marido. Ouvidoria pediu que corregedorias das polícias Civil e Militar apurem o caso.
“Esse policial tem de entender que ele matou um pai de família”. Foi
dessa forma que a atendente Fernanda Camargo, 36 anos, descreveu a morte
do marido, o mecânico Eduardo Alves dos Santos, 42 anos, às 19h do dia
16 de janeiro, em Itapevi, na Grande São Paulo.
Ele morreu cerca de três horas e meia depois de ser agredido por um
policial militar, que foi chamado por Fernanda, para que lhe desse apoio
para buscar pertences pessoais e trocasse o carro com o marido.
Fernanda disse ao G1
que chamou a polícia por temer que o marido ficasse irritado com sua
saída de casa. “Ele estava com meu carro e eu estava com o dele. Como
ele tinha problema de alcoolismo, eu fiquei preocupada que ele pudesse
dificultar as coisas. Era para os policiais darem apoio, não para
espancar e matar meu marido.”
A declaração de óbito informa que a causa da morte foi “hemorragia interna traumática, agente contundente.”
“Eu cheguei em casa e ele estava trabalhando na oficina, no andar de
baixo, e ele me disse que não iria deixar levar nada, que só faria isso
na Justiça. Foi aí que eu chamei uma viatura. Os policiais chegaram e eu
expliquei a situação. Um dos policiais ficou conversando comigo e o
outro ficou com ele lá dentro da oficina”, disse Fernanda.
Os policiais que atenderam ao chamado dela foram Adriano Soares de
Araújo e Rafael Francisco de Vasconcelos. O primeiro ela descreve como
“agressivo e descontrolado”. O segundo ela descreve como “calmo e quem
tentou conter o colega policial.”
Fernanda disse que “meu marido estava distraído com o carro e o
funcionário dele, pois tinham de entregar um carro naquele dia, Ele
virou o rosto para olhar o carro e aí o policial Araújo bateu no ombro
do meu marido dizendo: ‘Eduardo, estou falando com você’. E enfiou o
dedo na cara do meu marido.”
"Olha o que você fez na minha farda"
Em seguida, ela relatou que o marido tentou argumentar, dizendo que
resolveria tudo com ela ou na Justiça. “Meu marido disse: ‘mas moço,
porque você está fazendo isso comigo? Eu não sou bandido, sou
trabalhador, estou na minha casa e preciso entregar esse carro hoje.’
Foi quando o policial Araújo pegou meu marido pelo pescoço e o jogou em
cima do carro. Ele deu uma rasteira no meu marido, que pegou a farda do
policial, que acabou rasgando.”
Ela disse que o policial ficou transtornado quando viu que sua farda
estava rasgada. “O Araújo gritava ‘Olha o que você fez na minha farda,
olha o que você fez na minha farda. Você está preso’. Ele depois deu um
chute no rosto do meu marido, que ficou com o olho roxo e inchado. Eu
fui até o policial e pedi para ele não fazer isso com meu marido. O
Araújo gritou: ‘não foi você que chamou a gente? Eu respondi que tinha
chamado, mas não para agredir meu marido.”
Depois disso, Fernanda disse que o policial “saiu chamando reforço pelo
celular e voltou com um cassetete na mão. Ele entrou e voltou a agredir
meu marido de novo, bem na hora que meu marido, já mais calmo, estava
sentado no chão com dores e conversando com o outro policial. O Araújo
chegou e deu umas cacetadas nas pernas, no braço, na cabeça e na
barriga.”
O G1
teve acesso às imagens da câmera de segurança da oficina, que estava
virada para a rua. É possível ver que o policial volta para a viatura,
pega o cassetete e entra novamente na oficina.
O trecho seguinte das imagens mostra outras viaturas chegando e, cerca
de cinco minutos depois, o mecânico sendo retirado da oficina e levado,
algemado, para o carro de polícia.
Foram cerca de sete minutos até que o mecânico fosse levado para a
delegacia de Itapevi. O trajeto demora cerca de dez minutos. “Lá, ele
foi colocado numa sala sozinho. Eu consegui entrar na salinha e vi que
tinha muito sangue no chão. Ele estava cuspindo sangue pela boca e pelo
nariz. Ele pedia muita água. Ele estava morrendo e eu gritei pedindo
ajuda para todos que estavam ali.”
Fernanda relata em seu depoimento à Ouvidoria da Polícia que policiais
chegaram a duvidar que o marido estivesse passando mal e ainda teriam
dito para ela que “aquilo era abstinência de cachaça”.
"Amor SAMU"
A viúva reclama que o marido poderia estar vivo se tivesse recebido
atendimento médico a tempo ou sido levado ao hospital ao invés de ser
levado para a delegacia. “Eles demoraram para chamar o SAMU. Quando meu
marido estava praticamente morto, toca um telefone na mesa e o Araújo
pede para eu atender. Achei estranho que na tela do celular dele
apareceu “amor SAMU”. Só depois soube que era a mulher do policial”.
Fernanda disse que a mulher do policial falou com ela pelo telefone e
passou instruções para os primeiros socorros. “Achei estranho que ele
ligou primeiro para a mulher do que para o atendimento do SAMU mesmo. A
mulher pediu para eu enfiar o dedo no olho do meu marido. Como ele não
reagiu, ela disse que meu marido estava em para cardiorrespiratória.
Ninguém ali ajudou, eu mesmo fiz a massagem cardíaca no meu marido. Só
depois, muito tempo depois, que o Araújo, vendo a gravidade do que ele
tinha feito, foi ajudar.”
A viúva disse que a ambulância do SAMU demorou cerca de 25 minutos para
chegar até a delegacia. “Ele praticamente morreu nos meus braços. Eu
quero só a Justiça, quero que a Justiça seja feita. Não consigo viver
com isso, que ele foi morto na minha frente, que eu chamei a viatura, me
sinto também culpada. Eu chamei, mas eu não chamei para matar, era para
dar um apoio naquela hora. Se ele sofria de alcoolismo, que levassem
ele para um hospital, mas não ser agredido e morto.”
O mecânico foi levado para o Pronto Socorro Central de Itapevi, onde morreu.
Corregedorias
Foram registrados dois boletins de ocorrência sobre o caso. O primeiro é
de resistência. O segundo é de morte suspeita. Agora, a Ouvidoria da
Polícia pediu que o caso seja investigado pelas corregedorias das
polícias Civil e Militar e também pediu providências ao Ministério
Público.
“O policial agressor precisa ser investigado por tortura seguida de
morte. Os policiais militares e civis precisam ser investigados por
omissão de socorro. Os policiais civis também precisam ser investigados
por prevaricação, já que o abuso de autoridades e as lesões corporais
não foram registradas no primeiro BO”, disse Ariel de Castro Alves,
membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do
Estado de São Paulo (Condepe)
Outro lado
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo informou
que o inquérito policial foi instaurado na Delegacia de Itapevi e o
delegado aguarda o laudo do exame necroscópico para apontar a causa da
morte. A pasta informou ainda que Fernanda e a mãe já prestaram
depoimento.
Ainda segundo a SSP, o comando do 20º Batalhão instaurou inquérito policial militar.
A PM informou, na mesma nota, que apresentou uma ocorrência de
violência doméstica após ser acionada pela própria mulher, que denunciou
o marido por agressão.
No entanto, o próprio boletim de ocorrência não cita violência
doméstica, nem agressão sofrida por Fernanda, que descartou fazer
qualquer denúncia sobre isso.
Ainda segundo a PM, não houve omissão de socorro e a vítima recebeu os
primeiros socorros ainda na delegacia, com massagem cardíaca na hora que
passou mal. A PM também informou que o SAMU foi acionado e socorreu o
mecânico com vida.
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- Camila
há 2 mesesIndenizar???? Pronto agora no Brasil tudo acaba nisso...o que vai ter de gente rezando p parente morrer pra pegar uma grana!!! E nesse caso, chamou a policia pra que, pra beijar o marido dela??? Agora tá arrependida?! Fala serio... ainda vai prejudicar quem foi ajuda-la...depois reclamam da policia...cada pais tem o serviço que realmente merece!
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