Militar foi condenado a pagar
indenização, mas não respondeu em esfera criminal
SÃO PAULO - Vítimas do coronel Brilhante Ustra e entidades contra tortura lamentaram nesta quinta-feira que o ex-militar, que morreu nesta quinta-feira, não tenha respondido em vida pelos crimes cometidos durante a ditadura. Disseram também acreditar que sua morte dificulta o trabalho de localização de corpos de mortos durante a repressão.
- Até hoje está desaparecido o corpo do Virgílio Gomes da Silva que atuou no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick (em 1969). As entidades de direitos humanos queriam que ele pagasse em vida pelos crimes que cometeu. Ustra morreu sem pagar pelas atrocidades que realizou - afirma o militante do “Tortura, Nunca Mais” de São Paulo, Lúcio França.
O militante compara Ustra a figuras como o general chileno Augusto Pinochet, que foi punidos por crimes cometidos durante o regime militar chileno. Em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), o grupo buscava a reparação e responsabilização penal pelos crimes de Ustra na Justiça, mas não houve resultado.
- Gostaríamos que ele tivesse sido julgado - diz Criméia Alice Almeida, militante política que relatou, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), ter sido torturada pelo próprio Ustra nas dependências do DOI-Codi, quando estava grávida de sete meses.
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Ela lembra que Ustra foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a indenizar a família do militante de esquerda Luiz Eduardo da Rocha Merlindo, embora recorresse da decisão. Admite que a responsabilização criminal parecia difícil, por causa do parecer do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu que todos os crimes cometidos por agentes do Estado estariam abrigados na Anistia. Mas, afirma que ainda havia a possibilidade jurídica de condenação, em função da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA que determinou que o Brasil investigue crimes cometidos na ditadura.
- Como tudo é muito lento, a morte chega primeiro. Tanto para os familiares das vítimas - já estamos todos velhinhos - quanto para os torturadores - diz Criméia.
RESPONSABILIDADE
O militante do Tortura, Nunca Mais, Lúcio França, afirma que Ustra era responsável pelos crimes ocorridos sob seu comando:
- Ele atuava direta e indiretamente na tortura. Era o chefe do DOI-Codi, por isso respondia por seus subordinados. Na medida em que se omitia sobre os crimes contra a humanidade, era conivente com o que ocorria - afirma.
Ele lembra que o "arrependimento do algoz" é algo esperado por quem cuida da questão da reparação e da justiça de transição (conjunto de mecanismos para enfrentar o legado de violência em massa no passado).
- Ele nunca admitiu os erros que cometeu, dizia que agia em nome da pátria. Por isso, ele era ainda mais execrável, em todos os sentidos.
Para a jornalista e ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Rose Nogueira, “é um absurdo que Ustra não tenha pagado por tantos crimes”. Ainda assim, ela preferiu não comentar a sua morte:
- Quando torturavam, quando matavam, eles (torturadores) riam. Eu não estou nem contente, nem nada, não sou igual a eles. Digo apenas uma coisa: foi-se.
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