Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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quarta-feira, 22 de março de 2017

Presos são torturados por agentes prisionais na Grande Florianópolis

Vídeo mostra a ação, caracterizada como doentia por especialista em direitos humanos

Por: Fabiano Marques*
01/11/2009 - 22h58min
Presos são torturados por agentes prisionais na Grande Florianópolis Maurício Vieira/
Imagens foram gravadas na penitenciária de São Pedro de AlcântaraFoto: Maurício Vieira 
Cenário de tortura na maior prisão de Santa Catarina: cerca de 1,1 mil presos que cumprem pena nas mais de 300 celas da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, vivem sob constante ameaça. 

Em nome da segurança máxima, os agentes do Departamento de Administração Prisional (Deap), com apoio das polícias civil e militar, realizam operações pente-fino e de transferências para outras unidades. Segundo o Secretário Executivo da Justiça e Cidadania, Justiniano Pedroso, vistorias na carceragem ocorrem semanalmente. 

Uma das operações de transferência foi gravada em vídeo. O trabalho, que era para ser uma forma de amenizar a superlotação na penitenciária, tornou-se um ato de violência. Trancados nas celas, os presos foram obrigados a inalar spray de pimenta. Alguns acabaram espancados. Aos gritos de socorro, apanharam dentro de um banheiro. Algemados com as mãos para trás, levaram socos e chutes. 

— Ai, não, senhor, não — implora um deles enquanto recebe tapas. 

Durante a surra, um preso chora por receber murros, pontapés e também por saber que terá a cabeça mergulhada em um vaso sanitário. É sempre o passo seguinte. Após o espancamento, o afogamento. 

Um dos homens que comanda a blitz nas galerias ordena: 

— Diz pra não bater muito aí não. Fecha a porta aí. 

O preso, jogado de um lado para o outro, é arrastado em direção à privada. Quando a porta se abre, ele aparenta estar desacordado e segue levando chutes de um agente prisional. 

— Vocês tem que aprender. Quando a gente manda tem que obedecer — diz um dos torturadores. 

A pancadaria continua. Exaustos de tanto apanhar, mais presos são afogados no vaso sanitário. 

O Diretor do Deap, Hudson Queiroz, participou da operação, que teria ocorrido em fevereiro do ano passado: 

— Até o momento que eu permaneci na unidade não houve nenhum problema de tortura como eu estou vendo. Eu nem sei se essas imagens fazem parte da mesma operação que nós fizemos em fevereiro de 2008. 

Situação semelhante em Tijucas 

Hudson também teria participado de um pente-fino no Presídio de Tijucas, também na Grande Florianópolis, em março deste ano. A Polícia Civil e o Ministério Público apuram prática de tortura na unidade. 

Um laudo encaminhado à Justiça atestou lesões corporais em 143 dos 350 presos examinados. Todos disseram à polícia que apanharam com cabos de vassoura, pedaços de paus e de borrachas. 

A agressão ocorreu no chamado corredor polonês, onde os agentes formam uma fila dupla e obrigam os presos a passarem no meio para serem espancados. Um dos detentos disse que apanhou e ficou marcado nas costas e nas pernas. 

— Foi tudo quanto é tipo de lambada. Mas teve muita gente lá dentro que ficou bem pior do que eu — desabafa. 

Aos prantos, a mãe de um detento conta que entrou em desespero ao ver o filho machucado: 

— Foi uma dor muito grande quando eu vi ele todo machucado. Eu nunca dei um tapa nele. Quando eu vi ele machucado lá dentro entrei em desespero, mas a gente não pode fazer nada. 

"Repugnante"
O juiz-corregedor do município de Tijucas, Pedro Walicoski Carvalho, visitou o presídio acompanhado de uma comissão de inspeção. Registrou com fotos as lesões nos presos e afirmou que não houve atendimento médico aos agredidos. 

— Nós, enquanto cidadãos, assistindo estas cenas, isto é repugnante. É uma situação que a gente não imagina que tenha acontecido, principalmente no sistema prisional que ainda é considerado um dos melhores — fala o juiz. 

No caso de Tijucas Hudson diz que participou da operação. Questionado se teria presenciado a agressão, o diretor do Deap afirma: 

— Eu presenciei o confronto entre os presos e as forças de segurança do Estado. 

Segundo ele os agentes precisaram bater nos presos porque houve reação. 

— Quando há confronto, prefiro que se machuquem os presos e que os meus agentes saiam ilesos. Foi uma intervenção pesada para manter a ordem. Os presos tinham diversas armas artesanais com eles. A intenção deles, pelo que eu soube, era até fazer um agente como refém. Não dá para chegar lá entregando flores para os detentos em confrontos assim. A mão do estado tem de prevalecer — argumenta o diretor do Deap. 

Para o juiz corregedor do presídio de Tijucas, Pedro Walicoski Carvalho, isso não justifica a agressão: 

— Havendo um embate o Estado tem que se impor. Todavia, existe um limite dessa reação. 

Polícia investiga o caso 

A delegada de polícia de Tijucas, Luana Backes, abriu inquérito para apurar as denúncias. Segundo ela, os presos não ofereceram qualquer tipo de resistência ou reação que pudesse justificar a barbárie. 

— As agressões foram muito graves e em razão disto está configurado crime de tortura — diz a delegada. 

Luana Backes quer agora identificar os agressores. 

Para Secretaria de Justiça, o caso deve ser apurado 

A reportagem mostrou as imagens ao secretário executivo de Justiça e Cidadania de Santa Catarina, Justiniano Pedroso. Para ele o caso deve ser apurado: 

— Nós não compactuamos com isso, de maneira alguma. Nós vamos apurar para que a gente abra os procedimentos cabíveis. Com certeza é uma cena forte. Agora eu quero saber as razões e os motivos que levaram a que isso ocorresse. 

Questionado se acredita que exista justificativa para o que o vídeo mostra, Pedroso disse não saber: 

— Eu não sei. É isso que eu quero ver. 

Especialista em direitos humanos classifica a ação como doentia 
As imagens da violência no Presídio de Tijucas e na Penitenciária de São Pedro de Alcântara foram mostradas ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC), Dórian Ribas Marinho, que reagiu indignado: 

— Isso é inclassificável. É injustificável sob todos os aspectos. Me parece que só pessoas doentes conseguem trabalhar nessa perspectiva de violência, de indignidade, sem respeito à dignidade da pessoa humana. É um absurdo total. 

O que são as operações pente-fino e de transferência 

As operações pente-fino e de transferência fazem parte da rotina das unidades prisionais. Porém, elas são bastantes distintas. A primeira consiste em uma limpeza no presídio. 

Muitas vezes os detentos conseguem confeccionar armas caseiras ou mesmo fazer com que elas entrem por intermédio de alguém. Além de armas, é comum surgirem nas celas celulares e drogas. 

Para coibir essa ação, de tempos em tempos, sem prévio aviso, agentes prisionais tiram os presos das celas e retiram de lá tudo o que é ilegal. 

A operação de transferência ocorre quando quando um ou mais presos precisam ser levados para outras unidades. Isso pode ocorrer quando há superlotação, possibilidade de rebelião ou mesmo de fuga, além de medidas judiciais.

* Colaboraram Kíria Meurer e Bianca Backes

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