Edição 1924 de 20 a 26 de maio de 2012
Euler de França Belém
Euler de França Belém
Guerrilheiros incinerados em usina de açúcar de ex-vice-governador
No livro “Memórias de uma Guerra Suja”, Cláudio Guerra conta que, a partir de 1973, alguns militares começaram “a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina”. O delegado do Dops revela que “a primeira tentativa foi a de um intercâmbio de cadáveres. A equipe do Rio passou a despachar os corpos para São Paulo e vice-versa. Mas isso não foi suficiente para manter a discrição no ocultamento dos corpos”. Ao discutir o assunto com o coronel Freddie Perdigão e com o comandante Antonio Júlio Vieira, o mini-Eichmann dos trópicos sugeriu que usassem os fornos da usina de açúcar Cambahyba, do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro Gomes, político de extrema direita ligado à Tradição, Família e Propriedade (TFP), e disse “que enterrar corpos em cemitérios clandestinos ou jogá-los ao mar — operação comandada pelo Cenimar — já eram técnicas manjadas, que não tinham a eficácia de antes”.
Com a ajuda de dois funcionários da usina, Zé Crente e Vavá, os corpos de esquerdistas passaram a ser incinerados. “A Usina Cambahyba foi muito usada para este fim [destruir pessoas] nas décadas de 1970 e 1980. (...) Fui responsável por levar dez corpos de presos políticos para lá, todos mortos pela tortura no DOI e na Casa da Morte, em Petrópolis, além dos cadáveres provenientes do DOI da Barão de Mesquita e os que vinham de São Paulo. (...) Também lá na usina matei e desapareci com o corpo do tenente Odilon [Carlos de Souza].” Este foi morto como queima de arquivo.
No livro, Cláudio Guerra cita dez corpos, mas, ao visitar a usina com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay, advogado de José Dirceu e Demóstenes Torres) e o jornalista Marcelo Netto, na semana passada, lembrou-se de outro guerrilheiro incinerado, Armando Teixeira Frutuoso, no forno da usina de açúcar em Campos de Goytacazes. Ele listou todas as pessoas que levou para serem incineradas.
Os corpos de João Batista Rita e Joaquim Pires Cerveira (foram presos na Argentina, possivelmente pela Operação Condor), mortos na tortura pela equipe do delegado Sérgio Fleury, foram entregues a Cláudio Guerra no final de 1973. Em abril de 1974, o casal Ana Rosa Kucinski — irmã do jornalista e professor universitário Bernardo Kucinski — e Wilson Silva foi preso, torturado e morto pela equipe de Fleury. Cláudio Guerra e o sargento Levy pegaram os corpos na Rua Barão de Mesquita e levaram para a usina. “Os dois estavam completamente nus. A mulher apresentava muitas marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. O jovem não tinha as unhas da mão direita. Tudo levava a crer que tinham sido torturados. Não havia perfuração de bala neles”, relata o delegado.
A história sobre David Capistrano da Costa, de 61 anos, não difere do que é narrado no livro “Sem Vestígios — Revelações de um Agente Secreto da Ditadura Militar Brasileira” (Geração Editorial, 239 páginas), de Taís Morais, uma das mais bem informadas jornalistas sobre o que aconteceu nos porões da ditadura. O eleitor que escandalizar-se com o que mostra Cláudio Guerra vai ficar ainda mais impressionado com o que explicita Taís Morais. Elio Gaspari, em “A Ditadura Derrotada” (Companhia das Letras, 538 páginas), também relata o desaparecimento de Capistrano, que havia lutado na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa, e José Roman, na cidade de Uruguaiana. “Walter de Souza Ribeiro, David Capistrano e José Roman foram levados para a casa que o CIE mantinha em Petrópolis. Esquartejaram-nos”, diz Gaspari.
Taís Morais, baseada em “documentos” do agente do Exército Joaquim Artur Lopes de Souza, o Carioca, revela que Capistrano foi capturado pelo tigrada da Operação Bandeirantes (Oban). Carioca e outro agente levaram o preso para São Paulo e, de lá, para Petrópolis. À noite, esquartejaram o líder do PCB. O relato da jornalista: “Lentamente, [Carioca] levantou a cabeça em direção a algo pendurado em ganchos. A princípio não distinguiu bem o que era. Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capistrano pendiam do teto, e ele, reduzido a pedaços como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue”. Depois, “retiraram tudo e colocaram em sacos plásticos, que imediatamente levaram até o porta-malas de um carro de passeio recém-estacionado na porta do matadouro”. Em seguida, os militares que mataram e esquartejaram Capistrano comeram bifes fritos.
Carioca não menciona os nomes das pessoas que buscaram o corpo de Capistrano, mas sua história coaduna com a de Cláudio Guerra. O delegado levou os pedaços de Capistrano e João Massena Melo (Mello, em Gaspari) da Casa da Morte, em Petrópolis, para incinerar na usina de Campos de Goyatacazes. “Um deles [Massena] me marcou muito, porque lhe haviam arrancado a mão direita. Ela estava dentro do saco, perto do corpo, resultado de tortura impiedosa. O outro homem parecia ter sido mais torturado. Era David Capistrano. A Casa da Morte era para onde iam as pessoas mais importantes.”
Os corpos de José Roman, do PCB, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Eduardo Coleia Filho, ambos da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), e Luiz Ignácio Maranhão Filho, do PCB, foram incinerados na usina Cambahyba. O dono da usina, Heli Ribeiro, ex-vice-governador do Rio de Janeiro, recebeu benefícios fiscais e financeiros do governo federal. O que sugere que a turma do porão não agia isoladamente, sem apoio de cima. O coronel Perdigão, o doutor Nagib, chegou a mandar Cláudio Guerra sabotar as usinas dar região.
Na Casa da Morte, o cabo Félix Freire, apontado como o doutor Magno, “não só matava e serrava os mortos como punha um ácido para acabar com os corpos”, relata Cláudio Guerra. “Depois os enterrava, sem chances para a perícia conseguir identificá-los”. Freire contesta as informações do ex-sargento Marival Chaves, agora confirmadas pelo delegado do Dops. Mas, no livro, o próprio Cláudio Guerra não cita Freire. O nome é apontado pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.
Cláudio Guerra revela que, além dos cemitérios tradicionais nos quais militantes da esquerda eram enterrados como indigentes, havia pelo menos mais quatro cemitérios clandestinos. Um ficava em Petrópolis, onde havia outra casa. “A Casa da Morte era um aparelho de tortura, enquanto essa outra era o cemitério clandestino. Temos então, segundo Perdigão, duas casas da morte.” O ex-policial civil Josmar Bueno, Joe, da equipe do delegado Fleury, “tinha um sítio que servia para enterrar corpos dos torturados pelo Dops, em São Paulo”. Joe é juiz de boxe e amigo do ex-boxeador Maguila. O terceiro cemitério fica em Minas Gerais. Sobre o quarto cemitério: “Ajudei a atirar corpos por um penhasco da Floresta da Tijuca. Nesse local foram jogados presos políticos apanhados no DOI-Codi da Barão de Mesquita, na Tijuca”.
Com a ajuda de dois funcionários da usina, Zé Crente e Vavá, os corpos de esquerdistas passaram a ser incinerados. “A Usina Cambahyba foi muito usada para este fim [destruir pessoas] nas décadas de 1970 e 1980. (...) Fui responsável por levar dez corpos de presos políticos para lá, todos mortos pela tortura no DOI e na Casa da Morte, em Petrópolis, além dos cadáveres provenientes do DOI da Barão de Mesquita e os que vinham de São Paulo. (...) Também lá na usina matei e desapareci com o corpo do tenente Odilon [Carlos de Souza].” Este foi morto como queima de arquivo.
No livro, Cláudio Guerra cita dez corpos, mas, ao visitar a usina com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay, advogado de José Dirceu e Demóstenes Torres) e o jornalista Marcelo Netto, na semana passada, lembrou-se de outro guerrilheiro incinerado, Armando Teixeira Frutuoso, no forno da usina de açúcar em Campos de Goytacazes. Ele listou todas as pessoas que levou para serem incineradas.
Os corpos de João Batista Rita e Joaquim Pires Cerveira (foram presos na Argentina, possivelmente pela Operação Condor), mortos na tortura pela equipe do delegado Sérgio Fleury, foram entregues a Cláudio Guerra no final de 1973. Em abril de 1974, o casal Ana Rosa Kucinski — irmã do jornalista e professor universitário Bernardo Kucinski — e Wilson Silva foi preso, torturado e morto pela equipe de Fleury. Cláudio Guerra e o sargento Levy pegaram os corpos na Rua Barão de Mesquita e levaram para a usina. “Os dois estavam completamente nus. A mulher apresentava muitas marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. O jovem não tinha as unhas da mão direita. Tudo levava a crer que tinham sido torturados. Não havia perfuração de bala neles”, relata o delegado.
A história sobre David Capistrano da Costa, de 61 anos, não difere do que é narrado no livro “Sem Vestígios — Revelações de um Agente Secreto da Ditadura Militar Brasileira” (Geração Editorial, 239 páginas), de Taís Morais, uma das mais bem informadas jornalistas sobre o que aconteceu nos porões da ditadura. O eleitor que escandalizar-se com o que mostra Cláudio Guerra vai ficar ainda mais impressionado com o que explicita Taís Morais. Elio Gaspari, em “A Ditadura Derrotada” (Companhia das Letras, 538 páginas), também relata o desaparecimento de Capistrano, que havia lutado na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa, e José Roman, na cidade de Uruguaiana. “Walter de Souza Ribeiro, David Capistrano e José Roman foram levados para a casa que o CIE mantinha em Petrópolis. Esquartejaram-nos”, diz Gaspari.
Taís Morais, baseada em “documentos” do agente do Exército Joaquim Artur Lopes de Souza, o Carioca, revela que Capistrano foi capturado pelo tigrada da Operação Bandeirantes (Oban). Carioca e outro agente levaram o preso para São Paulo e, de lá, para Petrópolis. À noite, esquartejaram o líder do PCB. O relato da jornalista: “Lentamente, [Carioca] levantou a cabeça em direção a algo pendurado em ganchos. A princípio não distinguiu bem o que era. Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capistrano pendiam do teto, e ele, reduzido a pedaços como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue”. Depois, “retiraram tudo e colocaram em sacos plásticos, que imediatamente levaram até o porta-malas de um carro de passeio recém-estacionado na porta do matadouro”. Em seguida, os militares que mataram e esquartejaram Capistrano comeram bifes fritos.
Carioca não menciona os nomes das pessoas que buscaram o corpo de Capistrano, mas sua história coaduna com a de Cláudio Guerra. O delegado levou os pedaços de Capistrano e João Massena Melo (Mello, em Gaspari) da Casa da Morte, em Petrópolis, para incinerar na usina de Campos de Goyatacazes. “Um deles [Massena] me marcou muito, porque lhe haviam arrancado a mão direita. Ela estava dentro do saco, perto do corpo, resultado de tortura impiedosa. O outro homem parecia ter sido mais torturado. Era David Capistrano. A Casa da Morte era para onde iam as pessoas mais importantes.”
Os corpos de José Roman, do PCB, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Eduardo Coleia Filho, ambos da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), e Luiz Ignácio Maranhão Filho, do PCB, foram incinerados na usina Cambahyba. O dono da usina, Heli Ribeiro, ex-vice-governador do Rio de Janeiro, recebeu benefícios fiscais e financeiros do governo federal. O que sugere que a turma do porão não agia isoladamente, sem apoio de cima. O coronel Perdigão, o doutor Nagib, chegou a mandar Cláudio Guerra sabotar as usinas dar região.
Na Casa da Morte, o cabo Félix Freire, apontado como o doutor Magno, “não só matava e serrava os mortos como punha um ácido para acabar com os corpos”, relata Cláudio Guerra. “Depois os enterrava, sem chances para a perícia conseguir identificá-los”. Freire contesta as informações do ex-sargento Marival Chaves, agora confirmadas pelo delegado do Dops. Mas, no livro, o próprio Cláudio Guerra não cita Freire. O nome é apontado pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.
Cláudio Guerra revela que, além dos cemitérios tradicionais nos quais militantes da esquerda eram enterrados como indigentes, havia pelo menos mais quatro cemitérios clandestinos. Um ficava em Petrópolis, onde havia outra casa. “A Casa da Morte era um aparelho de tortura, enquanto essa outra era o cemitério clandestino. Temos então, segundo Perdigão, duas casas da morte.” O ex-policial civil Josmar Bueno, Joe, da equipe do delegado Fleury, “tinha um sítio que servia para enterrar corpos dos torturados pelo Dops, em São Paulo”. Joe é juiz de boxe e amigo do ex-boxeador Maguila. O terceiro cemitério fica em Minas Gerais. Sobre o quarto cemitério: “Ajudei a atirar corpos por um penhasco da Floresta da Tijuca. Nesse local foram jogados presos políticos apanhados no DOI-Codi da Barão de Mesquita, na Tijuca”.
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