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terça-feira, 12 de abril de 2016

Chicago reconhece tortura policial e se torna primeira cidade dos EUA a indenizar vítimas

Isadora Ruyter-Harcourt / Flickr CC
Entre 1972 e 1991, mais de 110 pessoas, em sua maioria homens negros, foram torturadas pela polícia; além de reparação em dinheiro e acesso prioritário a serviços sociais, vítimas terão histórias incluídas no currículo escolar municipal.
13/06/2015
Araz Hachadourian,
Da Yes Magazine
Em 2005, Standish Willis, então advogado em Chicago (EUA), estava em casa, com o tornozelo quebrado. Ele estava trabalhando no caso de um homem que afirmava ter sido torturado pela polícia anos antes. No rádio, o então presidente George W. Bush argumentava que as ações militares norte-americanas na prisão de Abu Ghraib não constituíam tortura. Foi quando Willis teve uma ideia: "Nós poderíamos tornar este caso de tortura internacional, envergonhando os Estados Unidos".
No último dia 6 de maio, após décadas de lobby, intervenção internacional e organização de base, Chicago se tornou a primeira cidade norte-americana a oferecer reparações a vítimas de tortura policial. Entre 1972 e 1991, mais de 110 pessoas, em sua maioria homens negros, foram torturadas e forçadas a confessar crimes pelo tenente Jon Burge e seus subordinados na polícia.
Este marco ocorreu 21 anos após Burge ter sido exonerado de seu cargo por má-conduta.
"A cidade viveu tão confortavelmente com a tortura, por tanto tempo, que eu achei que pouca coisa pudesse mudar isso", disse John Conroy, ex-repórter que cobriu casos de tortura policial na cidade há 25 anos.
Conroy ouviu falar do movimento pelas indenizações em 2010, mas não achou que ele seria bem-sucedido. "Eu acho que podemos dizer com tranquilidade que milhões de pessoas nesta cidade sabem, há pelo menos 22 anos, que a polícia pratica tortura", disse ele. "Mas nunca houve uma atmosfera tão palpável de indignação".
A câmara municipal de Chicago aprovou unanimemente a liberação de 5,5 milhões de dólares [cerca de 17 milhões de reais] para vítimas de tortura policial, além de acesso prioritário a serviços sociais e psicológicos. O dinheiro será dividido igualmente entre as vítimas, com um teto de 100 mil dólares por pessoa.
De acordo com a revista Chicago Reporter, a cidade já gastou 64 milhões de dólares em acordos civis para casos de tortura que ocorreram durante o mandato de Burge. Mas a ordem judicial também inclui um pedido de desculpas oficial e reconhece a tortura dos residentes de Chicago como uma forma de violação da legislação internacional sobre direitos humanos.
Ela também exige a criação de um centro de atendimento a vítimas de tortura policial e suas famílias; um memorial público em homenagem às vítimas; atendimento psicológico; matrícula gratuita na faculdade municipal para as vítimas, seus filhos e seus netos; acesso prioritário a serviços de saúde e sociais; e a inclusão de Burge e dos incidentes de tortura no currículo do ensino médio nas escolas públicas de Chicago.
Burge foi afastado da polícia em 1991 e exonerado em 1993. O caso ganhou ainda mais repercussão em 2003, quando o governador George Ryan ofereceu indulto a todas as pessoas condenadas à pena de morte pelo sistema judicial do estado durante o mandato de Burge.
A cidade já pagou indenizações a alguns sobreviventes, mas Burge e os oficiais que trabalharam com ele continuam livres, a despeito dos esforços dos advogados das vítimas para que sejam processados como violadores de direitos humanos. De acordo com Willis, o promotor do estado, o assistente do promotor federal e o Departamento de Justiça foram contatados, mas não quiseram processar os policiais envolvidos.
“Eles não faziam nada. Eles simplesmente não fariam nada até que o caso atraísse atenção internacional", disse Willis.
Em 2008, quando Chicago se candidatou a sede dos Jogos Olímpicos de 2016, Willis convidou o ex-atleta olímpico John Carlos à cidade. Eles chamaram Chicago de "Capital Mundial da Tortura" e disseram que ela não merecia sediar os jogos.
Em 2006, Joey Mogul, advogado do Escritório Jurídico Popular, que ajudou a elaborar a ordem judicial e a defender as vítimas, apresentou o caso ao Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, em Genebra. A ONU ordenou que o governo americano investigasse melhor os casos de tortura.
Isto levou à prisão de Burge em 2008. Ele foi acusado de obstrução da justiça e perjúrio, mas foi condenado apenas por perjúrio (a prescrição dos casos evitou que fosse acusado de tortura) e passou quatro anos na cadeia. Hoje ele está aposentado na Flórida, onde ainda recebe pensão do Estado.
O decreto sobre as indenizações foi enviado à câmara municipal de Chicago em outubro de 2013. Uma audiência foi marcada meses depois, mas o evento foi cancelado em razão da "falta de vontade política", de acordo com Mogul.
Em 2014, o caso foi apresentado novamente ao Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, que se posicionou em favor da ordem. Organizações como Anistia Internacional, We Charge Genocide e o Projeto NIA, que trabalha com comunidades marginalizadas em Chicago, também apoiaram as indenizações. Elas ajudaram a organizar mobilizações no Twitter, intervenções em sessões da câmara municipal, campanhas por correio, petições e marchas para chamar a atenção para a causa.
Para Mogul, é importante que esses casos sejam reconhecidos como tortura e violação da legislação internacional de direitos humanos. "Foi reconhecido que a tortura ocorreu de fato na cidade, na nossa região sul, com vítimas negras, e isso tem um impacto profundo".
Isto é importante para uma cidade onde a violência policial ainda é uma realidade. No ano passado, um policial foi indiciado por enfiar sua arma na boca de um homem. Dois anos antes, Rekia Boyd, uma jovem negra de 22 anos, foi assassinada por um policial.
Marcia Chatelain é uma historiadora especializada em vida e cultura afro-americanas, e professora-assistente do departamento de História na Universidade de Georgetown, em Washington. Em 2014, após a polícia atirar em Michael Brown, jovem negro de 18 anos, e causar revolta popular em Ferguson, Missouri, Marcia criou a iniciativa #FergusonSyllabus para incentivar professores a falar sobre estes acontecimentos em sala de aula.
Chatelain diz que o ensino em escolas públicas sobre os casos de tortura policial, bem como sobre as reparações conquistadas por sobreviventes, ativistas e advogados, é um enorme passo. Mas o sucesso depende de os professores concordarem com seus objetivos e contextualizarem a violência policial e o medo em suas comunidades.
"Para muitos jovens de Chicago que convivem com este tipo de violência, é importante vê-la reconhecida em seu currículo escolar", diz Chatelain. "Isso conecta um momento muito específico da história às consequências nas quais eles estão vivendo, representando uma abordagem abrangente da justiça restaurativa".
Tradução: Henrique Mendes, para o OperaMundi

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