Falta de participação popular na segurança pública ajuda a entender a violência policial, aponta Ipea (PESQUISA)
05 Ago 2015 | Atualizado 05 Ago 2015
- Thiago de Araújo Repórter de Política, Brasil Post
Grizar Junior/Sigmapress/Estadão Conteúdo
Doze anos de atraso ajudam a explicar a violência policial e a falta de sintonia entre agentes de segurança e a sociedade no Brasil, segundo mostra o relatório Boletim de Análise Político-Institucional, divulgado nesta quarta-feira (5) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O relatório aborda temas relativos à economia e políticas públicas e está na sua sétima edição.
No que diz respeito à segurança pública brasileira, dois artigos foram produzidos. O primeiro, que trata das instituições e a sua atuação no setor, afirma que há um esforço “à participação a partir da implantação dos modelos de ‘polícia comunitária’”, mas ressalta que, com base no levantamento em quatro capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília –, há uma distância entre o discurso e a realidade.
“Essa visão organizacional do trabalho policial, que também podem ser observada em outros países da América Latina, está associada ao movimento de reforma policial e ao fomento de políticas de participação que buscam promover apoio à cidadania e aumentar a legitimidade das instituições encarregadas do controle e da prevenção à criminalidade. A maior atenção à ‘comunidade’ torna-se central neste movimento que busca substituir os pilares das políticas públicas de segurança, na tentativa de construir uma nova relação entre polícia e sociedade civil por meio de uma maior participação social nas estratégias de segurança”.
O conceito de ‘polícia comunitária’, mais próxima da população e com um viés mais focado no respeito aos direitos humanos, é visto por especialistas como fundamental para propiciar não só mais confiança nas polícias Civil e Militar – ambas com alto grau de desconfiança popular –, mas também um combate mais efetivo à criminalidade no País.
Neste aspecto, há um espaço de 12 anos entre a Constituição Federal de 1988 e o início dos anos 2000, quando a participação popular ganhou mais espaço na segurança pública. De acordo com o estudo do Ipea, o problema passa pelo fato de que a ‘Carta Magna’ nacional não ter “o direito à segurança como um dos temas que devesse ocorrer o estabelecimento de conselhos ou instâncias participativas”, o que foi corrigido posteriormente.
“A exclusão da segurança pública do rol de temas sobre os quais a população deveria ser consultada relaciona-se ao histórico distanciamento da matéria em relação aos cidadãos, fundado na percepção de que a segurança pública seria muito mais uma faculdade do Estado do que um direito. A ideologia militar, que tratava a segurança como algo secreto e restrito às forças armadas e polícias militares, levou ao 'insulamento das instituições policiais' e à consequente colaboração tardia com a população”.
Nesta semana, a Anistia Internacional apresentou um relatório preocupante sobre a violência policial no Estado do Rio de Janeiro, com uma média de duas mortes por dia – dado semelhante ao relacionado à PM de São Paulo, tanto em 2014 quanto nos primeiros quatro meses deste ano. A alta letalidade do presente, mesmo com o advento dos Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs), permanece. Não por acaso.
De acordo com a publicação do Ipea, os conselhos que deveriam representar o poder popular muitas vezes viram espaço dos ‘cidadãos de bem’ (merecedores de direitos) contra os ‘vagabundos’ (moradores de rua, usuários de drogas e jovens pobres). Tal condição proporciona a expansão de preconceitos, os quais ajudam a pautar a conduta policial no Brasil.
“Nas reuniões de Consegs (...), foi recorrente presenciar falas de cidadãos que demandavam e estimulavam ações truculentas por parte da polícia, fosse referente à eliminação dos moradores de rua e usuários de drogas, ou nos mecanismos de controle da criminalidade. Neste sentido, o usuário de drogas, o morador de rua, o ‘favelado’ ou o jovem que frequenta os bailes funk simbolizam o criminoso, o vagabundo, e são frequentemente associados a espaços que não os mesmos do cidadão de bem, de onde deveriam ser ‘retirados’ pela ação policial.Falas que reforçam preconceitos, antagonismos e apoio a mecanismos de contenção da criminalidade pautados por ações mais truculentas por parte das polícias aparecem com frequência nos Consegs, sendo utilizados inclusive como mecanismo de legitimação das práticas policiais. Verifica-se, portanto, uma participação muitas vezes controlada ou tutelada, que pode ser cooptada e instrumentalizada em favor da própria instituição que busca legitimidade”.
Apesar dos problemas, os pesquisadores concluem que a participação popular é relevante na busca por “mudanças, reformulações e adaptações organizacionais” no setor de segurança pública, indo ao encontro ao policiamento comunitário. “É de se esperar que a participação cidadã e local dê origem a ações mais democráticas no que se refere ao acesso aos bens e serviços públicos”, completa.
No âmbito da visão policial sobre o tema, há um distanciamento entre o discurso de “defesa dos interesses da população” e “um descompasso com o discurso institucional e sem perspectivas de mudanças”, o que leva os policiais a se sentirem pressionados a fazer um trabalho de maior impacto - abrindo espaço para excessos. De acordo com o estudo do Ipea, há ainda um espaço a ser preenchido para “instituir uma nova forma de atuação policial”.
Programa policiais seguirão causando ‘insegurança’
Campeões de audiência na televisão brasileira, os programa policiais seguirão tendo amplo espaço no noticiário brasileiro, “com impacto na alta sensação de insegurança”. Este é um dado do segundo estudo divulgado pelo Ipea nesta quarta-feira na área de segurança pública. Voltado para um caráter mais estratégico, o levantamento esboça um cenário futuro para o setor no País.
Com base em tendências estatísticas, os pesquisadores acreditam que o perfil demográfico brasileiro no âmbito da criminalidade seguirá envolvendo homens, jovens (entre 15 e 29 anos), com ênfase na violência longe das capitais brasileiras (mais preponderante no interior e nas regiões metropolitanas, como atualmente).
Positivamente, o Ipea apresenta uma perspectiva de inovação e mudanças, tanto na atuação policial quanto nos arranjos institucionais na área de segurança pública. Isso não impedirá, porém, que a tendência de endurecimento penal, com medidas como a redução da maioridade penal, seguindo com o apreço da população.
Na conclusão da pesquisa, são possíveis quatro cenários pelos próximos dez anos, desde um mais extremo, de violência endêmica (criminalidade violência, alta insegurança e falta de articulação política), passando pela prevenção social (menor violência, maior articulação entre gestores e as polícias), pela repressão qualificada (sensação de segurança maior e polícia comunitária) e chegando a um caráter mais repressivo (polícias longe da população, com mais insegurança e níveis piores de criminalidade).
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