Carta Potiguar
Uma alternativa crítica
O discurso do “bandido bom é bandido morto” também vitima policiais
A prisão de cinco policiais militares ocorrida na última sexa-feira (11) em São Paulo suspeitos de executar um acusado de roubo, após serem flagrados em vídeo efetuando disparo no suspeito já rendido e deitado no chão é um sintoma de uma realidade que abarca todo o país. Por trás de ações como essa está o discurso de que “bandido bom é bandido morto”, amplamente difundido e aceito por parte considerável da população que legitima ações como essa. Já que o sistema penitenciário beira ao caos e o sistema judicial é ineficiente em investigar, prender e punir os criminosos, fazendo com que os policiais, que enfrentam o problema na linha de frente, comprem facilmente esse discurso.
O que poucos atentam é a consequência desse procedimento para os próprios policiais, que no Brasil amargam uma das piores taxas de mortalidade no mundo, além das inúmeras vitimas de balas perdidas, ou mortas decorrentes de confronto entre policiais e criminosos, que engrossam as estatísticas de mortes por arma de fogo no país, também uma das maiores do mundo.
Pensem comigo, o que acontece com um bandido armado quando tem a certeza de que será executado se for pego pela polícia? Ora, vai pegar o primeiro inocente que encontrar e fazer de refém para assegurar sua vida. Por isso, casos como o do sujeito morto na Catedral da Sé, em São Paulo, ao tentar salvar a vida de uma refém, além do emblemático caso do sequestro do ônibus 174 no Rio, são tão comuns no país.
O brasileiro Marcos do Val, membro da SWAT e especialista em segurança, ao comentar o bordão amplamente difundido de que “bandido bom é bandido morto”, em vídeo publicado em uma rede social, nos lembra da consequência desse modo de pensar para os próprios policiais, demonstrando que nos EUA, onde atua, os casos que envolvem reféns são geralmente crimes passionais, ou terrorismo. Enquanto no Brasil qualquer bandido de mercadinho de esquina, pelo medo de ser executado, pega o primeiro refém que encontrar no caminho para assegurar sua vida durante a fuga, o que nem sempre acaba bem, para o bandido, o refém e eventualmente o próprio policial, que enfrentará um bandido que sabe que vai morrer se for pego, não tendo nada a perder. Além disso, afirma ainda Marcos, que os policiais que são punidos pela corregedoria por participarem de grupos de extermínio, ou execuções, acabam expulsos da corporação e entrando para o mundo do crime.
No primeiro semestre desse ano, de acordo com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Alexandre Moraes, foram mortos 11 policiais em serviço, um aumento de 22% em relação ao primeiro semestre de 2014, quando morreram 9 policiais. Já as mortes provocadas por policiais aumentaram aproximadamente 10% no Estado, atingindo o maior índice registrado desde 2004 para o primeiro semestre. De acordo ainda com o secretário, “o criminoso está recebendo a polícia a tiros agora”, o que mostra que o aumento da letalidade policial está associada ao elevado número de mortes de policiais no Brasil.
Há um problema no país no que concerne às estatísticas tanto de policiais mortos quanto de pessoas mortas em decorrência da ação policial, já que os dados nem sempre são repassados pelas secretarias de segurança dos respectivos estados da federação. No entanto, instituições como a Anistia Internacional, entre outras, se dedicam a catalogar esses dados.
O último ano com estatísticas consolidadas e respaldadas por diversas fontes foi 2013, onde foi contabilizado 490 mortes de policiais por homicídio. Em um cálculo rápido, essas quase 500 mortes de policiais em uma população de aproximadamente 200 milhões corresponde a um índice de 0,25 policiais mortos a cada 100 mil habitantes. Enquanto nos EUA, no mesmo período, morreram 32 policiais vítimas de homicídio, em um população de aproximadamente 315 milhões, ou seja, 0,01 mortes de policiais a cada 100 mil habitantes. O índice no país é 25 vezes maior, o que faz com que a taxa de mortalidade de policiais no Brasil seja uma das maiores do mundo.
Portanto, aquele que defende que “bandido bom é bandido morto” tem que lidar com a consciência não apenas do sangue do bandido, mas dos reféns, vítimas de balas perdidas, além do sangue dos próprios policiais.
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