Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Internacional

 

A tortura no mundo: A eficácia dos direitos humanos posta em xeque

Ramon Aranha da Cruz, Felix Araújo Neto
 
 
Resumo: Tendo em vista os recentes acontecimentos mundiais que demonstram o flagrante desrespeito de algumas nações no tocante aos direitos humanos, o presente estudo visa chamar a atenção para esta problemática e promover a conscientização por meio de informações relevantes acerca deste assunto e também através da análise de dados oficiais relativos a casos de tortura ao redor do mundo e das medidas que estão sendo tomadas no que se refere à defesa deste direito inerente a todo ser humano.
Palavras chave: Tortura. Direitos Humanos. ONU. Tratados Internacionais.
Abstract: In view of recent world events that demonstrate an outrageous disregard of some nations regarding human rights, this study calls attention to the issue and raise awareness through relevant information to this subject and also through the analysis of officials data about cases of torture around the world and the measures being taken with regard to the defense of this inherent right of every human being.
Keywords: Torture. Human Rights. UN. International Agreement.
Sumário: 1. Reflexões Introdutórias; 2. História da Tortura; 3. O Brasil e a Tortura; 4. A Atuação da ONU e das ONG’s na Defesa dos Direitos Humanos; 5.A Efetividade das Normas de Direitos Humanos; 6. Conclusão; 7. Referências.
Interessa saber por que existe a tortura, ou melhor: por que existe quem se preste a torturar um semelhante? A resposta parece singela: a tortura existe porque a sociedade, implícita ou explicitamente, a admite. (...) não conhecemos nenhuma espécie animal capaz de instrumentalizar o corpo de um indivíduo da mesma espécie, e de gozar com isso, tanto quanto a espécie humana.” Maria Rita Kehl
1 – Reflexões Introdutórias
A violência sempre esteve presente na vida dos homens. A história da grande maioria dos países foi construída através de batalhas sangrentas, guerras civis, disputas bélicas, dentre outros atos que representam como a humanidade se utiliza de meios violentos para obter aquilo que deseja. Mas, nenhum destes meios violentos é mais controverso que a tortura. Seja pela constante mudança em seu status jurídico, lícita ou não, ou por sua “eficácia” contestável, a prática da tortura sempre foi bastante discutida.
Hoje, mesmo após todos os esforços da comunidade internacional em abolir de uma vez por todas essa prática nefasta, alguns países insistem em utilizar-se da tortura em nome da “segurança nacional” e de outros motivos, maculando os ditames dos Direitos Humanos e fazendo com que surjam novamente debates acalorados sobre o assunto.
Para melhor avaliar a questão e entender as controvérsias acerca do tema, faz-se necessário conhecer a história da prática de tortura ao redor do mundo através dos séculos para depois se refletir em um panorama mais abrangente sobre as constantes violações dos direitos humanos.
2 - A História da Tortura
Apesar de seu uso nas tribos bárbaras, foram os gregos quem primeiro utilizaram a tortura como prova ou punição pelo cometimento de delitos, passando esta a ter certa relevância jurídico-penal, sendo aceita por todos como meio legítimo de se penalizar o indivíduo. Desta forma, a história da tortura se divide, basicamente, pela forma como ela era aceita e concebida pelas pessoas e por sua licitude.
2.1 – A tortura como prática lícita e aceita pela sociedade
Conforme os registros históricos, os gregos foram os primeiros a utilizar sistematicamente a tortura na instrução criminal, ou seja, no “conjunto de atos praticados com o fim de ofertar elementos ao juiz para julgar" (CAPEZ, 2008, p. 451). Na época definida como “um tormento que se aplicava ao corpo, com o fim de averiguar a verdade” ou simplesmente um “meio seguro de obter evidência”, a tortura, inicialmente reservada aos escravos e estrangeiros, era utilizada sempre que não se conseguia encontrar provas da autoria do crime ou simplesmente se quisesse obter uma rápida resolução do caso (BIAZEVIC, 2004, p. 04).
Os romanos, como absolveram grande parte dos costumes gregos, passaram a utilizar a tortura nas mesmas circunstâncias do povo que os precedeu. Entretanto, com o avanço do Direito na sociedade romana, existiu a necessidade de se regular a prática dos métodos de tortura, o que culminou com o surgimento dos códigos Teodosiano e Justiniano.Nasciam assim as primeiras legislações escritas do mundo com previsão legal acerca da licitude da tortura e do seu uso como forma de obtenção de prova.
Com a queda de Roma e a ascensão da Igreja Católica, inicia-se o período em que a tortura foi mais amplamente divulgada e utilizada no mundo.
Através do crescente domínio da Igreja, a religião começa a influenciar todos os aspectos da vida dos povos. Acreditando que Deus interferia diretamente nos casos trazidos aos tribunais, surgem os famosos “Juízos de Deus”, ou ordálios, que consistiam basicamente em um teste aos acusados, onde, se os mesmos saíssem vitoriosos, teriam os mesmos sido absolvidos por Deus, caso contrário, eram culpados e deveriam ser condenados. Os métodos variavam, mas, um dos mais conhecidos, conforme Mirabete (2007), seria aquele em que o acusado deveria ser colocado dentro de um saco com uma cobra, um cachorro faminto e, em seguida, lançado ao mar, caso sobrevivesse, o mesmo deveria ser absolvido.
Quanto mais ganhava força, mais a igreja buscava desencorajar a prática dos ordálios e das torturas nos processos criminais, reservando para si o uso exclusivo de tais atos. Assim, com o aumento de cultos considerados heréticos e pagãos, a Igreja decide criar um tribunal cristão, o Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), destinado a caçar e punir aqueles que desrespeitavam as regras católicas. E, para isso, utilizava-se das mais diversas práticas, principalmente de tortura, para obter as confissões desejadas. Agora, além de seu valor probatório, a confissão era vista pela igreja como uma forma de se obter o arrependimento pelo delito praticado, motivo pelo qual ficou conhecida na época como “Rainha das Provas”.
O uso recorrente de tortura fez com que o inquisidor Nicolau Eymerich, em 1376, escrevesse o Directorium Inquisitorum(Manual dos Inquisidores), onde estariam descritas as situações em que os inquisidores deveriam submeter alguém à tortura e inclusive quando parar. Dizia o texto:
O réu indiciado que não confessar durante o interrogatório, ou que não confessar, apesar da evidência dos fatos e de depoimentos idôneos; a pessoa sobre a qual não pesarem indícios suficientemente claros para que se possa exigir a abjuração, mas que vacila nas respostas, deve ir para a tortura [...].
Finalmente, quando se pode dizer que alguém foi "suficientemente torturado"? Quando parecer aos juízes e especialistas que o réu passou, sem confessar, por torturas de uma gravidade comparável à gravidade dos indícios. Entenderão, portanto, que expiou suficientemente os indícios através da tortura...” (EYMERICH, 1376, traduzido por BOBBIO, 1993).
A Inquisição, comenta Daniza Biazevic (2004), tinha a aceitação que a política tem hoje, pois despertava amores e ódios da população, entretanto, era considerada legítima e necessária.
A postura da igreja só começou a mudar após a difusão dos pensamentos de Santo Agostinho, que iniciou a idéia de que as penas deveriam ter um caráter de ressocialização e que a prática de tortura durante os procedimentos era uma violação a santidade do corpo.
Assim, com o impulso inicial dado por um membro da igreja e com o crescimento do movimento iluminista, os pensadores da época começam a contestar fortemente o uso da tortura durante o processo e na condenação dos presos.
2.2. A tortura como prática ilegal e desumana
Foi o italiano Cesare Beccaria quem deu um grande passo na luta pelos Direitos Humanos e pela abolição da tortura. Em seu livro, Dos Delitos e das Penas, o jurista traduz, de forma clara e simples, o resultado do uso de tortura como meio de obtenção de prova: "entre dois homens, igualmente inocentes ou igualmente culpados, o mais robusto e corajoso será absolvido; o mais débil, contudo, será condenado" (BECCARIA, 2000, p.39).
Com seus argumentos, Beccaria conseguiu que se estabelecesse no mundo jurídico a idéia de “presunção de inocência”, impedindo que se infligissem martírios àqueles ainda não considerados culpados. Hoje, a presunção da inocência figura como um princípio fundamental em nossa Constituição Federal (artigo 5º, inciso LVII) e na grande maioria dos ordenamentos jurídicos de outros países.
Assim, a abolição da tortura foi algo inevitável na Europa. Legalmente falando. Hoje, esta prática continua a ser utilizada por todo o mundo de forma clandestina ou permitida em circunstâncias específicas. Mais uma vez, o homem se utiliza de métodos não razoáveis para atingir os seus objetivos.
2.3. Hoje: a tortura clandestina
A tortura é hoje uma conduta considerada crime em quase todos os países instituídos sob o regime do estado democrático de direito, certo? Teoricamente. De acordo com os mais recentes dados, os países ocidentais, principalmente os Estados Unidos da América, têm se utilizado da tortura como forma de se obter informações ilegais.
Apesar da existência de acordos e tratados internacionais (tratados estes que serão discutidos mais adiante), os países insistem em violar, sistematicamente, as regras mundiais de Direitos Humanos. E o que mais assusta é que estas violações estão sendo legitimadas pelos governos e pelo povo.
Após os ataques terroristas de 11 de setembro, os EUA se lançaram em uma guerra contra o terror onde as regras de Direitos Humanos, aparentemente, não devem ser respeitadas.
Em 2008, o então presidente George W. Bush vetou uma lei aprovada pelo Congresso americano que impedia os agentes da CIA (Agência Central de Inteligência) de utilizar técnicas de tortura em seus interrogatórios. Disse o presidente americano em uma entrevista na rádio quando questionado pelo motivo de tal ato[1]: "(a lei) tiraria uma das mais valiosas ferramentas na guerra contra o terror. Essa não é a hora para o Congresso abandonar práticas que se provaram eficientes na tarefa de manter a América segura”. Para ele, portanto a tortura é uma forma eficaz de proteger o seu país de ataques, e, por conseguinte, deve ser permitida.
Após os escândalos que revelaram as horrendas práticas de tortura utilizadas pelos soldados e agentes americanos nas prisões de Guantânamo (Cuba) e Abu Ghrab (Iraque), os defensores dos Direitos Humanos do mundo todo foram surpreendidos pelas declarações de dois dos maiores juristas americanos da atualidade: o professor de Harvard e ativista dos direitos civis Alan Dershowitz e o ministro da Suprema Corte Americana, Antonin Scalia.
Em uma entrevista à CNN[2], Dershowitz afirmou que concordava com a tortura em casos emergenciais de terrorismo (ticking-bomb terrorist cases), onde se poderia salvar muitas vidas com o uso de tortura para obter informações dos presos. Na mesma entrevista, afirmou que esta tortura deveria ser administrada por alguém do Governo, e que a mesma deveria ser feita de forma aberta, com uso, inclusive, de um Mandado de Tortura (Torture Warrant). Ao que nos parece, o ativista crê que cabe aos governantes e juízes decidir a quem se deve conceder as garantias fundamentais do homem e em que hipóteses elas devem ser suprimidas.
Já o ministro da Suprema Corte Americana, com suas declarações, concedeu ao Governo Americano a prerrogativa perfeita para continuar torturando os presos em outros países. A um repórter da BBC[3], Scalia afirmou que a Constituição Americana não dava direito aos não-americanos que não se encontrassem em seu solo. Mesmo que em prisões americanas localizadas em outros países. Continuando a entrevista, o ministro afirmou que a “assim chamada tortura”, ou seja, esbofetear um preso com o intuito de se obter informações, deveria ser permitida se o mesmo pudesse saber algo valioso em investigações e casos de resgate. Apesar das proibições constantes na 8ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos acerca do uso de tortura e de tratamentos cruéis, um ministro da Corte Superior Americana, que deveria velar pelo fiel cumprimento dos princípios constitucionais, declarou abertamente que não se oporia a tortura em determinados casos.
Após essas declarações, foram feitas algumas investigações e jornais descobriram que os Estados Unidos estavam enviando presos para a Europa e de lá encaminhavam clandestinamente para prisões secretas, onde os mesmos seriam torturados e mantidos cativos indeterminadamente, submetidos à vontade dos agentes americanos, fato esse que mostra a participação e anuência de vários países europeus com as práticas americanas e a sua forma de burlar as regras internacionais de direitos humanos.
O que mais choca os defensores dos direitos humanos é que a população parece aceitar e achar normal essas atitudes dos governos. A rede de comunicações britânica BBC[4] fez uma pesquisa em 25 países e concluiu que quase um terço da população mundial considera aceitável o uso de tortura em casos de combate ao terrorismo. Nos EUA, 36% da população entende como aceitável a prática de tortura. É, novamente, a população legitimando práticas injustas e ilegais como forma de solução para os conflitos.
3 – O Brasil e a Tortura
O nosso país também não está de fora. Fatos passados e atuais comprovam que a tortura esteve sempre presente na nossa história, a exemplo do período de Ditadura Militar. Revestida no manto da legalidade, os militares utilizavam a tortura na busca por informações privilegiadas para que fossem encontrados os seus opositores políticos. Daniza Biazevic (2004) afirmou que durante o período da Ditadura, foram instalados no Brasil mais de duzentos e quarenta centros secretos de detenção, centros estes utilizados na prisão e tortura dos presos.
Como lembrado por Sheila Bierrenbach (2006), a lei de tortura (lei n.º 9.455/97) só veio a ser criada após a divulgação em nível nacional de abusos cometidos por policiais militares do estado de São Paulo, que, com seus métodos de tortura, causaram a morte de um pacifico trabalhador. Através da pressão feita pela mídia, o projeto de lei foi aprovado e, em 1997, a lei de tortura foi aprovada.
Denúncias de torturas em nossos presídios surgem até hoje na maioria dos relatórios de fiscalização e vistoria dos presídios brasileiros, ao exemplo da vistoria realizada pelo Ministério Público Federal no estado da Paraíba[5] em maio de 2009. Seguem partes do relatório que contêm denúncias da prática de tortura nos presos:
“... Em seguida, houve conversa com os presos que estavam fora das celas, que se queixaram de maus-tratos e tortura...
...Houve pedidos constantes de visita ao “isolado” (isolamento) local, segundo afirmavam os presos que se aglomeravam em torno dos conselheiros, “estaria a tortura”.
... como também havia pessoas... com machucaduras e queimaduras, inclusive no rosto, que alegaram ser resultado da tortura...” (Relatório do Ministério Público Federal/PB, 2009).
Apesar de não terem sido confirmadas, a grande maioria dos casos deixa de ser investigados e, por isso, fica difícil constatar o real número de casos de tortura nos presídios do país.
Os motivos ninguém poderá precisar, mas, ao que parece, grande parte dos brasileiros também consideram a tortura uma prática aceitável em alguns casos. Segundo pesquisa feita pela agência Nova S/B em parceria com o Ibope[6], um em cada quatro brasileiros é a favor da tortura. E esse índice é maior entre as pessoas que detêm um curso superior, chegando a 40%. Para os entrevistados, a tortura é aceita nos casos em que o combate ao crime venha a ser beneficiado. Novamente, os Direitos Humanos são diretamente atacados por aqueles que mais deveriam defendê-los. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous foi questionado sobre os dados da pesquisa, e o mesmo respondeu com uma frase extremamente pertinente. Ele disse: “faltou ser perguntado entre aqueles que apóiam a tortura se a defenderiam se o torturado fosse um parente ou um amigo.” Só assim as pessoas parecem entender a gravidade desta prática.
Essa aceitação nacional pela tortura foi demonstrada recentemente quando o filme Tropa de Elite, lançado em 2007 no Brasil e campeão do Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim em 2008, foi recorde de bilheteria no país, inclusive tendo ganhado uma continuação que será recentemente finalizada. O filme demonstra a prática de tortura por parte de policiais do Rio de Janeiro em acusados de diversos crimes. No ápice da história o policial André, um dos protagonistas do filme, vinga o seu amigo morto assassinando o criminoso que matou seu companheiro. Vale lembrar que a nossa Constituição Federal veda terminantemente a pena de morte, salvo em caso de guerra, conforme seu art. 5º, XLVII, “a”.
Apesar de ser signatário da grande maioria dos tratados internacionais contra a prática de tortura, da expressa vedação constitucional a tratamentos desumanos e degradantes (art. 5º, III, CF) e da Lei de Tortura (lei nº. 9.455/97), o Brasil ainda registra vários casos em seu território. A ONU, em 2007, apresentou um relatório durante o Encontro Anual do Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura, na Suíça, onde afirmava que, aqui no Brasil, a tortura é “sistemática nas cadeias, delegacias e presídios brasileiros”. Esta conclusão foi tirada após a visita de dois peritos deste órgão que fizeram uma vistoria em diversos presídios brasileiros e concluíram pela prática recorrente de tortura nestes estabelecimentos. Elencaram, como principal fator desta prática, a “falta de punição dos agentes” bem como “a exigência da sociedade e dos políticos em punir com a maior pena possível os criminosos”.
O Governo Federal, através de sua Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) e de uma comissão especificamente voltada para esse fim, elaborou um estudo para estabelecer a melhor forma de agir e implementar técnicas de combate à tortura no país. De forma clara e precisa, este estudo, o Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil[7], revela os fatores que levam ao uso recorrente da tortura, bem como enumera ações que devem ser tomadas pelos governos Federal, estaduais e municipais no combate a esta prática. Entretanto, apesar de corretos, as medidas apresentadas não são eivadas de um cunho prático, sendo as ações propostas muitas vezes impossíveis de ser realizadas pelos estados mais pobres, uma vez que as medidas não levaram em conta as disparidades entre as regiões brasileiras. Porém, a confecção de tal Plano nos mostra a preocupação de Órgãos do Governo, e as ações apresentadas devem ser acatadas e tomadas como metas de longo prazo, servindo como balizas para as medidas posteriores.
4 – A Efetividade das Normas de Direitos Humanos
Os Direitos Humanos, conforme Chimenti (2006, p. 46), pode ser entendido como “prerrogativas inerentes à dignidade da espécie humana e que são reconhecidas na ordem constitucional”. Ou seja, são direitos que nascem em virtude da própria existência, embora possam ser diferentes de acordo com a época e o contexto histórico de cada pessoa. Para melhor entendermos essa questão da mutabilidade dos direitos humanos no que diz respeito a sua época, é só observarmos a escravidão no decorrer dos anos. Na Grécia Antiga, por exemplo, os escravos não eram sequer tratados como pessoas, mas sim coisas, e por isso, não detinham direitos, só deveres. Já nos períodos coloniais, os escravos eram vistos como seres humanos inferiores, indignos de serem tratados como iguais pelos homens brancos, e, por conseqüência, desmerecedores da mesma proteção legal que gozavam os seus senhores. Hoje, a escravidão é completamente abominada por praticamente todas as civilizações do mundo por entendermos que todos são iguais, independente de raça, cor, sexo, religião, etc., devendo, a todos, serem estendidos os direitos humanos elencados em nossa Constituição Federal.
Mesmo com toda a sua evolução, que se iniciou com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e culminou com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, marco da conscientização mundial acerca dos direitos fundamentais do homem, os direitos humanos sofrem hoje sucessivos ataques no mundo inteiro, e, apesar de ser juridicamente reconhecido, a sua efetividade como norma se torna o maior obstáculo para a sua efetivação. A grande preocupação é que grande parte destes ataques ocorre por causa da atuação do próprio Governo e não de indivíduos isolados. Neste caso, surgem questões importantes quanto às sanções impostas a esse País, que muitas vezes se tornam inofensivas devido à importância política e econômica do Estado, e, portanto, perdem a sua finalidade.
A ONU, como já no referimos, é hoje a maior protetora desses direitos. Através da propositura de diversos tratados internacionais, o Órgão estabeleceu parâmetros a serem seguidos pelos Estados bem como instrumentos de coibição de atentados aos Direitos Humanos, entretanto, estes carecem de efetividade. Embora exista a ratificação dos tratados, a maioria dos países efetivam as normas em seu direito interno, seja implementando-as em seu texto constitucional ou dentro de seu Ordenamento Jurídico como um todo, mas, para que elas venham a ter a eficácia desejada por todos, devem as mesmas ser aplicadas, o que costumeiramente não ocorre. Além disso, como já ressaltamos, a grande preocupação nos dias de hoje gira em torno das violações cometidas pelos próprios Estados.
Mesmo com os discursos cada vez mais a favor dos Direitos Humanos, as ações dos Países visam muito mais a defesa de seus interesses econômicos e políticos, ficando assim a população à mercê de ataques aos seus direitos fundamentais. Um fato como esse aconteceu recentemente nos Estados Unidos com a promulgação da lei conhecida como Patriotic Act demonstra a fragilidade que se encontram as pessoas sujeitas a atitudes governamentais sem nenhum comprometimento com o resguardo dos direitos fundamentaisLiteralmente, Patriotic Act significa "lei patriótica", mas é também a abreviação de "Provide Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism" (prover ferramentas necessárias para interceptar e obstruir atos de terrorismo). Esta lei garante aos agentes das polícias americanas a possibilidade de rastrear emails, grampear ligações telefônicas, vigiar o uso da internet, dentre outras coisas, sem a necessidade de uma ordem judicial! Ora, se estão suprimidas as garantias fundamentais de cada cidadão com a promulgação de uma simples lei, não podemos mais falar em um Estado Democrático de Direito. E, diante de tal situação, nada pode ser feito pela comunidade internacional para que tal lei seja revogada, pois estariam os mesmos interferindo na soberania de cada País, restando ao cidadão a incerteza da garantia de seus direitos. Garantia esta que Dalmo de Abreu Dallari (1991) afirma ser uma das características fundamentais da própria Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim disse:
“O exame dos artigos da Declaração revela que ela consagrou três objetivos fundamentais: a certeza dos direitos, exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos, ou sofrer imposições; a segurança dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a garantir que em qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em condições subumanas.”
É exatamente esta falta de efetividade que levam as pessoas a desacreditar da força e importância dos Direitos Humanos, e, se a situação não mudar, pode ser que nunca possamos nos sentir seguros do provimento das garantias mais básicas do ser humano pelos Governos do mundo todo.
Desta forma, se faz necessária a atuação de organismos internacionais, e, conforme Helena de Araújo (2009), “diante de tal situação é imprescindível que a soberania Estatal, quando se fala em direitos humanos, seja vista de maneira relativa e que haja interferência de uma ordem internacional de proteção”.
Assim, trataremos um pouco dos órgãos que hoje compõem a linha de frente no combate às violações aos direitos humanos.
5 – A Atuação da ONU e das ONG’s na Defesa dos Direitos Humanos
A ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada em 1948, logo após o fim da segunda guerra mundial, batalha esta que só causou destruição e mortes ao redor do mundo. Com atribuições as mais diversas, a ONU atua hoje de forma bastante incisiva nos embates internacionais e no estabelecimento de diretrizes a serem seguidas pelos países pelos quais é formada. A seguir, uma pequena explanação acerca dos principais documentos propostos pela ONU voltados para a proteção dos Direitos Humanos.
No mesmo ano de sua criação, foi aprovada na Assembléia-Geral da ONU a Declaração Universal dos Direitos do Homem[8] que se constituiu como pontapé inicial desta Organização recém criada na busca por um mundo mais justo e protetor dos direitos humanos. É importante lembrar que a sua proposição se deu em um momento histórico bastante difícil, onde todo o planeta se encontrava abismado com todas as atrocidades cometidas durante a segunda guerra mundial. Diz o preâmbulo da Declaração: “Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.
O surgimento desta declaração deu início a uma conscientização mundial da necessidade de se proteger os direitos humanos e a ONU deu início a suas atividades tomando pra si a responsabilidade de alertar e estabelecer regras a serem cumpridas por todos. Hoje, apesar de não ter sido assinada por todos como um tratado, afinal, se trata de uma declaração, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é vista hoje como um princípio geral norteador da conduta dos Estados-Membros.
Em 1966 foram assinados dois pactos que também visavam, de certa forma, a proteção dos direitos humanos. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que visa garantir os direitos individuais perante o Estado, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, que estabelece o resguardo das condições dignas de vida em sociedade.
Os outros tratados, apesar de vedarem a prática da tortura, não haviam ainda sido regulados alguns aspectos práticos em relação ao assunto, então, em 1984 a ONU deu seu passo mais incisivo na luta contra esta prática.
Em 10 de Dezembro de 1984, a Assembléia Geral da ONU promulgou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, que, dentre outras coisas, estabeleceu o conceito da Tortura e a criação de um Comitê contra a Tortura, que visa à fiscalização dos países signatários.
Podemos ver, desta forma, que o empenho dos Órgãos Internacionais existe, a exemplo da formulação dos documentos acima versados, entretanto, surge o problema da aplicação de seus ditames e da imposição de medidas coercitivas aos países violadores destas regras já tratadas anteriormente.
Como sabido, o Direito Internacional Público goza hoje de um descrédito na comunidade internacional por sua limitada eficácia em relação às sanções aplicadas aos descumpridores das normas estabelecidas. Este fato pode ser comprovado recentemente pela invasão americana no Iraque mesmo diante da discordância do Conselho de Segurança da ONU. É bem verdade que se trata de um ramo jurídico relativamente novo e em constante evolução, mas a sua falta de efetividade impede a boa aplicação dos preceitos acordados pelos Estados.
Mas, não é por este motivo que devemos nos desanimar. A ONU vem mostrando constantemente a sua preocupação na elaboração de formas de defesa dos Direitos Humanos, que é uma área jurídica bastante atacada nos dias de hoje, apesar de sua grande importância.
As ONG’s (Organizações Não Governamentais) também tem sido hoje decisivas na batalha pela defesa dos direitos humanos. Dois grandes exemplos destas organizações que atuam mundialmente são a Anistia Internacional (Amnesty International) e a Human Right Watch (Observatório dos Direitos Humanos), tendo a sua atuação conjunta alcançado níveis bastante elevados. Com uma política de fiscalização e denúncia, as ONG’s utilizam-se de seu enorme número de adeptos pelo planeta para, através de instrumentos próprios como relatórios, petições aos órgãos governamentais, dentre outros, atrair a atenção do mundo para as constantes violações aos direitos humanos no mundo. Qualquer pessoa pode se filiar a estas ONG’s e contribuir da melhor forma que puder, seja financeiramente ou com a participação em trabalhos voluntários.
6 - Conclusão
Os Direitos Humanos, e nesse contexto está a vedação à tortura, que está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana, vêm sendo constantemente relativizados pelos Estados, que, através de decisões baseadas em seus interesses políticos/econômicos, suprimem as mais básicas garantias de seus cidadãos.
A continuidade destas violações gera um cenário de incertezas que só serve para implementar a falta de segurança das pessoas e remete todos a um retrocesso no mundo em que vivemos.
Os escândalos envolvendo a prática de tortura por agentes dos governos do mundo todo, além de diversos dados, nos mostram que a postura de defensores dos Direitos Humanos adotada pela maioria de nós é apenas fachada, e que muitos de nós considera aceitável a violação destes direitos se dela podermos obter algum benefício. Nós simplesmente fechamos os olhos e fingimos não ver nada. Para comprovar o que dizemos, basta olhar as pesquisas apresentadas durante o presente estudo.
Porém, esta situação não pode continuar. Nós devemos entender que os Direitos Humanos precisam ser garantidos atodos, sem exceção. Não se trata de uma concessão feita a alguns, mas de direitos inerentes a toda e qualquer pessoa. A supressão das garantias mais básicas em função de outros interesses nos leva de volta à épocas que nem gostamos de lembrar, e isto precisa ser evitado. Cada um deve fazer a sua parte na construção de um mundo cada vez mais igualitário e justo para todos.

Referências
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BECCARIA, C. Dos Delitos e das Penas. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008.
BIAZEVIC, D. M. H. A História da Tortura. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8505>. Acesso em: 02 de abril de 2008.
BIERRENBACH, S.; LIMA, M. P. Comentários à Lei de Tortura. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 15ªed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.
CHIMENTI, R.C. et al. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006.
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MIRABETE, J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de Direito Penal. 24ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2007.
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ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 20 mar. 2009
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/plano_br_acoes_integradas_prevencao_tortura.pdf> Acesso em 25 abr. 2009.
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UOL. Pesquisa diz que 29% da população apóia tortura em alguns casos. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/10/19/ult1807u31703.jhtm>. Acessado em: 04 fev. 2009.
 
Notas:
[2] http://edition.cnn.com/2003/LAW/03/03/cnna.Dershowitz
[5]http://www.prpb.mpf.gov.br/docs/RelatorioPresidioRoger.pdf
[7]http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/plano_br_acoes_integradas_prevencao_tortura.pdf
[8] http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php
 

Informações Sobre os Autores

Ramon Aranha da Cruz
Acadêmico do Curso de Direito na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB
Felix Araújo Neto
Doutor em Direito Penal e Política Criminal pela Universidade de Granada, Espanha. Advogado Criminalista e Professor de Direit

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