ANDREI MEIRELES E CLÓVIS SAINT-CLAIR, DE VITÓRIA
Dono de um pequeno cassino, Jonathas começou a brigar com outros bicheiros da cidade pelo controle das bancas. No dia 5 de agosto de 1982, almoçou com o delegado Cláudio Guerra – apontado pela CPI do Narcotráfico como um dos comandantes do Esquadrão da Morte no Espírito Santo. Pouco depois, uma bomba explodiu dentro de seu carro. O bicheiro teve a perna esquerda amputada, perdeu dedos da mão esquerda e ficou praticamente cego. Mesmo mutilado, jurou vingança. Quatro meses depois, três homens mascarados invadiram sua casa e o fuzilaram. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o assassinato foi decidido em reunião de banqueiros de bicho com o delegado Guerra. 'No inquérito policial há indícios veementes de que José Carlos Gratz participou do encontro', escreveu o promotor. Em 1990, Gratz se elegeu deputado estadual e a denúncia foi arquivada pelo procurador de Justiça Wellington Citty por insuficiência de provas. Hoje desembargador, Citty é amigo do peito do deputado. 'Com Gratz eu tenho uma relação especial. Gosto dele mesmo. Se houver necessidade, estou pronto para estar ao lado dele', declarou em entrevista. Ouvido por Época, Gratz negou relação com o homicídio. E disse que Jonathas não era banqueiro do bicho. 'Acho que ele não sabia nem qual era o grupo do macaco, o 17.' Investigações da Polícia Federal mostram que as relações de Gratz ultrapassam os limites do Espírito Santo – e por conta disso podem ajudar a financiar o crime organizado em outros lugares do país. Entre eles, Rio de Janeiro e São Paulo. O deputado admite ter negócios com sócios de fora. Revela, por exemplo, que no início dos anos 80 tornou-se porta-voz dos bicheiros capixabas e resolveu voar mais alto. Aproximou-se dos banqueiros cariocas Capitão Guimarães, Antônio Turco e Abrahão David. Juntos, abriram um cassino em Guarapari e outro em Vitória, no hotel Porta do Sol. 'Isso aconteceu durante o governo do Gerson Camata. Eu tinha a vista grossa do governo para bancar o jogo na alta temporada e trazia grupos do Rio para jogar', afirma. Outro provável parceiro de Gratz fora do Espírito Santo segue a tradição dos apelidos dignos de filmes de gângster – e fica em São Paulo. Trata-se do banqueiro do bicho Casemiro Alves da Silva, conhecido como Pingüim, indiciado 29 vezes por envolvimento com o jogo do bicho e condenado a um ano de prisão. Em 1999, Gratz disse na CPI do Narcotráfico que era um dos donos de um bingo em Campinas. A suspeita da CPI é que ele seria sócio de Pingüim no Bingo Vilac. Ouvido por Época, Pingüim diz que apenas emprestou dinheiro para um afilhado montar o negócio e Gratz financiou a compra de computadores e mesas de controle. O combinado era que, se o empréstimo não fosse pago, aí sim eles teriam participação no bingo. 'Mas o empréstimo foi quitado', assegura. O Ministério Público Federal desconfia da versão. 'Nossas investigações mostraram que Gratz mantém uma rede de jogatina no Espírito Santo e em outros Estados, mas não aparece formalmente como dono. Ele controla bingos por meio de laranjas e contratos de gaveta', diz o procurador da República Ronaldo Albo. Casado, pai de dois filhos – uma moça de 22 anos e um rapaz de 18 –, Gratz rebate as acusações com explicações que mostram a curiosa trajetória de um político que não nega as origens – e os eventuais vínculos – com o crime. Vestido com discrição, sem sinais daqueles penduricalhos que costumam enfeitar os bicheiros, ele conta como ganha a vida. 'Tenho bingos, máquinas caça-níqueis, o bastante para sobreviver sem precisar dos R$ 3.100 que recebo como deputado.' A Polícia Federal, no entanto, apura denúncias de que o deputado possuiria outras fontes de renda não-declaradas e usaria os bingos apenas para lavar dinheiro. Em outra frente, uma fiscalização da Receita Federal apurou que o patrimônio de Gratz cresceu mais que as receitas que declarou ao Fisco. Por causa disso, ele foi multado e responde a processo por crime fiscal, um dos itens elencados no relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Jogador inveterado, Gratz participa toda semana – e não nega – de mesas de carteado em Vitória. Também é um assíduo freqüentador de cassinos no Exterior. A Polícia Federal desconfia de que as viagens não se destinam apenas a, como dizem os bicheiros, fazer uma fezinha. Um relatório enviado pela Divisão de Crimes Financeiros ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) elaborado com ajuda da divisão de crimes financeiros do Departamento do Tesouro americano traz registros segundo os quais, nos últimos oito anos, Gratz movimentou US$ 489 mil em cassinos em Las Vegas, Nevada, Atlantic City e New Jersey. A Polícia Federal investiga se o deputado está, outra vez, lavando dinheiro. Mesmo dono de curiosa biografia recheada de episódios que coincidem com o mundo fora da lei, Gratz é visto por funcionários do alto escalão de Brasília como homem perigoso por conta de suas conexões políticas. Como presidente da Assembléia Legislativa, tem apoio de 27 dos 30 deputados estaduais e aprova o quer. A maioria foi suficiente para fazê-lo dar as cartas nos governos Albuíno Azeredo e Victor Buaiz. Também aproveitou as enrascadas em que se meteu José Ignácio para adotar uma espécie de parlamentarismo capixaba. O governador se enrolou em problemas ainda nas eleições. Misturou contas pessoais com o caixa de campanha e teve de pagar multa de R$ 580 mil ao Fisco. O mais grave, porém, está em ofício que o delegado da Receita Federal em Vitória, Caio Marcos Cândido, enviou no mês passado ao Ministério Público. O documento traz a confissão de Hilário Maximiano Gurjão, dono da empresa HMG, de que participou de uma fraude na prestação de contas de José Ignácio à Justiça Eleitoral. 'Isso é crime suficiente para que o governador seja denunciado ao STJ e afastado do cargo', afirma o procurador Ronaldo Albo. Na verdade, o governador está na corda bamba desde maio do ano passado, quando houve a comprovação da existência de um esquema de propinas com a participação da primeira-dama, Maria Helena Ferreira, e de seu irmão Gentil Ruy, caixa de campanha e secretário de governo. Uma investigação policial descobriu o caixa dois da campanha municipal de 2000. Época teve acesso a uma papelada apreendida na casa de Gentil Ruy que registra os pagamentos a candidatos a prefeito e a deputados estaduais governistas. Uma auditoria do Banco do Estado do Espírito Santo e a investigação do Ministério Público concluíram que o dinheiro distribuído por Gentil Ruy foi desviado da conta da Fundação Augusto Ruschi. Com acusações desse calibre, José Ignácio precisou se render à maioria controlada por Gratz na Assembléia para se livrar do impeachment. Acabou loteando o governo. A três meses das eleições, uma intervenção pode até não ser o melhor caminho. Mas, em um Estado onde até o governador está de mãos amarradas, providências são bem-vindas. com Solange Azevedo |
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