Marcelo Auler (*)
Após declarar à Folha de S. Paulo, que “nós, ministros do Supremo ganhamos um salário muito digno, então é bom a gente saber também quem recebe supersalários”, o ministro Luiz Fux, há 42 anos militando no Direito, sendo que três como advogado, outros três como promotor de Justiça e os 36 restantes como magistrado, em cuja função chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) há seis anos, preferiu se calar quando questionado sobre os vencimentos de sua filha, Marianna Fux.
Ela, desde março de 2016 é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Foi nomeada e empossada na vaga do quinto dos advogados com apenas 35 anos de idade, após um procedimento polêmico de escolha. Segundo se discutiu à época, Marianna não teria comprovado a prática jurídica exigida em lei. Por isso, foi considerada sem experiência suficiente. Nada disso superou a campanha feita pelo pai que lhe garantiu ser a candidata mais votada entre seus hoje colegas de plenário. (A propósito vale a leitura da reportagem de Malu Gaspar na revista piauí – Excelentíssima Fux).
O comentário do ministro publicado na Folha de terça-feira (05/09) – Ministro do STF diz que existe tentativa de enfraquecer o Judiciário – foi feito em função da recente divulgação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do custo médio de um juiz ao erário público – R$ 47,7 mil mensais em 2016. Fux, ao defender a divulgação destes valores, acrescentou: “Às vezes há um esquecimento proposital de que o juiz é um servidor público. Como servidor, o juiz deve receber aquilo que todo servidor recebe. Na hora de analisar um juiz não pode analisar o Judiciário, mas sim, um servidor público”.
Ao que parece, esqueceu o telhado de vidro na família. Ao recorrer à página de transparência do TJ-RJ, este Blog constatou que Marianna, nos primeiros seis meses de 2017 – não há ainda dados sobre os pagamentos feitos a partir de Julho – embora tenha um salário nominal bruto de R$ 30.471,11 – aferiu um total de R$ 219.449,01, o que corresponde a uma média mensal de R$ 36.574,84. Rendimento quase igual ao salário bruto de seu pai – R$ 37.476,93 – e bem acima do que ele recebe líquido, um pouco menos do valor que admitiu ao jornal paulista: R$ 25.347,53.
Ao se recusar a responder ao questionamento que o Blog lhe encaminhou através da assessoria de comunicação do STF (veja abaixo), Fux deixou de explicar também outro assunto delicado: os motivos que lhe levam a manter paralisado há cinco anos e quatro meses, em seu gabinete, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4393.
Trata-se de uma ação proposta em março 2010 pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele questiona a constitucionalidade da Lei nº 5.535/2009, do Estado do Rio de Janeiro, que criou diversos tipos de auxilio aos magistrados. Em especial, no seu artigo 35 estipula o auxílio saúde, auxílio pré-escolar, auxílio-alimentação, diferença de entrância, adicional de permanência, gratificação “pelo exercício como Juiz Dirigente de Núcleo Regional” e outros.
Inconstitucionalidade – Esta ADI foi distribuída ao então ministro Carlos Ayres Brito que, em maio de 2012, levou o caso ao plenário. Na ocasião, ele presidia a corte. No seu voto, afastou as preliminares levantadas pela Advocacia Geral da União que propunha o não conhecimento da Ação, e concluiu:
“Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei nº 5.535/2009, do Estado do Rio de Janeiro: arts. 2º, 4º, 7º a 10, 14 a 26, 27, 29, 31 a 33, incisos I, III, VI, VII, VIII, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “f”, “g” do inciso V e §§ 2º, 3º, 5º e 6º, todos do 35, além dos arts. 36 a 49″.
Isto significa que ele considerou inconstitucionais os artigos, incisos e parágrafos da lei que geram até hoje vários benefícios os magistrados do Rio, entre os quais: auxílio-saúde; auxílio pré-escolar; auxílio-alimentação. As gratificações de adicional de permanência; pela prestação de serviços de natureza especial, definidos em Resolução do Tribunal de Justiça; pelo exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na 3º Vice-Presidência, na Corregedoria, em número de até nove juízes de direito para cada órgão mencionado, e no Segundo Grau de Jurisdição; gratificação de comarca de difícil acesso; pelo exercício como Juiz Dirigente de Núcleo Regional; pela designação para compor Turma Recursal dos Juizados Especiais.
E ainda, diferença de entrância; valores pagos em atraso, sujeitos ao cotejo com teto junto com a remuneração do mês de competência; e demais vantagens previstas em lei, inclusive as concedidas aos servidores públicos em geral, e que não sejam excluídas pelo regime jurídico da Magistratura.
A prevalecer o voto do relator (leia a íntegra abaixo), tais benefícios – verdadeiros penduricalhos nos salários dos magistrados fluminenses – deixariam de ser pagos. Mas, como o processo foi paralisado pelo pedido de vista do ministro Fux – que, como todos sabem, começou a sua carreira na magistratura no Poder Judiciário do Rio onde foi desembargador até ser nomeado, em 2011, com a ajuda do amigo, governador Sérgio Cabral, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, para o STF – tudo continua sendo devido aos juízes e desembargadores.
Impedimento? – Isto em um Estado que se encontra literalmente falido e deixa servidores e aposentados sem vencimentos. Ou seja, atrasa ou não paga salários muito menores do que os “auxílios” dados à magistratura e aos membros do Ministério Público Estadual.
Mais curioso é que quando Fux pediu vistas do processo – 2012 – ele não tinha a filha como desembargadora do Tribunal de Justiça. Ela só veio a ser nomeada em 2016. Desde então, porém, ela passa a ter interesse na Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Lei nº 5.535/2009, pois se beneficia de alguns auxílios ali estipulados.
Segundo consta do Código de Processo Civil – que Fux ajudou a reescrever com base no conhecimento jurídico que armazena -, ele pode estar incorrendo no previsto no artigo 144. Ali constam os motivos de impedimento de um magistrado no julgamento de determinado processo. Ele prevê o impedimento do magistrado:
“IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive”;
Na medida em que sua filha passa a ter interesse nesta ADI, isto não obrigaria Fux a se declarar impedido de julgá-la? Ou, como lhe questionamos – sem merecermos resposta – supor este impedimento seria dar uma interpretação mais amplas do que se deveria ao inciso IV do artigo 144?
Dentro da Lei – A favor de Marianna diga-se que nada do que ela recebe é ilegal. Pode até serem auxílios discutíveis moral e eticamente. Por exemplo, o tal auxílio moradia que é pago a quem já morava na cidade onde trabalha, independentemente do magistrado ou membro do MP possuir ou não casa própria.
Segundo dados oficiais do Tribunal de Justiça todos os 876 juízes e desembargadores na ativa recebem o auxílio moradia – R$ 4.377,00, que Ayres Brito não condenou. Considerou que ela está coberta pela Lei Complementar nº 35/79. Ou seja, uma lei escrita nove anos antes da Constituição Cidadã de 1988, e até hoje não revista. Com isto, apenas o TJ-RJ arca com uma despesa mensal, com esta gratificação, de R$ 3.824.252. Valor, por si só, considerável. E que se repete em todos os tribunais do país, assim como na Justiça Federal e nos Ministérios Públicos Estaduais e Federal.
Mas isso não é tudo. Segundo a folha de pagamento postada na página do Tribunal de Justiça, no mês de junho, os gastos com o pagamento as chamadas indenizações – o que inclui ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio alimentação, auxílio moradia, auxílio pré-escolar, auxílio-educação, indenização de transporte e indenização por dias de compensação de plantão não usufruídos (repouso remunerado) – totalizaram R$ 8.192.827,97.
Retirando-se desse total o que é pago a título de auxílio moradia – que o ministro Ayres Brito considerou estar coberto por uma lei antiga – o Tribunal pagou ao seus juízes e desembargadores R$ 4.368.575 nesta rubrica. Mais do que o gasto com auxílio moradia.
Confira os pagamentos feitos à desembargadora Marianna nos seis primeiros meses de 2017:
Marianna Fux, por exemplo, recebeu nos seis primeiros meses de 2017 uma indenização mensal de R$ 6.202,00. Retirando-se o auxílio moradia, ela ainda percebe alguma ajuda no valor mensal de R$ 1.825,00. No semestre equivaleu a um ganho a mais de R$ 10.950. Questionado, o Tribunal de Justiça não explicou ao Blog a que se refere tal pagamento.
Também ficou sem explicação uma verba que lhe foi paga na rubrica Vantagens Eventuais. Entre janeiro e maio, totalizou R$ 71.099, 26 – R$ 10.157,04 nos meses de janeiro, fevereiro e março e de R$ 20.314,07 em abril e maio.
Segundo o portal do Tribunal de Justiça, esta rubrica engloba pagamentos referentes a “gratificação de férias, parcela autônoma de equivalência, pecúnia (férias e licença especial), acumulação, auxílio, substituição de cargo efetivo, diferença de entrância; ou ainda, gratificação hora-aula, adiantamento de 13º salário, 13º salário”. O total que ela recebeu nesta rubrica equivale a 2,33 salários nominais seus, de R$ 30.471,11.
O silêncio do ministro Fux, assim como de sua filha Marianna e do próprio Tribunal de Justiça que não retornou ao pedido de explicações encaminhado pelo Blog contrasta frontalmente com a fala da presidente do STF esta semana, quando abordou a famigerada gravação de Joesley Batista.
Na ocasião, ao anunciar seus pedidos de providências junto à Polícia Federal, Cármen Lúcia enfatizou:
“impõe-se com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza a apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado”.
Ao que parece, ao silenciar-se, o ministro Fux e a desembargadora Marianna, não respeitaram esse direito dos cidadãos brasileiros serem informado dos atos do Poder Judiciário, no caso, do Rio de Janeiro. Ressalte-se que não existe ilegalidade nos pagamentos/recebimentos, mas nem por isso eles deixam de ser discutíveis.
Principalmente levando-se em conta que o ministro está retendo um julgamento que poderá, em tese, como propôs o ministro Ayres Brito no voto que transcrevemos abaixo, suspender muitos destes penduricalhos salariais que ajudam a deteriorar mais ainda os cofres do Rio de Janeiro. Ou será que isso não merece esclarecimento?
(*) Matéria reeditada às 13H35 para incluir o cartaz da campanha do SindJustiça: “Libere a ADIN, Fux”
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