Marcelo Auler
Ao mesmo tempo em que a Operação Lava Jato desvenda, como jamais fizeram nesse país, velhos esquemas de corrupção que sempre nortearam as relações de grandes empresas com governos e políticos – independentemente de coloração partidária –, também revolve um lamaçal no qual a Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Paraná (SR/DPF/PR) e alguns de seus policiais poderão se atolar. As disputas, seja pelo poder ou motivadas por vaidades pessoais, que a grande imprensa tem deixado de lado, serão expostas de forma ampla na próxima semana (24 a 28 de agosto) quando alguns de seus protagonistas se apresentarem à CPI da Petrobras, na Câmara dos Deputados.
Tais desentendimentos tendem a se acirrar com a confirmação de pelo menos uma das muitas denúncias contra a atual administração da SR/DPF/PR e os delegados da Força Tarefa da Operação Lava Jato. Ofício encaminhado à CPI da Petrobras pelo delegado Alfredo José de Souza Junqueira, coordenador de Assuntos Internos (Coain) da Corregedoria do DPF, confirma o que muitos já diziam há tempos: o grampo encontrado, em abril passado, na escada da superintendência, usada como fumódromo, não teve autorização judicial. (veja ao lado) Portanto, é ilegal.
A Coain investiga ainda o grampo achado em 30 de março de 2014, na cela do doleiro Alberto Youssef, preso na primeira fase da Operação Lava Jato que hoje contabiliza 18 operações. O que se tenta descobrir é se ele estava ou não ativado, pois já se sabe que não existia autorização do juízo para o seu uso.
Oficialmente, com base na sindicância 04/2014, presidida pelo delegado Maurício Moscardi Grillo (chefe do Grupo de Investigações Sensíveis – GISE), a superintendência diz que o aparelho localizado na cela era antigo e não funcionava. O resultado desta investigação interna foi acatado pelo Ministério Público Federal e pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal, onde tramitam os processos da Lava Jato na 1ª instância. Mas ele é contestado por muitos policiais.
Na CPI da Petrobrá, no dia 2 de julho, o agente de policia federal Dalmey Fernando Werlang, há 32 anos no DPF, um especialista em monitoramentos, desmentiu a sindicância e garantiu que os dois grampos, que ele próprio implantou, não tinham autorização judicial e estavam funcionando. Ao colocá-los, atendeu determinações do chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCor), delegado Igor Romário de Paula (o da cela de Youssef) e da delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues (o do fumódromo), sua chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP). Igor e Daniele são casados.
Segundo Dalmey, o grampo na escada tinha o objetivo de “bisbilhotar” o que os servidores comentavam sobre a administração da superintendência e a equipe da Lava Jato. Um alvo específico desta escuta, na versão dada na CPI, era o delegado Rivaldo Venâncio chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da SR/DPF/PR, que, coincidência ou não, após retirar o aparelho de escuta clandestina, foi exonerado do cargo de substituto eventual de Igor na DRCOR.
Os dois, que já desenvolveram trabalhos em conjunto no combate ao crime organizado, inclusive com a utilização de monitoramentos telefônicos, semanas antes tinham se desentendido. Embora Dalmey tenha falado superficialmente neste desentendimento, os deputados da CPI não exploraram o assunto.
O grampo no fumódromo é um reflexo das rivalidades internas que se acirraram desde a descoberta da escuta na cela de Youssef. Uma briga motivada pelo poder e/ou vaidades pessoais, sem que se detectasse, até o momento, nenhum indício concreto de interesses escusos ou financeiros, como alghuns até apregoaram na tentativa de desmoralizar os críticos. Ele, porém, não afeta em nada a Operação Lava Jato.
Já o aparelho que o doleiro encontrou, pode sim colocar em risco todo o trabalho de investigação já realizado que, pela primeira vez na história da República, enfrenta com êxito a corrupção a políticos, praticada por empresários interessados em abrir portas para seus negócios junto aos governos das três esferas e de todas as colorações partidárias.
Muito embora os chamados operadores da Lava Jato – juiz, procuradores e delegados federais -garantam que em nenhuma das 36 ações – criminais e de improbidade – já propostas contra 180 pessoas (veja infográfico ao lado) tenha sido usado material de escutas clandestinas, há sempre o risco de surgir o que no Direito chamam de “fruto da árvore podre”. Isto é, as defesas poderão questionar se informações colhidas ilegalmente alimentaram em algum momento as ações policiais.
Embora as investigações sobre possiveis irregularidades e/ou ilegalidades ainda estejam em curso pela Corregedoria do DPF em Brasília, as denúncias surgidas dentro da SR/DPF/PR já provocaram vítimas.
Tanto Dalmey como o delegado federal Mário Renato Castanheira Fanton, lotado em Bauru (SP), poderão se tornar réus em uma ação proposta pelo procurador da República do Paraná, Daniel Holzmann Coimbra, um dos responsáveis pelo controle externo da Polícia Federal. Classificando-os de “dissidentes”, Coimbra os acusou de caluniarem seus colegas de trabalho por terem relatado aos superiores e, no caso de Dalmey, à CPI da Petrobrás, as irregularidades e ilegalidades que dizem ter ocorrido ao longo das investigações. Isto, apesar de uma das denúcias de Dalmey – a da colocação de um grampo no fumódromo sem autorização judicial – ter sido confirmada pela Coain.
A ação de Coimbra, protocolada eletronicamente no feriado de 11 de agosto, já surgiu envolta em um mistério. Ela veio a público a partir de um vazamento – mais um – para o jornal O Estado de S. Paulo que no domingo (16/08) postou em seu site fotos do documento. Como o procurador saiu de férias sem autorizar a sua divulgação – nem a assessoria de imprensa da Procuradoria o localizou – não se consegue acesso ao inteiro teor do documento. Misteriosamente, na secretaria da 14ª Vara Federal na qual ele apresentou sua representação, os servidores não a haviam localizado até a terça-feira (18/08). Curiosamente, o gabinete do procurador diz que não partiu dele o vazamento. Logo, é de supor-se que alguém a quem ele apresentou o trabalho o repassou ao jornal.
Como as irregularidades que Dalmey e Fanton relatam ainda estão sujeitas à apuração sigilosa pela Corregedoria do DPF há quem entenda que Coimbra precipitou-se. O deputado Aluísio Guimarães Mendes Filho (PSDC-MA), um ex-agente de Policia Federal e, muito provavelmente, o membro da CPI da Petrobras que mais acompanha de perto as investigações em Curitiba graças às suas fontes na instituição, é um dos críticos.
“Não consigo vislumbrar nada que seja uma calúnia por parte do Dalmey nem do Fanton, até porque o Fanton não fez nenhuma declaração à CPI. Ele simplesmente se manifestou, dentro de um inquérito policial que presidia, sobre fatos estranhos ocorridos na Superintendência da Polícia Federal e solicitou ao superior dele, o superintendente do Paraná, que encaminhasse aqueles fatos ao Ministério Público e à Justiça Federal. Não vislumbro nenhum indício de calúnia neste fato. Dentro do que foi colhido na CPI, no depoimento dele, não vislumbro nenhum tipo de calúnia cometida também pelo agente Dalmey”, diz o parlamentar.
Com a experiência de quem passou por diversos cargos em décadas de serviço ao DPF, um delegado aposentado – que por estar distante dos fatos prefere manter-se no anonimato – mesmo considerando precipitada a denúncia, apontou outros fatores para justificá-la:
“A denuncia do MPF contra os policiais federais “dissidentes” parece ser mais uma evidência do “racha” institucional nos trabalhos da Lava Jato, o que levou a Procuradoria da República a assumir previamente um lado a que deve proteger. Acho isso até natural considerando que pode estar em jogo a ilicitude da investigação como um todo, tese que interessa apenas aos empresários investigados”.
Ele lembra, por exemplo o que ocorreu com a “Operação Satiagraha, quando a direção-geral da PF antes de concluído os procedimentos administrativos e judiciais insurgiu-se e afastou o Delegado investigante, e o desfecho todos conhecemos”. Na Satiagraha tudo acabou anulado beneficiando o principal acusado, o banqueiro Daniel Dantas.
O delegado conclui: “No caso, a posição acusatória do MPF no Paraná pressupõe um prévio entendimento judicial ou administrativo de inexistência dos grampos, o que parece ainda inexistir de forma oficial e conclusiva. Assim, creio reforçar as razões para os jornalistas adotarem redobradas cautelas ao se referirem especificamente a esses rumorosos fatos”.
Inquéritos direcionados – As criticas à administração da superintendência, notadamente ao grupo de delegados que participa da Força Tarefa da Operação Lava Jato – além de Igor e Daniele, estão nela os delegados Érica Mialik Marena (chefe Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros – Delefin), Eduardo Mauat da Silva (chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários – Delefaz), Márcio Anselmo Adriano, (Delefaz) e Maurício Moscardi Grillo (chefe do Grupo de Investigações Sensíveis – GISE) – surgiram a partir da descoberta do grampo na cela de Youssef, em final de março de 2014, uma vez que muitos dos policiais da SR/DPF/PR discordaram do andamento da sindicância instaurada para apurar o fato que, como se falou, concluiu que o aparelho estava na cela desde 2008, sem funcionar.
Também gerou insatisfação entre os servidores da superintendência os vazamentos seletivos de informações sigilosas para alguns órgãos de imprensa – consta que foram filmado jornalistas sendo recebidos por alguns delegados, mas estes vídeos jamais apareceram – além do famoso episódio narrado por Juliana Duailibi, de O Estado de S, Paulo, em novembro passado, na matéria “Delegados da Lava Jato exaltam Aecio e atacam o PT na rede“. Embora, oficialmente, tudo isto fosse motivo de apuração, os policiais desconfiavam que as investigações ou não andassem, ou estavam sendo direcionadas. Um quadro que só sofreu modificações com o aparecimento do delegado Mario Fanton, agora denunciado por calúnia.
Fanton não caiu de paraquedas ali, como muitos já fizeram crer. Foi chamado à Curitiba para reforçar a equipe da Delefaz, por indiciação do próprio DPF Moscardi, que também morou em Baurru (SP) e com Fanton trabalhou na Polícia Federal no Acre.
Por decisão do delegado Igor, o chefe do combate ao crime organizado, Fanton assumiu a presidência do Inquérito 737 para apurar a suposta elaboração de dossiês com informações prejudiciais à Operação Lava Jato. Nesta função, teve acesso ao inquérito 768 do vazamento seletivo de informações, então em tramitação no Nucleo de Inteligência Policial (NIP).
Segundo Dalmey explicou na CPI, Fanton verificou que no caso dos vazamentos a investigação foi aberta a partir de uma informação feita pelo próprio delegado Igor e a apuração entregue à sua mulher, Daniele.
Só que, mesmo aparecendo nos autos como testemunha, em determinado momento, o próprio Igor assinou despachos no procedimento como se o presidisse. Eis parte do relato de Dalmey à CPI:
“Então, havia vários vícios, tentando induzir a apuração para atingir alguém da DIP (Diretoria de Inteligência Policial, em Brasília). Na época, tinha um colega da DIP prestando serviço dentro do NIP. Se existia um vazamento dentro do NIP, eu até comentei com o Fanton, todos nós que somos do NIP, inclusive eu, teríamos que ser investigados. Se o vazamento ocorreu no NIP, todos nós somos suspeitos, e não determinado colega. Porque era da DIP, ele era o suspeito. Este foi um entendimento do delegado Fanton. Ele estava vendo que estava sendo direcionado com essa, com essa,,, passando uma hora para a delegada Daniele, como condutor, fazendo diligência, depois o delegado Igor, como noticiante, derepente ele estava como presidente do inquérito, enfim, isso ai para direcionar (…) levamos em uma reunião, eu, o Fanton e o agente Eraldo (APF José Eraldo de Araújo) ao conhecimento do delegado Washington (José Washington Luiz Santos, Diretor Executivo, substituto do superintendente) – esse inquérito está cheio de falhas, na forma como está sendo conduzido e tal – o delegado Washington meio que, não levou isso para frente”. (sic)
Nas explicações de Dalmey aos deputados, ao perceberem que Fanton estava levando a sério a investigação, suspenderam sua missão em Curitiba, devolvendo-o para Bauru (SP). Antes de retornar ao seu posto de origem, no dia 4 de maio, tendo o APF Eraldo como escrivão, em um quarto do hotel em que se hospedava, ele tomou a termo o depoimento de Dalmey.
Foi nesse depoimento que o especialista em monitoramento admitiu pela primeira vez ter sido acionado para instalar o grampo na cela que seria ocupada por Youssef, no dia 17 de março de 2014, quando da prisão do doleiro. Pelo que explicou a Fanton e depois repetiu na CPI, Dalmey recebeu a determinação do delegado Igor que foi à sua sala acompanhado do próprio superintendente, Rosalvo Ferreira Franco e de Márcio Anselmo. Na CPI ele relatou:
“Então eles chegaram na minha sala, com aquela demanda, que eles necessitavam instalar meio com urgência em uma das celas da carceragem nossa um equipamento nosso, porque um preso, depois ficou claro que era o tal do Youssef, um preso estaria chegando no final da tarde, me parece, e que teria que ser urgente esta instalação para estar em condições” (sic).
Com o grampo instalado, o agente diz que diariamente ou, no máximo, a cada 48 horas, encaminhava as escutas:
“Eu colhia os áudios e passava para o meu computador do serviço porque para mim eu tratava aquilo como uma situação oficial, legal então eu usava o meu equipamento do Núcleo de Inteligência, o desktop do setor, colocava em uma pastinha, fazia um backup na minha máquina para o caso de uma emergência, em uma situação emergencial ter um backup, colocava ele no pen-drive (…) Diariamente ou de 48 em 48 horas, aí eu levava para o delegado Marcio. Na ausência dele, ‘oh, passa para a delegada Érica’. Eu acredito que eles baixavam para as próprias máquinas deles este material e me devolviam o pen-drive quando eu levava o outro material”. (sic)
Ao delegado Fanton e à CPI, garantiu só ter descoberto a inexistência de autorização judicial para o grampo da cela de Youssef, em abril de 2014, quando a aparelhagem foi recolhida pelos policiais. No dia, retornava de uma missão em Juiz de Fora (MG) quando, ainda no aeroporto, recebeu um Whats Apps do agente Zanotto. Ele substituía a delegada Daniele na chefia do NIP e lhe encaminhou uma foto, questionando se era “o nosso equipamento?”. Na CPI esclareceu que já naquele momento admitiu “tudo indica, pela foto, que é o dispositivo que nós instalamos lá”.
Os chips de Dalmey – Prevendo que poderiam responsabilizá-lo pelo grampo ilegal, Dalmey buscou gravar a conversa com o delegado Igor, tão logo foi por ele chamado. Neste encontro, o delegado recomendou que apagasse todos os audios da escuta da cela, determinação que já tinha dado aos delegados Márcio Anselmo e Érica. Diante do desespero demonstrado por Igor, Dalmey questionou se não havia alvará judicial, foi quando ouviu: “Pior que não”.
Ao verificar o chip usado na gravação, não conseguiu reproduzir a conversa. Ainda assim, entregou-o à Coain para periciá-lo. Junto enviou a gravação da conversa, um ano depois, com a esposa de Igor, delegada Daniele, e o diretor executivo, delegado Washington, sobre o grampo no fumódromo.
Como já dito, o grampo no fumódromo, colocado durante a Semana Santa (abril de 2015), quando não havia expediente, foi determinado por Daniele, então sua chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP). Para justificá-lo, ela alegou, conforme o depoimento de Dalmey na CPI, que se tratava de uma questão de “segurança orgânica”. Disse ainda, segundo o agente, que “não havia ilegalidade nenhuma instalar (sem autorização judicial) dentro de um órgão público”. Segundo Dalmey, ele o instalou em uma luminária da escada requisitada por Daniele ao APF Barreto – responsável pela manutenção do prédio.
Alertado pelo delegado Fanton que o grampo era ilegal, Dalmey garante ter suspendido as gravações. “(…) eu passei a falar com a Daniele que o equipamento não estava funcionando, não estava legal, não está bom. A qualidade não está boa. Ela ainda insistiu mais algumas vezes para saber o que estava se passando e eu falei olha não estou, não sei, não tem qualidade no áudio, no material, e tal. Porque eu percebi que seria intenção justamente… vamos dizer assim, de uma forma mais popular, bisbilhotar o que estava sendo tratado nos bastidores por pessoas que estavam descontentes com a forma de conduzir, pessoas descontentes inclusive com a questão da sindicância da escuta, que foi forjada. Eles queriam ouvir detalhes do que estavam se comentando”.(sic)
Depois, voltou a procurá-la para questionar a legalidade da escuta, conforme declarou na CPI. Aproveitou-se do fato de uma equipe da Corregedpria de Brasília estar em Curitiba e propos que o assunto fosse abordado com os “viisitantes”. Para dissuadi-lo, a delegada chamou à conversa o delegado Washington, que respondia pela superintendência. O diálogo dos três é que foi novamente gravado pelo agente e o chip entregue em Brasília, à Coain. Somente depois disso é que ele levou o fato ao conhecimento do delegado Rivaldo, aquele que se desentendera com Igor, marido de Daniele, e seria alvo da escuta. Foi ele quem juntou uma equipe e, em uma noite, retirou o aparelho do fumódromo, relatando em seguida o fato à Brasília.
Quando, em maio, despacharam Fanton de volta para Bauru, também “expulsaram” (termo que ele usou na CPI) Dalmey do Núcleo de Inteligência onde atuava há muitos anos. A delegada Daniele justifou o fato com a “perda da confiança da chefia”.
No dia 9 de maio, impediram seu ingresso na sala em que trabalhava, o que o levou a recorrer ao 4º Distrito Policial de Curitiba no qual registrou um Boletim de Ocorrência – nº 2015/487440 – por constrangimento ilegal – crime contra a pessoa, onde consta:
“compareceu espontaneamente nesta distrital, informando que em data de hoje por volta das 15Horas, compareceu ao seu local de trabalho supracitado, desta feita, o sistema de acesso biométrico restringiu a sua entrada no seu setor de exercício de suas funções. Que existe na sua estação de trabalho, varias bens pessoais e inclusive materiais probatórios da pratica de crime por parte da administração local. Que o material probatório estaria armazenado em seu disco rígido do computador desktop (), da Estação de trabalho em comento. É o relato” (sic).
No desktop em que trabalhava, segundo Dalmey, estariam parte dos arquivos de áudio que gravara com o aparelho instalado na cela de Youssef. O BO e toda a apuração feita por Fanton foi por ele levado à Brasília onde então se instaurou uma nova investigação a cargo da Coordenadoria de Assuntos Internos (Coain). Só então o computador do policial foi recolhido para ser periciado. Não se tem notícia de que o mesmo tenha sido feito com os computadores dos delegados Márcio Anselmo e Érica onde, segundo supôs Dalmey, tais aúdios também eram copiados
Coincidências não existem – Youssef localizou o grampo no final de março. Segundo seu advogado, Antônio Augusto Lopes Figueiredo Bastos, ele percebeu alguma coisa na luminária do teto e, subindo nas costas de outro preso, arrancou a aparelhagem. Ao contrário do que se fala, em momento algum o doleiro dividiu cela com o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa.
Como o próprio delegado Igor explicou, até para contestar que tivesse mandado colocar o grampo, o doleiro passou dois dias na cela 2 e depois foi transferido para a 5. Paulo Roberto ficou todo o tempo na 2, de onde não via e nem podia se comunicar com Youssef, instalado em outra ala, Com o doleiro ficaram um contrabandista e um traficante. Logo, segundo Igor, é de se duvidar quando Dalmey diz que lhe solicitaram a instalação da escuta com urgência por conta da chegada do preso.
Embora descoberta em final de março, sua defesa tomou algumas providências antes de dar divulgação do aparelho encontrado.O advogado Luís Gustavo Rodrigues Flores fotografou-o e tratou de registrar tudo – fato e a foto – em uma Ata Notarial no cartório Novel, de Curitiba. Também foi providenciada uma perícia, através das fotos.
Antes da comunicação oficial, questionaram o juízo se havia autorização formal para o grampo. Só quando Moro despachou no processo informando não ter autorizado a escuta ambiental é que ele foi comunicado oficialmente do achado, recebendo as fotos, a Ata Notarial e o laudo pericial.
O fato de a aparelhagem ter ficado em poder de Youssef,por cerca de dez dias, debaixo de seu colchão, já desativada, leva o delegado Igor a questionar as denúncias de Dalmey:
“O grampo foi descoberto no dia 31 de março. No dia 4 de abril o advogado lavrou uma certidão no Cartório Volpi, em Curitiba. A petição questionando a ordem judicial foi no dia 10 de abril. Demorou 10 dias. Se é que estava sendo ouvido para estes fins como é que eu levei dez dias para descobrir que tinham descoberto e desativado o grampo?”.
Algo, porém, chamou muito a atenção de Figueiredo Bastos. Uma hora antes de os advogados procurarem o juiz, policiais federais invadiram a cela do doleiro em busca do grampo.
“Como é que eles sabiam que nós estávamos fazendo a representação naquele dia? Isso me chamou muita a atenção. Eu, na minha idade, com 28 anos de advocacia, não acredito mais em coincidências. Não posso acreditar muito em coincidências. Isso me chamou muito a atenção, como eles sabiam que eu estava fazendo naquele momento aquela manobra? Porque havia, realmente, algum sistema de vigilância em cima do acusado”, conclui o advogado de Youssef.
Ameaça à Lava Jato – Desde então se trava uma discussão se a confirmação deste grampo sem autorização judicial é crime e pode, de alguma forma, interferir na Operação Lava Jato. Procuradores e delegados apegam-se ao fato de que a Lei 10.217/2001, que instituiu o grampo ambiental e a infiltração policial, embora exija “circunstanciada autorização judicial”, não classifica como crime o seu uso sem autorização de um juiz. Sem que o tipo penal esteja expresso em lei, o desrespeito à mesma torna-se uma questão administrativa, ou seja, o agente público que o fizer se sujeita não a um processo criminal, mas por violação ao Principio da Administração Pública – artigo Art. 37 da Constituição -, poderá responder processo por abuso nas áreas Cível e Administrativa e, possivelmente, ação de improbidade.
Há, porém, outro entendimento, destacado pelo advogado Figueiredo Bastos: a fraude processual. Ele garante que isto “esbarra na prova ilícita, por conta da invasão da privacidade do preso. Já existe julgados do Supremo Tribunal Federal pacificando esta matéria. Mesmo preso, não decaem as garantias constitucionais de ter preservada a sua intimidade. Há necessidade sim de ter autorização judicial e se for feita sem autorização judicial é prova ilícita. A produção de prova ilícita pode, inclusive, se caracterizar como fraude processual. Crime de fraude processual, além de improbidade administrativa”.
O procurador Regional da República, Januário Paludo, coordenador da Unidade Descentralizada da Corregedoria do MPF na 4ª Região, atualmente dedicando-se apenas à Força Tarefa da Lava Jato, embora conheça Dalmey desde as investigações do Caso Banestado e ateste a sua capacidade – “sempre tive ele como uma pessoa correta assim como corretos são os delegados que estão na Força Tarefa” -, duvida da versão do agente: “é prematuro tomar partido. A meu ver a história não bate, a última versão não bate. Levou aproximadamente um ano para alterar a versão dele”.
Januário, porém, está convicto de que toda esta história não interferirá nos resultados da Operação Lava Jato: “Se isto tudo ocorreu não vejo problema nenhum quanto à nulidade da operação. Da eventual escuta nada foi utilizado nesses autos”, atesta.
Figueiredo Bastos admite que seu cliente teve fortes indícios de que suas conversas na custódia com os outros presos chegavam ao conhecimento dos delegados,
“Tivemos alguns indícios disso sim, Houve indícios, isso não tem dúvida. Mas, não em interrogatórios. Em conversas assim… que não tem como serem recuperadas. Eles nunca interrogaram diretamente sobre isso, mas os assuntos acabavam sendo abordados pelos delegados”.
Mesmo garantindo que sua maior preocupação é “contribuir com a apuração e proteger de todas as formas o meu cliente e a operação, sem entrar em jogo de CPI”, ele admite já ter alertado o Ministério Público sobre sua posição, caso se confirme a escuta:
“Isso é um caso que tem que ser bem esclarecido (…) Vou me basear, exclusivamente, na sindicância atual da Polícia Federal. Se ela apontar que efetivamente houve o grampo e este grampo foi feito de forma ilegal, aí, com certeza nós vamos ter que tomar atitude. Porque aí é uma violência brutal contra o meu cliente (…) Se houver a prova de que efetivamente esta interceptação é ilegal, nós iremos tomar providências sim, porque daí não tem como justificar você cometer um ilícito para investigar outro. Em minha opinião, se isto é ilegal, qual a credibilidade da investigação?”
Contradição sobre o grampo – Os delegados Igor e Marcio Anselmo garantem que não houve irregularidade e se respaldam na conclusão da sindicância 04/2015, presidida pelo DPF Moscardi isto é, o aparelho encontrado foi instalado na cela, com autorização judicial, em março de 2008, quando da passagem do traficante Fernandinho Beira-Mar por Curitiba e estava desativado.
Nas explicações de Igor ao blog, o aparelho é do patrimônio do DPF cuja “licitação para a compra destes equipamentos teria ocorrido bem antes do Beira Mar chegar em Curitiba, ainda nos anos 2000”.
Ele cita ainda, um parecer que o próprio Dalmey fez por solicitação do sindicante, no qual concluiu que aquele instrumento não estava em condições de uso. Por isso, não só ele, como o procurador Januário, acusam Dalmey de ter mudado de posicionamento.
Foi por ter trabalhado ao lado de Januário durante o Caso Banestado que Dalmey, junto com o delegado Fanton, procurou-o por e-mail relatando sua versão e as possíveis pressões que os dois estariam recebendo.
O procurador regional fez o que devia: encaminhou a mensagem para seu colega Coimbra responsável pelo controle externo da Polícia a quem coube apurar o fato. Não se sabe que documentos Coimbra conseguiu juntar, o úncio resultado concreto do trabalho dele que se conhece até agora foi a denuncia aos dois policiais por crime da calúnia.
A sindicância dirigida por Moscardi, acatada pelo MPF e pelo juiz Moro, é bastante criticada. Inicialmente por não terem instaurado inquérito para apurar uma possível ilegalidade. Mas isto os próprios procuradores acham que não era necessário. Outras críticas se sucedem, como a de não ter sido realizada perícia no local.
Ou ainda no episódio em que se ouviu um dos presos da carceragem que disse ter visto o APF Rodrigo Prado Pereira instalar o grampo. Foi mais uma denúncia falsa. No dia da instalação o agente nem sequer estava em Curitiba. Cumpria uma missão em Criciúma (SC). Curioso, é que, segundo Dalmey admitiu na CPI, ao solicitar a instalação do grampo na cela, o delegado Igor acertou com o responsável pela carceragem, APF Paulo Romildo, o Bolacha, que todos os detentos seriam levados ao banho de sol para ninguém presenciar o fato. Logo, se não tinha preso naquela ala, por que levar em consideração o depoimento de um deles acusando um agente inocente?
A maior crítica, porém, é que Dalmey, considerado o principal técnico em monitoramento na SR/DPF/PR – “das demandas de monitoramento praticamente as coisas são centralizadas em mim”, disse na CPI -, não foi ouvido por Moscardi, motivo que o leva a rebater quem o acusa de ter mudado de posição ao depor, no dia 4 de maio passado, para o delegado Fanton. Ele até aguardou ser chamado, mas apenas recebeu um memorando em que lhe pediam um laudo analisando a aparelhagem nas condições em que estava.
“(…) eu fiz este parecerzinho, baseado nas caraterísticas técnicas deste equipamento (…) Nas condições em que ele está aqui ele está destruído, porque realmente ele foi arrancado, ele não estava em condições de uso, mas enquanto instalado ele funcionava. Mas, dentro daquele pedido do memorando, o equipamento é este, ele está sem um dos microfones aqui, foi arrancado, a fonte está com defeito, enfim… ele ficou um período muito grande eu não sei onde, com quem, este equipamento, nas condições que estava ali, realmente, se fosse instalá-lo nas condições em que está hoje não funcionaria”.(sic)
Um novo laudo – O agente, na CPI, rebateu a conclusão da sindicância presidida por Moscardi com uma informação que considerou prova cabal de que o grampo encontrado por Youssef em 2014 não era o mesmo usado em 2008 na cela de Beira-Mar.
Em 2008, a operação de escutar o traficante ficou a cargo de uma equipe da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), chefiada pelo delegado Elzio Vicente da Silva, hoje superintendente em Brasília.
Eles, porém, tiveram dificuldades com o aparelho que levaram à Curitiba e recorreram ao próprio Dalmey. Ele então instalou na cela um grampo que ele próprio fabricara com peças que dispunha.
Ou seja, não se tratava de aparelhagem industrializada adquirida oficialmente pelo Departamento, mas uma improvisação. Logo, bem diferente do citado pelo delegado Igor como patrimônio do DPF adquirido em 2000.
Por sua vez, o delegado José Alberto Freitas Iegas, que antecedeu Rosalvo na superintendência do Paraná e, embora afastado daquele estado desde 2013, viu-se envolvido nesse imbróglio ao ser apontado como possível autor de dossiês que relacionariam ilegalidades na Operação, reforçou na CPI a tese de Dalmey.
Sua versão, apresentada na Câmara no início de julho, contradiz a afirmação de Igor em agosto ao blog.
Segundo ele, o equipamento encontrado por Youssef só chegou em Curitiba oito meses depois da passagem do traficante pela cidade, conforme prova um documento de remessa do equipamento arquivado na Diretoria de Inteligência Policial (DIP), em Brasília, cargo que ocupou durante um período. Logo, não poderia ser o mesmo grampo utilizado em março de 2008.
O que Dalmey, Iegas e Igor talvez desconheçam é o laudo que a defesa de Yousef diz ter apresentado ao juiz Moro, em abril de 2014. Preparado pelo perito cibernético em crimes digitais, especialista em segurança da informação e dispositivos de som e imagem, Wanderson Moreira Castilho, a partir da análise das fotos apresentadas, o laudo, de 11 de abril de 2014, conclui:
“Este laudo atesta que nas fotos analisadas identificamos os componentes supracitados que formam um dispositivo de escuta ambiental construído de maneira improvisada, não sendo um item comercial”. (veja foto)
Ou seja, o laudo desmente a versão apresentada pelo delegado Igor, segundo o qual o aparelho foi comprado em 2000 pelo DPF, logo, seria um aparelho de fabricação industrial.
Desmente também a versão do ex-superintendente Iegas, que disse se tratar de um aparelho adquirido pelo DPF, o que se pressupõe fabricado por uma indústria.
Por fim, desmente o agente Dalmey, pois embora ele afirme ter montado um aparelho – “de maneira improvisdada”, como diz o laudo – em 2008, para atender à demanda do delegado Elzio, admitiu também que o mesmo já tinha sido retirado da custódia, durante uma manutenção da mesma. Sem falar que ele declarou ter colocado na cela, em março de 2014, um grampo digitalizado, monitorado à distância, que em nada coincide com o descrito pelo perito particular.
O certo é que a discussão não existiria se, quando descoberto, o aparelho tivesse passado por uma perícias técnica da própria Policia Federal, providência que deve ter sido tomada agora – mais de um ano depois – quando nova sindicância foi instaurada.
De toda esta história, o que se depreende é que no caso do grampo encontrado na cela de Youssef, aparentemente, o único a tomar a atitude correta foi o seu defensor que fez as fotos, registrou o fato em cartório, mandou periciar o aparelho e apresentou tudo ao juízo.
Já na SR/DPF/PR o comportamento parece ter sido de quem não queria realmente apurar os fatos tais como ocorreram. Do contrário, tão logo o grampo foi recolhido, a Corregedoria da Policia Federal em Brasília teria sido acionada para assumir a apuração do caso em um inquérito policial, presidido por delegado de Brasília, alheio às disputas políticas internas da superintendência.
Também o agente Dalmey não tem muito como se esquivar apegando-se ao fato de não ter sido chamado pela Sindicância para depor. Afinal, como policial, desde o momento em que soube que não existia autorização judicial para o grampo, sua obrigação era comunicar oficialmente o fato suspeito de ser uma ilegalidade. Não apenas não o fez como, um ano depois, concordou em instalar uma nova escuta clandestina. E só resolveu falar o que está falando agora ao aparecer em cena o delegado Mario Fanton, cuja participação nesse imbróglio será motivo de futura postagem no blog.
Surpreende também que os procuradores da República, que brigaram recentemente no Supremo Tribunal Federal pelo direito de investigarem possíveis crimes cometidos por policiais, aparentemente tenham se contentado que o episódio do grampo na cela fosse investigado apenas por uma sindicância, feita pelos próprios policiais que poderiam, em tese, estar envolvidos no caso.
Mais ainda, diante de todo este imbróglio, do qual transparece que ilegalidades várias podem ter sido cometidas, só se conhece até agora uma única providência por parte do Grupo de Controle Externo do MPF: a denúncia contra dois policiais por crime de calúnia. Parece pouco
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