Titular da Delegacia do Meio Ambiente e mais 9 policiais são acusados de extorsões e sequestros
Denunciados exigiam dinheiro para não emitir laudos forjados de irregularidades ambientais há pelo menos três anos
RIO — Dois longos depoimentos prestados por um policial civil que recebeu o benefício da delação premiada foram a base de um inquérito que resultou, na manhã desta quarta-feira, na prisão de Fernando César Magalhães Reis, titular da Delegacia de Proteção do Meio Ambiente (DPMA) e ex-diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE). Investigado pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio e pelo Ministério Público estadual, ele é acusado de comandar um esquema milionário de prática de extorsão, que tinha 26 empresas como alvos. De acordo com agentes, há pelo menos três anos o delegado e outros nove policiais, também denunciados, exigiam dinheiro para não emitir laudos forjados de irregularidades ambientais.
O policial que decidiu colaborar com a investigação foi preso no fim do ano passado. Depois de firmar um acordo com a Justiça, ele revelou que colegas lotados na DPMA montavam operações clandestinas contra várias empresas, simulando crimes ambientais. Para não prender os donos das companhias e seus funcionários nem abrir inquéritos, o grupo exigia dinheiro. Segundo o delator, em pelo menos duas ocasiões, operários foram sequestrados e mantidos como reféns na delegacia enquanto agentes negociavam o pagamento de propinas.
A DPMA funciona na Cidade da Polícia, no bairro do Jacaré, onde estão reunidas todas as delegacias especializadas do estado. Em depoimento a promotores e agentes da Subsecretaria de Inteligência, um dos empresários achacados disse que, em dezembro do ano passado, policiais civis sequestraram alguns de seus funcionários — que foram levados à delegacia — e exigiram, inicialmente, R$ 1 milhão para libertá-los. Os agentes acabaram concordando em receber R$ 300 mil, e uma parcela de R$ 100 mil teria sido paga ao grupo.
No depoimento que lhe proporcionou o benefício da delação premiada, o policial contou que os pagamentos feitos ao grupo eram divididos conforme ‘‘escalas’’. Segundo ele, havia as chamadas “pancadas”, quando a propina era liquidada de uma só vez; e as “merendas”, que seriam subornos mensais, normalmente com valores até R$ 6 mil. As empresas que participavam da “merenda” eram, de acordo com o delator, ‘‘blindadas’’ — não passavam por fiscalizações da DPMA.
‘PANCADAS’ E ‘MERENDAS’
O policial contou que, numa “pancada”, 40% do valor pago era entregue ao delegado Fernando Reis e ao comissário José Luiz Fernandes Alves, chefe do Grupo de Investigação Continuada (GIC) da DPMA. O restante era rateado entre os outros policiais do grupo. Nas “merendas”, a divisão era diferente, afirmou o agente: a direção da delegacia recebia metade do total da propina.
Em uma entrevista coletiva, o promotor Claucio Cardoso da Conceição, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual, destacou que a operação que desarticulou o esquema criminoso dentro da DPMA ‘‘não foi contra a Polícia Civil’’.
— As ações do Ministério Público seguem critérios técnicos, frutos de provas recolhidas durante as investigações. Não há e nunca houve por parte do MP qualquer intenção de perseguir ou atacar qualquer instituição, apenas atuamos contra os maus policiais — disse Cardoso.
Em seu segundo depoimento, o policial que colaborou com a investigação revelou ainda que “há comentários em toda a polícia de que Fernando Reis foi lotado na DPMA a pedido da Martha Rocha”, deputada estadual (PSD) e ex-chefe da Polícia Civil. Em nota enviada ao GLOBO, a parlamentar afirmou “que não indicou o delegado Fernando Reis para assumir a delegacia”, assim como nunca “solicitou à chefia da Polícia Civil a lotação de qualquer policial civil”.
Também por meio de uma nota, o atual chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, afirmou que “adota um modelo de gestão em que os diretores de departamentos escolhem os delegados titulares que pretendem designar, e a decisão final ocorre em reunião conjunta entre diretores e a cúpula da instituição”.
CONFISCO DE BENS
Fernando Reis foi preso com o perito criminal José Afonso Garcia Alvernaz, acusado de participar do esquema forjando laudos. O comissário José Luiz Fernandes, que também teve prisão decretada, é considerado foragido. A Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança e os promotores do Gaeco disseram que as investigações continuam. Além disso, informaram que planejam pedir à Justiça o confisco dos bens de todos os envolvidos.
Na operação desta quarta-feira, duas motocicletas de luxo foram encontradas na casa de José Luiz Fernandes: uma Triumph Daytona 955i e uma KTM 990 Super Motard. Juntas, as duas valeriam cerca de R$ 60 mil. Na residência do delegado, na Barra da Tijuca, foi encontrado um revólver sem registro.
Os dez policiais da DPMA que tiveram prisão decretada foram denunciados por crimes de organização criminosa, extorsão, extorsão mediante sequestro e concussão (exigência de pagamento de propinas). Considerando apenas a pena mínima estipulada para cada crime, os acusados poderão cumprir 70 anos de prisão, cada um, se forem condenados. Já o tempo máximo na cadeia chegaria a 180 anos.
De acordo com o Ministério Público, os policiais civis investigados agiam sempre da mesma forma. Eles iam a empresas com o pretexto de verificar uma denúncia anônima sobre a prática de crime ambiental. Os agentes alegavam que precisavam fazer uma vistoria e sempre constatavam alguma irregularidade ou simplesmente apontavam, sem qualquer fundamento técnico razoável, uma falha grave.
Segundo promotores, uma vez ‘‘constatado’’ o crime ambiental, o dono da empresa visitada pelos policiais era ameaçado de prisão em flagrante. Investigadores afirmaram que o valor das propinas mensais variava de R$ 500 a R$ 6 mil, dependendo do porte da companhia. José Luiz Fernandes seria o responsável pela arrecadação: em algumas ocasiões, o dinheiro cobrado pelos policiais chegou a ser entregue na sede da DPMA.
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