Para cada quatro mortos pela polícia no Brasil, um policial é assassinado
- 16 setembro 2014
Um levantamento feito pela BBC Brasil com os governos estaduais mostrou que um policial foi assassinado para aproximadamente cada quatro cidadãos mortos pela polícia no Brasil em 2013.
Os dados apontam tanto para uma alta letalidade das ações da polícia como para o grande nível de risco ao qual os agentes da lei estão expostos no país, segundo analistas.
No ano passado, ocorreram ao menos 1.259 homicídios cometidos por policiais e 316 baixas nos quadros das policias civil e militar em 22 Estados que forneceram dados a pedido da BBC Brasil.
Para Ignacio Cano, sociólogo e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), os altos números tanto de mortes causadas pela polícia quanto de baixas de agentes são dados que preocupam por poderem configurar "um presságio" de maiores níveis de violência geral num futuro imediato.
Ele atenta para o fato de que os policiais morrem mais quando estão de folga, em situação mais vulnerável. "Quanto mais mortes causadas pela polícia, mais policiais vão ser mortos quando estão trabalhando na segurança privada ou quando são surpreendidos nas áreas onde eles moram. Isso, por consequência, significa que a polícia vai matar mais depois, entrando num círculo vicioso. Uma lógica de guerra que nunca desapareceu no Brasil, mas algo que temos que combater e tentar manter sob controle", avalia.
De acordo com os dados compilados pela BBC Brasil, a cada mês de 2013 aproximadamente 105 pessoas foram mortas pelos agentes da lei e 26 policiais foram assassinados por criminosos nesses Estados.
A BBC Brasil solicitou dados oficiais sobre a violência relacionada a policiais em todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal, mas cinco deles não responderam até a data de fechamento da reportagem e quatro enviaram dados incompletos.
Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil, diz que "no Brasil temos uma das polícias que mais matam e mais morrem em todo o mundo”.
Ele acredita que, no contexto nacional, o policial civil ou militar é tanto “algoz quanto vítima”, num modelo de segurança pública que necessita de “urgentes reformas”, incluindo a desmilitarização das polícias.
Estatísticas escassas
Para Roque, a dificuldade de obtenção de estatísticas sobre esse tema reflete um certo grau de complacência do país e da sociedade em relação à violência policial.
"É impressionante. Em um Estado democrático, em pleno século 21, o (fato de o) país não saber dizer quantas pessoas morrem na mão da polícia anualmente", disse ele. "São pouquíssimos Estados que têm esses números sistematicamente."
Os Estados que não responderam ou enviaram dados desatualizados à BBC Brasil foram Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Roraima.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisadora da FGV, lembra a dificuldade de se obter dados confiáveis também dentro do Brasil. “Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm uma tradição de monitoramento, então os números são mais fieis à realidade. Agora, em muitos casos recebemos um dado da PM, outro da Secretaria de Segurança Pública, e outro do Ministério da Justiça”, explica.
Em 2012, o Brasil registrou o maior número de homicídios da história: 56.337, segundo dados coletados pelo SUS - Sistema Único de Saúde (considerados confiáveis pelos pesquisadores), e a falta de estatísticas com maior exatidão e a ausência de um controle mais rígido fazem analistas acreditarem que os números de mortos em confrontos com a polícia possam ser ainda maiores.
Átila Roque, da Anistia Internacional, diz que uma parcela desconhecida dessas milhares de mortes se refere aos grupos de extermínio e milícias formados em sua maioria por ex-policiais e agentes ainda na ativa, e cujos números de assassinatos não são registrados de forma oficial.
A abordagem dos temas da violência policial e da violência contra os policiais como parte da cobertura especial da BBC Brasil sobre as eleições de 2014 foi sugerida em uma consulta com leitores promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais como fonte de histórias originais. Você também pode dar sua opinião sobre o tema na página da BBC Brasil no Facebook.
Reportagem publicada nesta segunda-feira pela BBC Brasil mostra como o tema tem sido evitado na campanha pelos principais candidatos à Presidência. Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, isso se deve principalmente ao medo de perder o voto dos eleitores conservadores.
Nas redes sociais, muitos leitores da BBC Brasil participaram do debate e fizeram comentários sobre a questão.
Circunstâncias dos crimes
Apenas 14 dos Estados que responderam ao pedido da BBC Brasil pelos dados de homicídios envolvendo policiais deram detalhes sobre as circunstâncias das mortes. Assim, foi possível obter dados específicos sobre as mortes de 695 suspeitos e de 279 policiais.
O levantamento mostra que 87% dos suspeitos foram mortos por policiais militares em serviço – ou seja, fardados e agindo em operações oficiais da polícia.
Os outros 13% dos homicídios foram cometidos por policiais civis e militares de folga e também durante operações oficiais da Polícia Civil.
Essa proporção se explica pelo fato de as polícias militares possuírem contingentes muito maiores que as polícias civis e atuarem no patrulhamento ostensivo das ruas. A Polícia Civil cumpre majoritariamente o papel de investigação.
Contudo, esses dados estatísticos não abrangem todas as situações em que policiais participam de crimes – até mesmo milícias ou esquadrões da morte – fora do serviço. Por isso, para analistas, o número total de homicídios deve ser maior.
Já a maioria dos assassinatos de agentes da lei ocorreu entre policiais militares de folga (57%).
Segundo Antônio Carlos do Amaral Duca, vice-presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, o período mais vulnerável para o policial militar é durante as folgas.
“Os criminosos não costumam reagir contra um policial fardado porque um ou dois policiais podem (pedir reforço) e se transformar em cem em questão de minutos. Ou seja, durante o serviço ele conta com todo um aparato policial”, afirmou.
Contudo, segundo ele, no período de folga muitos policiais trabalham como seguranças para a iniciativa privada – o chamado bico – para completar sua renda. Agindo sozinhos e facilmente reconhecíveis, acabam se tornando alvos relativamente fáceis para criminosos.
Soluções em debate
Segundo Duca, as formas de diminuir esse grau de risco passa pela reformulação de leis e normas e especialmente pelo aumento de salários – o que em tese reduziria a necessidade de fazer bicos.
Uma das ações da classe policial nesse sentido é o suporte à Proposta de Emenda Constitucional 300, que tramita no Congresso com o objetivo de equiparar os salários de PMs de todos os Estados aos praticados no Distrito Federal – que oferece melhores salários.
Já em relação à letalidade da polícia, o debate ganhou o nome de umas das mais de 1.259 pessoas mortas pela polícia em 2013: Amarildo de Souza.
Devido à ação de movimentos sociais, o assassinato do pedreiro por policiais na favela da Rocinha, Rio de Janeiro, virou uma das bandeiras nas manifestações que varreram o país entre julho de 2013 e julho de 2014.
Amarildo virou sinônimo de clamor por uma polícia menos letal.
Isso levou a um debate de formadores de opinião sobre possíveis soluções, como a adoção de uma polícia de ciclo único (que faz tanto o patrulhamento das ruas como a investigação dos crimes) e a desmilitarização.
Embora não discutidos amplamente, pontos como esses já estão sendo apropriados pelos candidatos às eleições.
Mas, segundo analistas do setor, para reduzir a letalidade não basta discutir modelos mais eficientes para a polícia, mas também medidas específicas como o fortalecimento de órgãos corregedores, o controle mais rigoroso das armas e quantidade de munições usadas pelos policiais e o uso de câmeras em carros e uniformes.
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