Terrorismo de Estado e violência política pode?

violência policial no Rio
por Sulamita Esteliam
Há dias reflito sobre o acinte oportunista da proposta de uma legislação anti-terrorismo no Brasil. Perco o sono com essas coisas.
Está em curso no Congresso Nacional. Na verdade, um ressuscitamento, no vão das ações dos black blocs nas manifestações de rua país afora, e da comoção pela morte de Santiago Ilírio Andrade – aqui e também aquino blogue.
Misturam alhos com bugalhos, e não se pode crer que não seja propositadamente. A Copa bate à porta, e estamos em ano eleitoral.
Ora, se a intenção é barrar a violência, basta aplicar a lei. E dar o exemplo.
Leis as temos em profusão, para todo e qualquer propósito. Inclusive a bancar a violência de Estado, praticada sob qualquer ou nenhum pretexto, diuturnamente, nas ruas a sol aberto, e em particular nas periferias deste país. Com e sem farda, desde tempos imemoriais.
Nada justifica a violência. Mas é a repressão brutal a face mais visível do Estado, ainda hoje. A despeito de todos os avanços nem sempre reconhecidos.
E não é de se espantar que a ideia parta do Senado. Muito menos que a autoria seja de políticos filiados a partidos que já provaram o gosto amargo de 21 anos da última ditadura de que fomos alvos: PMDB, PDT e do próprio PT, dentre outros da base aliada do governo.
Neste país, a democracia engatinhante tende a tornar todos os gatos pardos, e não é preciso que seja noite… Aonde andam os corações valentes que vibram nas comemorações dos 34 anos do Partido dos Trabalhadores, em curso?

O que é feito do Partido dos Trabalhadores…!?
São várias as questões, a começar pela definição do que é terrorismo, que se alinha com a pergunta que não quer calar: terrorismo de Estado e violência política pode?
No sítio Direitos Urbanos/Recife, encontro o Manifesto de Repúdio à Tipificação do Crime de Terrorismo. É assinado por centena e meia de organizações dos movimentos sociais, e foi divulgado no Facebook pelaRede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência.
Transcrevo:
violência policial
MANIFESTO DE REPÚDIO À TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE TERRORISMO:
Pelo presente manifesto, as organizações e movimentos subscritos vêm repudiar as propostas para a tipificação do crime de Terrorismo que estão sendo debatidas no Congresso Nacional, através da comissão mista, com propostas do Senador Romero Jucá e Deputado Miro Teixeira.
Primeiramente, é necessário destacar que tal tipificação surge num momento crítico em relação ao avanço da tutela penal frente aos direitos e garantias conquistados pelos diversos movimentos democráticos.
Nos últimos anos, houve intensificação da criminalização de grupos e movimentos reivindicatórios, sobretudo pelas instituições e agentes do sistema de justiça e segurança pública.
Inúmeros militantes de movimentos sociais foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.
Neste limiar, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma proposta que tipifique o crime de Terrorismo irá incrementar ainda mais o já tão aclamado Estado Penal segregacionista, que funciona, na prática, como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas e eliminação seletiva de uma classe da população brasileira.
Nesta linha, o inimigo que se busca combater para determinados setores conservadores brasileiros, que permanecem influindo nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é interno, concentrando-se, sobretudo, nos movimentos populares que reivindicam mudanças profundas na sociedade brasileira.
Dentre as várias propostas, destaca-se o Projeto de Lei de relatoria do Senador Romero Jucá, que em seu art. 2º define o que seria considerado como Terrorismo: “Art. 2º – Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial ou étnico: Pena – Reclusão de 15 a 30 anos”.
Trata-se, inicialmente, de uma definição deveras abstrata, pois os dois verbos provocar e infundir são complementados pelos substantivos terror e pânico. Quem definiria o que seria terror e pânico? Como seria a classificação do terror e pânico generalizado? Ora, esta enorme abstração traz uma margem de liberdade muito grande para quem vai apurar e julgar o crime. Além disso, esse terror ou pânico generalizado, já de difícil conceituação, poderia ser causado, segundo a proposta, por motivos ideológicos e políticos, o que amplia ainda mais o grau de abstração e inconstitucionalidade da proposta.
É sabido que as lutas e manifestações de diversos movimentos sociais são causadas por motivos ideológicos e políticos, o que, certamente, é amplamente resguardado pela nossa Constituição. Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazer indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais.
Também a proposta do Deputado Miro Teixeira revela o caráter repressivo contra manifestações sociais, evidenciada em um dos oito incisos que tipifica a conduta criminosa: “Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”. Verifica-se, portanto, que as propostas são construídas sobre verdadeiros equívocos políticos e jurídicos, passando ao largo de qualquer fundamento ou motivação de legitimidade.
Agregue-se, ainda, o cenário de repressão e legislação de exceção paulatinamente instituídos pela agenda internacional dos grandes eventos esportivos, solapando a soberania política, econômica, social e cultural do povo brasileiro, e a fórmula dos fundamentos e motivações da tipificação do crime de terrorismo se completa, revelando a sua dimensão de fascismo de estado, incompatível com os anseios de uma sociedade livre, justa e solidária.
Já contamos quase 50 anos desde o Golpe de 64 e exatamente 25 anos desde a promulgação da ‘Constituição Cidadã’. Nesse momento, diante da efervescência política e da bem-vinda retomada dos espaços públicos pela juventude, cumpre ao Congresso Nacional defender a jovem democracia brasileira e rechaçar projetos de lei cujo conteúdo tangencia medidas de exceção abomináveis como o nada saudoso ‘AI-5’.
Desta maneira, repudiamos veementemente estas propostas de tipificação do crime que, sobretudo, tendem muito mais a reprimir e controlar manifestações de grupos organizados, diante de um cenário já absolutamente desfavorável às lutas sociais como estamos vendo em todo