26/05/15 16:4627/05/15 15:36
Racismo e violência policial são as maiores causas de homicídios de jovens no Brasil
A cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. Em um grupo de mil adolescentes entre 12 e 19 anos, cerca de 35 vão ser vítimas de homicídio antes de completarem 20 anos. Meninos têm 12 vezes mais chances de fazer parte dessas estatísticas que meninas. Meninos negros têm três vezes mais chances de serem assassinados que os brancos. Se o garoto for negro e morar na Paraíba, a relação é 13 vezes maior.
Os dados acima foram apresentados por representantes de entidades como Observatório de Favelas, Justiça Global e Fórum Brasileiro de Segurança pública em audiência realizada na noite desta segunda-feira, em Brasília, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o assassinato de jovens no Brasil. Em uma reunião pouco focada pelos holofotes que circulam a capital federal, se encontraram representantes de entidades da sociedade civil para debater o assunto e apresentar informações ligadas à violência que, todos os dias, mata dezenas de jovens brasileiros, principalmente os de sexo masculino, negros e nordestinos, como mostram — em espécie de funil — os dados de pesquisas divulgados na CPI. A violência no Brasil, segundo a advogada e representante da Justiça Global, Natália Damazio, uma das presentes na audiência, atinge especificamente um grupo de pessoas e, na maioria das vezes, é provocada pelo Estado, por meio da polícia.
— O Brasil é um país racista e tem diversas instituições que foram fundadas em cima de uma ideia de escravidão e colonização. O país não discute isso, durante muito tempo teve a negação da existência de racismo, a falsa ideia de que há uma igualdade racial. O racismo estrutura a cidade inteira e as pessoas que sofrem foram excluídas por muito tempo. A violência contra o jovem negro é um genocídio — explica Damazio.
Os dados, coletados em cinco anos de pesquisa, levam em conta apenas mortes resultantes dos chamados “autos de resistência”, quando mortes ocorrem durante confronto entre a vítima e a polícia que, na teoria, precisa se defender da ameaça da pessoa “suspeita”. O problema, segundo Damazio, é que houve uma banalização dos “autos de resistência” para situações em que “suspeitos” são mortos sob a alegação de “legítima defesa” ou “resistência à prisão”, sendo os próprios policiais - as únicas testemunhas do caso.
— O auto de resistência é registrado no momento em que se faz o registro. Pelo artigo 292 do Código Penal, ele diz que o policial pode usar medidas para impedir a resistência a uma ordem judicial, mas na realidade parte-se do princípio de que a pessoa está resistindo para matá-la. Em vez de alegar legítima defesa no processo, usa-se no inquérito, antes de tudo — diz a representante da Justiça Global.
Participou também da audiência a diretora do Observatório de Favelas, Raquel Willadino, que apresentou mais dados sobre a violência contra o jovem. No último Índice de Homicídios de Adolescentes, estudo feito por uma parceria formada entre a Unesco, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Observatório de Favelas e o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ), os homicídios representam 36,5% das causas de morte de adolescentes no Brasil. Para Raquel, o primeiro passo é acabar com a lógica de guerra usada pelo Estado.
— O primeiro passo é a ruptura com a lógica da guerra. Precisamos avançar na construção de uma política de segurança pública inovadora e republicana que tenha a valorização da vida como um princípio fundamental. Além disso, é imprescindível investir na construção de planos estaduais, municipais e nacional que tenham metas concretas de redução de homicídios e priorizem as áreas de maior incidência de mortes da juventude negra. Também são necessárias mudanças culturais. Isso envolve a disputa de representações e de práticas que nos permitam romper com os processos de criminalização da juventude e de hierarquização do valor da vida, que contribuem para a naturalização das mortes dos jovens negros moradores de espaços populares — opina Raquel Willadino.
Polícia que mais mata e que mais morre
O relator da CPI, Lindbergh Farias (PT-RJ), falou sobre a importância de se discutir sobre a violência contra o jovem e trazer dados que mostrem a necessidade urgente de fazer algo para evitar o aumento do número de casos. Na opinião do senador, um dos fatores que contribuem para esse número é o modo de trabalho da polícia, que é ultrapassado e autoritário, além de ser diferente entre ricos e pobres, negros e brancos.
— A discussão da CPI leva também a um debate sobre o papel do Ministério Público, que é responsável pelo controle externo da autoridade policial. Precisamos discutir isso para chegar a assuntos como o direito de militarização da polícia e a forma de abordagem na guerra às drogas. Tomando o Rio como exemplo, você não vê a polícia fazer ações políticas típicas de guerra, como faz nas favelas, em bairros da Zona Sul. Em Ipanema tem traficantes, mas não tem a mesma abordagem, as mesmas incursões que acontecem nas favelas. São incursões que matam traficantes, inocentes e policiais — diz o senador.
De acordo com Lindbergh, o principal objetivo dessa CPI é pôr, de vez, o assunto na agenda dos poderes executivo e legislativo e tomar medidas para reduzir esses resultados. Nas próximas semanas, movimentos sociais devem ser incluídos nos debates da comissão. Em seguida, o relator pretende incluir em pauta discussões voltadas para temas como desmilitarização da polícia e guerra às drogas.
— Os números apresentados são chocantes. A quantidade de assassinatos de jovens mostra que a gente tem uma epidemia no país, em especial a do jovem negro. A própria abordagem policial é racista. Temos a polícia que mais mata e a que mais morre do mundo. Isso não pode ser assim. Por mais que esse corte racial salte aos olhos, são pouquíssimas as ações de políticas públicas voltadas para isso. A CPI tem que levar essa consciência para o debate legislativo — esclarece Lindbergh.