Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O livro de Cláudio Guerra

Assassino confesso..

Para Lei dos Homens, por Pedro Pomar

Já chegou às livrarias “Memórias de uma guerra suja” (editora Topbooks, 291 páginas), que traz longo depoimento do ex-delegado de polícia Cláudio Guerra sobre os crimes que cometeu a serviço da Ditadura Militar, recolhido pelos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto. São fortes revelações, que causaram algum impacto na mídia depois que o jornalista Tales Faria (IG) antecipou diversos trechos do livro. Entre os ex-presos políticos e os familiares das vítimas da Ditadura causou reações distintas: uma parte enxerga nele uma contribuição positiva ao desvendamento das atrocidades cometidas pelos militares e por seus cúmplices civis, mas há quem o considere uma provocação destinada a tumultuar o ambiente pré-Comissão Nacional da Verdade.
Após ler a obra, convenci-me de que se trata de importantíssimo subsídio para uma investigação acurada de diversos episódios-chave da repressão política levada a cabo pelo regime militar. Isso não quer dizer que se deve tomar por integralmente corretas e confiáveis as versões apresentadas por Cláudio Guerra para os muitos casos apresentados no livro. Mas uma parcela substancial das suas narrativas parece crível e merece, no mínimo, uma apuração séria de órgãos como Polícia Federal, Ministério Público Federal, Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e, finalmente, a Comissão Nacional da Verdade, quando constituída.
É bem verdade que o modo de contar do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Espírito Santo, pontilhado de autoelogios (por exemplo, “exímio atirador de elite”, p. 35), de histórias que parecem fantasiosas (como a viagem de ida e volta a Angola, num só dia, para executar um atentado à Rádio Nacional daquele país, p. 139), e de passagens obscuras ou mal explicadas não ajuda a formar opinião favorável. Mas suas afirmações sobre certos episódios são verossímeis, o que ficou demonstrado por apurações iniciais.
Uma das mais impactantes revelações de Guerra é a de que pelo menos onze corpos de militantes de esquerda torturados e assassinados pela Ditadura Militar foram incinerados por ele na década de 1970, no forno da usina de açúcar Cambahyba, localizada em Campos (RJ) e pertencente ao então vice-governador Heli Ribeiro Gomes. No livro ele cita dez corpos, mas em visita posterior ao local o ex-delegado lembrou-se de outro. A visita foi acompanhada por um dos jornalistas co-autores (Marcelo Netto), por agentes da Polícia Federal e pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro. Segundo o advogado, um antigo funcionário relatou a presença frequente de militares na usina.
Neste caso específico, as declarações do ex-delegado são bastante consistentes. A narrativa do fato tem coerência interna. Além disso, a “solução” encontrada para fazer sumirem os corpos dos militantes assassinados é tão brutal quanto outras já conhecidas (esquartejamento, queima de ossadas). As datas também coincidem. Guerra diz que a decisão de incinerar foi tomada em fins de 1973 (p. 50). As pessoas cujos corpos teriam sido incinerados foram capturadas e assassinadas em dezembro de 1973, como João Batista Rita (M3G) e Joaquim Pires Cerveira (FLN); em 1974, como João Massena Melo, José Roman, Davi Capistrano, Luis Ignácio Maranhão Filho (todos do PCB), Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier Filho (ambos da APML), Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva (ambos da ALN); em 1975, como Armando Frutuoso (PCdoB).
Também do ponto de vista geográfico a explicação é plausível, pois quase todos esses militantes passaram pelos cárceres do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército, na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, e vários foram sabidamente conduzidos à “Casa da Morte”, em Petrópolis. Portanto a usina Cambahyba era relativamente próxima do local onde as pessoas foram assassinadas.
Frutuoso, membro do comitê central do PCdoB, foi assassinado em setembro de 1975, quando o general Leônidas Pires Gonçalves chefiava o Estado-Maior do I Exército, cabendo-lhe, neste posto, o comando do respectivo CODI. Portanto, os torturadores do DOI se reportavam a Leônidas. Mais tarde ministro do Exército no governo Sarney, ele sempre negou ter havido torturas (até mesmo em 2010, em cínica entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto para a Globonews). Mas a morte violenta e o desaparecimento do corpo de Frutuoso foram obra de seus comandados, deram-se portanto sob sua responsabilidade. Destaque-se, contudo, que Guerra não cita o general.
Outra revelação importante diz respeito ao paradeiro do corpo de Nestor Veras, militante que ingressou ainda jovem no PCB, nos anos 1940, desaparecido desde abril de 1975 sem qualquer pista. Guerra assume a execução de Veras, que “tinha sido muito torturado e estava agonizando” na Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte. “Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois”, relata (p. 39). O membro do comitê central do PCB teria sido enterrado numa mata próxima a Belo Horizonte, “na estrada para Itabira” (p. 64).
O ex-delegado descreve também no livro como e onde aconteciam as reuniões dos comandantes da tortura no Rio de Janeiro: no restaurante Angu do Gomes, próximo à Praça Mauá, e numa sauna vizinha. Reportagem posterior à publicação dos trechos do livro confirmou a existência do local, e o antigo dono atestou informações de Guerra sobre os frequentadores. Entre eles, os coronéis Freddie Perdigão, figura central do DOI-CODI do I Exército, Marcelo Romeiro da Roza, Otelo da Costa Ortiga (p. 177), todos do Exército, o comandante Antonio Vieira, da Marinha, e outros oficiais superiores.
O Angu do Gomes, como explica o livro com riqueza de detalhes, servia de fachada às atividades da “comunidade de informações” e da entidade que lhes dava cobertura financeira, a Irmandade Santa Cruz dos Militares. Quando a conjuntura mudou e a extrema-direita militar abrigada nos DOI-CODI sentiu-se traída pela processo de abertura política, o restaurante passou a ser o epicentro de uma permanente conspiração “contra Geisel, Golbery e Figueiredo” (p. 119).
O clímax desse processo conspirativo foi o frustrado atentado ao Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981, planejado pelos comandantes do DOI-CODI do I Exército com a finalidade de acuar a esquerda (e o governo). Os conspiradores pretendiam explodir três bombas no local, onde se realizava um grande show em homenagem ao Dia do Trabalho, com a participação de artistas de renome nacional. “Participei do atentado ao Riocentro e fiz parte das várias equipes que tentaram provocar aquela que seria a maior tragédia, o grande golpe contra o projeto de abertura democrática”, conta Guerra.
Para azar dos assassinos e sorte de quem participava do show, uma das bombas explodiu acidentalmente no colo do sargento Guilherme do Rosário, especialista em explosivos do DOI-CODI, que morreu dentro do carro em que ainda se encontrava com outro militar, o capitão Wilson Machado, que ficou gravemente ferido. O plano tresloucado, que poderia ter causado a morte de centenas de pessoas (as portas foram propositalmente trancadas, o policiamento previamente cancelado), foi rapidamente descoberto pela imprensa. Os nomes de Perdigão, Roza, Ortiga e outros constavam da caderneta do sargento.
Parece razoavelmente convincente a narrativa de Guerra sobre o atentado ao Riocentro. Uma das novidades, em relação ao que já se sabia, é que o à época major (ou tenente-coronel) Carlos Alberto Brilhante Ustra, que na década anterior comandara o DOI-CODI do II Exército, teria sido um de seus mentores, ao lado dos oficiais Perdigão e Vieira (p. 164). “Ustra, muito respeitado entre nós, veio de Brasília para acompanhar o atentado”, relembra o ex-delegado (p. 169). Até então, o que se sabia sobre esse militar, único declarado torturador em sentença judicial até agora, era seu envolvimento em diversos casos de tortura e morte de presos políticos. Obviamente, se confirmada, a participação do hoje coronel da reserva no planejamento de um atentado da magnitude do que se tentou no Riocentro em 1981 complicaria enormemente a sua situação na justiça.
No livro, Ustra também é apontado como um dos autores intelectuais da morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury, notório assassino de presos comuns e presos políticos (p. 100). Contudo, a versão apresentada por Guerra para a morte de Fleury, como resultante de uma operação organizada pela própria “comunidade de informações”, carece de maior consistência e foi contestada pelo jornalista Percival de Souza, autor da biografia do famigerado torturador (Autópsia do Medo).
Há muitos outros pontos do depoimento de Cláudio Guerra que, por sua relevância, merecem ser tratados em outro texto: é o caso do envolvimento de artistas e jornalistas com o time de torturadores e assassinos do qual fazia parte o ex-delegado do DOPS-ES. O livro tem problemas, é possível que algumas de suas afirmações sejam incorretas ou inverídicas, mas é inegável que ele joga luz sobre episódios da Ditadura Militar que não podem ser esquecidos.

Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.


Memórias de uma guerra suja

“Militantes de esquerda foram incinerados em usina de açúcar”



Delegado revela em livro que viraram cinzas os corpos de David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e outros oito opositores da ditadura


Ele lançou bombas por todo o país e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o show do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury na linha de comando das forças de resistência violenta à redemocratização do Brasil.

Apesar disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas com o lançamento do livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) entrará para a história como um dos principais terroristas de direita que já existiu no País.

Mais do que esse novo personagem, o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e 80.

Revelações sobre o próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime organizado e setores militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de alguns dos financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se estabeleceu naquele período.

A reportagem do iG teve acesso ao livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).

David Capistrano, Massena, Kucinski e outros incinerados



Cláudio Guerra conta, por exemplo, como incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão encontrados – conforme ele testemunha – de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.

“Em determinado momento da guerra contra os adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”

O delegado lembrou do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, proprietário da usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a quem ele fornecia armas regularmente para combater os sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta, “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil”.

Cláudio Guerra revelou a amizade com o dono da usina para seus superiores: o coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações da Marinha (Cenimar).

Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:

“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano.”

E lista no livro dez presos incinerados:

  • João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
  • Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, (“a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”);
  • David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
  • Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).

“A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.”

“Delegado Fleury foi morto pelos militares"



Delegado da ditadura diz ter participado da decisão. E confessa o assassinato de dirigente comunista Nestor Veras


Símbolo da linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – foi assassinado por ordem de um grupo de militares e de policiais rebelados contra o processo de abertura política iniciado pelo ex-presidente Ernesto Geisel. É o que afirma Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento de Operações Políticas e Sociais) do Espírito Santo.

Em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado pela Topbooks, Guerra conta ter participado da reunião em que foi decidida a morte de Fleury.

Ele próprio teria dado a ideia de fazer tudo parecer um acidente. Acabou sendo enviado para liquidar o colega. Mas, por problemas operacionais, a execução teria ficado para um grupo de militares do Cenimar, o Centro de Informações da Marinha.

No livro ao qual o iG teve acesso, o delegado confessa ter sido um dos principais encarregados pelo regime militar de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.

Guerra está sob proteção da Polícia federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas do início dos trabalhos da Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).

Ele conta ter executado pessoalmente militantes de esquerda como Nestor Veras, do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após uma sessão de tortura da qual afirma não ter participado:

“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”

Além do assassinato de Veras, Guerra conta como matou, a mando de seus superiores, outros militantes contra o regime, como: Ronaldo Mouth Queiroz (estudante universitário e membro da Aliança Libertadora Nacional – ALN); Emanuel Bezerra Santos, Manoel Lisboa de Moura e Manoel Aleixo da Silva (os três, do Partido Comunista Revolucionário – PCR).

Queima de arquivo



“O delegado Fleury tinha de morrer. Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby Beef”, afirma Cláudio Guerra.

Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:

O coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi), que abriu a reunião.

“Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de cheirar cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver.”

Guerra conta que chegou a fazer campana para a execução, mas o colega andava sempre cercado de muita gente. “Dias depois os planos mudaram, porque Fleury comprou uma lancha. Informaram-me que a minha ideia do acidente seria mantida, mas agora envolvendo essa sua nova aquisição – um ‘acidente’ com o barco facilitaria muito o planejamento.”

A história oficial é, de fato, que o delegado paulista morreu acidentalmente em Ilhabela, ao tombar da lancha. Mas Guerra afirma que Fleury na verdade foi dopado e levou uma pedrada na cabeça antes de cair no mar.





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