Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ação de indenização contra o Estado

Por vítima de disparo de policial...

Elaborado em 03/1999.
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Um mototaxista é confundido com um marginal. Um policial militar, sem qualquer pergunta, dispara. Um inocente, pai de seis filhos, fica tetraplégico. A história é apenas mais um dos dramas urbanos de vítimas de maus policiais, e deu origem à seguinte ação de indenização contra o Estado da Paraíba.
         EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ( )ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CAMPINA GRANDE – PARAÍBA.
         PROCESSO nº...........................................
         BEROALDO SANTOS DE OLIVEIRA, brasileiro, casado, moto-táxista, portador do CPF nº 031.935.094-00, RG nº 2079117 SSP/PB, residente e domiciliado à Rua Santo Agostinho, nº 412, Jeremias, Campina Grande - PB; por seus advogados legalmente habilitados, vem r. à presença de V.Ex.ª., propor AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CIVIL POR ATO ILÍCITO CUMULADA COM DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS em face do ESTADO DA PARAÍBA, na pessoa do seu representante legal, pelos fatos e motivos que passa a expor:
PRELIMINARMENTE
         Requer o autor que lhe seja deferido o benefício da GRATUIDADE PROCESSUAL previsto na Lei nº 1.060/50, notadamente em seu artigo 4º, em face da sua comprovada hipossuficiêcia financeiramente.

DOS FATOS
         I - O autor era moto-táxista, trabalhando honestamente em um veículo de propriedade de um sargento da Polícia Militar de nome JOSENILSON BARBOSA SILVA lotado no 2º Batalhão de Polícia Militar instalado nessa cidade, objetivando dessa forma prover o sustento de seus familiares, face a comprovada ausência de empregos em nossa região;
         II – No dia 24 de Janeiro de 1999, um sábado à noite, por volta das 23:30 h, quando retornava do Bairro de Bodocongó, mais precisamente pela Rua Carlos Alberto de Sousa, ao chegar na esquina com a Rua Portugal, o autor deu sinal para converter à direita e assim o fez, não conseguindo entretanto rodar mais do que 150 metros quando foi atingido por um disparo de arma da fogo (espingarda calibre 12 carregada com balaço) desferido pelo OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA, 2º TENENTE MELQUISEDEC LIMA DE FIGUEIREDO, matrícula nº 520.438-1, lotado no 2º BPM, conforme confessa o próprio autor do disparo no AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE e INTERROGATÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR, inclusos a presente ;
         III – Em conseqüência desse ato desastroso praticado pelo policial acima qualificado, o autor, de apenas 23 anos de idade, foi internado no HOSPITAL ANTÔNIO TARGINO, onde foi submetido a uma cirurgia de LAMINECTOMIA DESCOMPRISSIVA (CID: 959.1/5) com o objetivo de diminuir a pressão na sua coluna vertical provocada pelo projétil desferido pelo TENENTE que se alojou entre as vértebras, provocando PARALISIA PERMANENTE DOS MEMBROS INFERIORES ficando pois paraplégico da base peitoral para baixo, impossibilitado assim de trabalhar;
         IV – O autor, apesar da pouca idade, é pai de 6 (seis) filhos menores, sendo 3 (três) com ADRIANA SANTOS SILVA, sua companheira, e outros 3 (três) com MARIA DAS GRAÇAS ALVES SOBREIRA, com quem manteve um relacionamento amoroso, conforme se comprova pelos registros de nascimento inclusos;
         V – Apesar de se tratar de pessoa humilde e de parcos recursos, o autor nunca mediu esforços para possibilitar uma vida digna a todos os seus filhos, trabalhando para isso os três expedientes, excetuando-se apenas os domingos a noite quando tirava para descansar, sendo que de segunda à sábado trabalhava das 6 horas da manhã até as 2 ou 3 horas da madrugada, sacrificando assim o seu próprio descanso em prol de seus descendentes, aos quais pretendia como todo e qualquer pai zeloso dar melhores condições de vida do que ele próprio teve em sua infância.
         Com isso, o autor conseguia pagar o aluguel da moto de R$ 200.00 (duzentos reais) por mês, além de R$ 160.00 (cento e sessenta reais) que contribuía para o sustento de seus três filhos com MARIA DAS GRAÇAS ALVES SOBREIRA, bem como ainda a manutenção de sua família, com a qual convivia, chegando a ter uma renda mensal de aproximadamente R$ 900.00 (novecentos reais), conforme se pode comprovar pela DECLARAÇÃO de renda firmada por 20 (vinte) mototáxistas, em anexo.

DA LEGITIMIDADE DO ESTADO
         A legitimidade do Estado, está devidamente firmada diante da autoria da lesão confessada que foi pelo 2º TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA MELQUISEDEC DE LIMA FIGUEIREDO, bem como pela conclusão do competente IPM – INQUÉRITO POLICIAL MILITAR, o qual concluiu pela culpabilidade do referido oficial no evento danoso, quando acompanhado de outros militares, sob seu comando, empreenderam uma desastrada operação policial com o suposto intuito de prender um marginal conhecido pela alcunha de "vira-bicho" que, segundo informações se encontrava escondido naquelas imediações, e havia roubado uma moto pertencente a um irmão de um dos policiais que estavam efetuando a BLITZ, estando pois devidamente identificado o autor do disparo que lesionou a vítima como sendo um agente do Estado, fica de todo comprovado o nexo de causalidade, obrigando assim o Estado a ressarcir a vítima não havendo que se cogitar de ilegitimidade passiva do Estado, em face da sua condição de policial militar.

         CONSTITUIÇÃO FEDERAL
         Art.37: A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
         § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
JURISPRUDÊNCIA
         Acórdão RESP 45040/SP ; RECURSO ESPECIAL (94/0006626-0)
         Fonte DJ DATA:14/09/1998 PG:00060
         Relator Ministro BARROS MONTEIRO (1089)
         Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPARO DE ARMA DE FOGO. JULGAMENTO ANTECIPADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. Desnecessidade, no caso, da dilação probatória pretendida. Lucros cessantes decorrentes da incapacitação da vítima para o trabalho. Possível relegar-se a sua quantificação à fase de liquidação.
         A denunciação da lide só deve ser admitida quando o denunciado esteja obrigado, por força de lei ou do contrato, a garantir o resultado da demanda, caso o denunciante resulte vencido, vedada a intromissão de fundamento novo não constante da ação originária. Recurso especial não conhecido.
         Data da Decisão 19/05/1998
         Orgão Julgador T4 - QUARTA TURMA
         Decisão Por unanimidade, não conhecer do recurso.
         Indexação CABIMENTO, JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, AÇÃO ORDINARIA, REPARAÇÃO DE DANOS, LESÃO CORPORAL, DISPARO DE ARMA DE FOGO, AUSÊNCIA, COMPROVAÇÃO, LUCRO CESSANTE, VALOR TOTAL, TRATAMENTO MEDICO, POSSIBILIDADE, APURAÇÃO, AMBITO, LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, INEXISTENCIA, PREJUIZO, PARTE DESCABIMENTO, DENUNCIAÇÃO DA LIDE, PROPRIETARIO, ARMA DE FOGO,O ORDINARIA, REPARAÇÃO DE DANOS, LESÃO CORPORAL, DISPARO DE ARMA DE FOGO, AUSENCIA, GARANTIA, OBRIGAÇÃO, REPARAÇÃO DE DANOS, DECORRENCIA, LEI, CONTRATO, INEXISTENCIA, NEXO DE CAUSALIDADE.
         ----------------------
         Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL APC3773595 DF
         Registro do Acordão Número : 83256
         Data de Julgamento : 11/03/1996
         Órgão Julgador : 3ª Turma Cível
         Relator : NANCY ANDRIGHI
         Publicação no Diário da Justiça do DF : 17/04/1996 Pág. : 5.595 (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
         Ementa: CIVIL. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO RISCO OBJETIVO. I - Provado o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o provocou, torna-se patente a obrigação do Estado de indenizar. II - A responsabilidade civil objetiva do Estado, funda-se na teoria do risco, em razão de tratar-se de comportamentos comissivos danosos. III - Recurso improvido.

DO DANO MATERIAL
         O dano material no caso em comento, é evidente e de proporções incomensuráveis pois terá reflexo para o resto da vida do autor e seus familiares, posto que o mesmo na condição em que se encontra dependerá permanentemente da ajuda de outra pessoa, notadamente da sua esposa, a qual com isso fica impossibilitada de trabalhar para ajudar no sustento da casa, como efetivamente esta desde a data do evento danoso.
         Note-se que além das despesas normais de alimentação, o autor terá ainda outras despesas extras oriundas do evento danoso de que foi vítima, posto estar paraplégico do peito para baixo, além de não ter sido tirada a bala de sua coluna, pois segundo os médicos isto poderia causar-lhe a morte, bem como tratamentos médicos, fisioterapêuticos e psicológicos em face do dano sofrido, sendo portanto justo que a indenização concernente a esse item abranja também esses gastos permanentes, proporcionando-lhe condições futuras de arcar com tais tratamentos.
         Com relação aos gastos com médicos e medicamentos, estes serão permanentes posto que com a paralisia do peito para baixo, o mesmo terá reflexos futuros nos órgãos compreendidos nessa parte do corpo dependendo cada vez mais de assistência médica especializada a qual, todos nós sabemos não é fornecida pelo aparelhamento público, significando a sua negativa em termos de indenização, como uma verdadeira sentença de morte lenta e dolorosa para a vítima de um ato irresponsável e impensado de um agente do Estado.

DO DANO MORAL
         No que tange aos danos morais, estes vão além da compensação patrimonial, entretanto a reserva financeira paga pelo Estado a título de indenização possibilitará um pequeno alento a tão grande sofrimento, tal como a perda das funções sexuais, as quais causaram um grande tormento psicológico a vítima, se revelando em grande transtorno para qualquer homem, notadamente aos 23 anos de idade, em pleno vigor de sua atividade sexual, como se comprova pela quantidade de filhos apesar da pouca idade, como no caso presente.
         Tratar-mos desse assunto com palavras escritas sobre papel é muito difícil, pois aos olhos dos leigos parece que estamos nos valendo de uma desgraça humana sem equivalência financeira, para troca-la por pecúnia. Entretanto, apesar de sabermos que qualquer homem, por mais apegado que fosse ao dinheiro trocaria todas as riquezas materiais do mundo pelo prazer de voltar a ser normal, temos a obrigação de sermos racionais nesse momento tão doloroso para o autor e seus familiares a fim de minimizarmos as conseqüências futuras, restando-nos apenas a possibilidade de abrandarmos o sofrimento que lhe foi injustamente imposto com um conforto material financeiro, o qual deverá ser o mais amplo possível a fim de aliviarmos o sofrimento dessa existência marcada para sempre pelo infortúnio que sobre ele se abateu.
         Limitarmos a indenização ao padrão financeiro da vítima à época do fato é no mínimo preconceituoso, pois estaríamos negando-lhe o sagrado direito de progresso a que todo ser humano almeja alcançar, notadamente no caso em pauta, face a pouca idade do autor, o qual com certeza, como fruto de seu trabalho e na busca incansável pelo progresso econômico e financeiro objetivando prover os seus familiares de maiores confortos materiais, conquistaria uma posição mais confortável na sociedade, encontrando-se agora tolhido em suas pretensões, sendo portanto imperiosa a necessidade de que a indenização compreenda todos esses ângulos, como forma de evitar uma condenação indireta e reflexa sobre os familiares desse desafortunado cujo o único pecado foi estar na hora errada, no local errado e sob a mira de uma arma certeira.
         É cediço que um sofrimento dessa natureza não encontra parâmetros financeiros para compensa-lo, contudo um pai de família que faz um seguro de vida para os seus herdeiros em caso de sua morte em valor considerado alto para os seus padrões, não está procurando substituir o amor de seus entes queridos, para troca-lo por pecúnia, mas sim proporcionar alento em face de uma eventual partida daquele que é o esteio da entidade familiar. Assim sendo, da mesma forma, aquele que pleiteia ao Estado uma indenização por danos irreversíveis como o presente, suplica apenas que o ente causador de seu sofrimento lhe possibilite condições de criar a sua prole com dignidade como o mesmo tentava fazê-lo até que foi prostrado em uma cama por um disparo de arma de fogo desferido sem justificativa plausível.
         Ainda com relação ao dano moral, cumpre salientar o mau comportamento do agente direto da ação danosa que de forma leviana tenta imputar ao autor a prática de um crime como o de porte ilegal de arma na vã tentativa de justificar o seu ato irresponsável e impensado, gerador de todo esse transtorno para o autor, alegação essa que provaremos no decorrer da instrução processual, tanto no cível como no criminal ser apenas mais uma agressão injusta imposta ao autor da presente, a verdadeira vítima desse processo, salientando ainda que o INQUÉRITO POLICIAL MILITAR (IPM), instaurado para apurar a ação do policial, concluiu pela culpa do militar e inocência do autor no que concerne a falsa alegação de porte ilegal de arma e de furar o bloqueio policial.
         Alguns doutrinadores advogam a tese de que a indenização deve ser compatível com o padrão de vida da vítima ao tempo do evento danoso, tese esta que permitam-me discordar, pois vai de encontro aos anseios primários de todo e qualquer cidadão, bem como da coletividade, pois o homem normal, comum, busca incessantemente o progresso em sua existência, seja ele, material ou espiritual, não devendo pois o juiz, como entidade representativa maior da Justiça, negar ao autor esse direito primário de evolução.
         Tal colocação, faz-nos lembrar de grandes vultos da nossa sociedade que emergiram de bolsões de pobreza, os quais com muita dedicação e esforço próprio, contrariando as estatísticas galgaram postos de destaque em todo o cenário nacional e internacional movidos única e exclusivamente pelo desejo de progredir inerente a própria natureza humana.
         Valem aqui elencar as precisas considerações do juiz RUI STOCO:
         "Ressuma evidente que se a violação à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra, expressamente mencionados nos incisos V e X do art. 5° da CF/88, obriga à indenização por dano material e moral, a violação a outros direitos e garantias, como, v.g., à vida, à integridade corporal, à liberdade de locomoção, de pensamento, no exercício da atividade comercial, intelectual, artística, científica e de comunicação, há de ser igualmente protegida, por uma razão de simetria e sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia".
         O autor, CARLOS ALBERTO BITTAR, faz a seguinte colocação sobre o tema:
         "a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula ´danos emergentes e lucros cessantes´ (Código Civil, art. 1.059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem" (Reparação civil por danos morais: a questão da fixação do valor, caderno de doutrina, Tribuna da Magistratura, julho de 1996, p. 35).

         Para YUSSEF SAID CAHALI,
         "o direito moderno já não mais se compadece com as filigranas dogmáticas que obstam à proteção mais eficaz de pessoa como ser moral, agora cada vez mais ameaçada em sua integridade corporal e psíquica, no flagelo de interesses que a competitiva luta pela vida propicia".
         E se perfilha ao entendimento de que "a responsabilidade civil do Estado compreende a reparação não apenas do dano patrimonial como igualmente do dano moral".


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

CARVALHO, Robson Silva; XAVIER, Antônio José Ramos. Ação de indenização contra o Estado por vítima de disparo de policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 31, 1 maio 1999 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/16106>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Jus Navigandi


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