Crimes da ditadura, diz analista..
Do UOL Notícias<br>Em São Paulo
- O advogado paraguaio Martín Almada. Em 1992, Almada entrou com um pedido para valer a lei "habeas data", que assegura o direito a pessoa ter acesso a informações e dados referentes a ela com base em arquivos do governo e órgãos públicos. No caso, Almada queria saber detalher sobre a morte da mulher, Celestina Perez, e das acusações que o levaram a ser preso entre 74 e 77.<br><Br> O pedido consistia na abertura de uma dependência policial localizada em Lambaré, a 20 quilômetros de Assunção, capital paraguaia. Para a surpresa de Almada e da polícia, o local abrigava milhares de documentos produzidos pelas autoridades paraguaias nos mais de 30 anos de ditadura. <br><br>Eram os Arquivos do Terror, que revelavam também informações sobre a Operação Condor, uma aliança estabelecida formalmente em 1975 entre as ditaduras militares da América Latina, visando a perseguir os que se opunham aos regimes autoritários. Além do Brasil, fizeram parte da aliança Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai
A Argentina se tornou "protagonista" da mobilização pelos direitos humanos na região, diz a cientista política e pesquisadora da Unicamp, Glenda Mezarobba. Ao lado do governo argentino, ela também destaca o papel das autoridades chilenas, que criaram comissões de investigação e apuração imediatamente após o término do regime ditatorial. "Isso possibilitou conhecer os nomes dos desaparecidos e mortos mais rápido", explica.
Na Argentina, já em 1983, ano em que foi eleito, o presidente Raúl Alfonsín criou a pioneira Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep), que em nove meses ouviu mais de sete mil depoimentos e entrevistou mais de 1.500 sobreviventes dos campos de detenção. Um ano depois, as informações da comissão serviram de base para duas mil denúncias.
E não tem sido apenas na Justiça de seu próprio país que os militares argentinos vêm sendo julgados. Nos últimos anos, diversos réus argentinos foram levados a tribunais estrangeiros, sobretudo europeus. Desde a década de 90, países como a Alemanha, Espanha, França, Itália e Suécia têm requisitado a extradição de militares.
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Argentina - Da esquerda para a direita: o almirante Emílio Massera, condenado à prisão perpétua; general Antonio Domingo Bussi, que foi eleito em Tucuman; o general Jorge Videla, condenado à prisão perpétua; e o general Guilermo Suarez Mason, o brigadeiro Basilio Lami Dozo, o capitão Alfredo Astiz e os almirantes Jorge Isaac Anaya e Armando Lambruschini, que ao lado de outros 46 militares foram condenados por um tribunal espanhol por genocídio, terrorismo e tortura Montagem
"A Argentina é o único país no mundo que, através da Justiça, condenou efetivamente aqueles que cometeram crimes contra a humanidade", afirma o advogado paraguaio Martín Almada.
Ele foi vítima do regime repressivo do presidente Alfredo Stroessner e também um dos primeiros sobreviventes da ditadura paraguaia a denunciar a chamada Operação Condor, o plano de ação conjunta entre os regimes militares sul-americanos nas décadas de 70 e 80. Foi graças a um habeas corpus apresentado por ele à Justiça que foram descobertos, há 20 anos, os chamados Arquivos do Terror, documentos com informações sobre mortos e desaparecidos durante a ditadura paraguaia.
Mesmo assim, a Comissão de Verdade e Justiça, ao longo de quatro anos de trabalho (entre 2004 e 2008), "fez apenas conclusões e recomendações”, diz Almada. Ainda segundo ele, apenas 20 pessoas foram condenadas por crimes cometidos na ditadura, contra 20 mil denúncias de familiares de presos e desaparecidos.
"Tanto a Procuradoria Geral como a Justiça foram omissas em relação às medidas recomendadas e, por isso, segue reinando a impunidade no país. Não é o passado que divide o povo paraguaio, e sim a falta de justiça", diz ele, que reclama dos entraves de outros países, como o Brasil, que não liberam o acesso a essas informações.
Chile: ditadura de Pinochet fez mais de 40 mil vítimas
No Chile, a mobilização para punir os responsáveis por crimes começou antes do fim da ditadura de Augusto Pinochet, que só terminaria em 1990. No entanto, o país ainda vive o dilema de concretizar as resoluções da Comissão da Verdade sobre Prisão Política e Tortura, mais conhecida como Comissão Valech (presidida pelo bispo Sergio Valech). Criada em 2003, a comissão já ouviu mais de 35 mil pessoas que sofreram abusos. No último relatório, entregue em agosto deste ano ao presidente Sebástian Piñera, a comissão apontou 40 mil vítimas oficiais da ditadura, sendo 3.225 mortos ou desaparecidos.Comissões criadas no Chile
Nos anos seguintes à ditatura de Pinochet, o Chile criou várias comissões para apurar prisões, torturas, desaparecimentos e mortes, como o Comitê de Cooperação para a Paz no Chile (Copachi), criado na década de 70 pelo cardeal Raúl Silva Henríquez; Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, de 1990, que gerou o informe Rettig, com 3550 denúncias; a Oficina Nacional do Retorno, criada em 1990 para tratar dos expatriados e exilados chilenos; a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, criada para encontrar os restos mortais dos desaparecidos políticos; e, em 2003, foi a vez da Comissão da Verdade sobre Prisão Política e Tortura conhecida como Comissão ValechO número de condenações no Chile ainda é baixo comparado ao caso argentino. O processo começou em 1994, com a condenação de 15 carabineiros e um civil à prisão perpétua pelo sequestro e assassinato, em 1985, do artista plástico Santiago Allende, do sociólogo José Manuel Parada e do professor e dirigente sindical Manuel Ceballos, no caso conhecido como "os Degollados". Em 2005, foi a vez do general Manuel Contreras, chefe da Dina (direção de inteligência da polícia chilena nos anos de chumbo) até 1977, e mais 15 ex-agentes serem condenados pela execução de 14 militantes.
Uruguai abre novo capítulo para esclarecer crimes durante a ditadura
Já o Uruguai agora se prepara para entrar em uma fase de formalização das acusações. Entre 2000 e 2003, a Comissão para a Paz criada no país concluiu que 38 pessoas desapareceram no país durante a ditadura (o número total de vítimas do período chega a 200), e outros 182 uruguaios sumiram na Argentina, oito no Chile, dois no Paraguai e um no Brasil. No entanto, com a antiga Lei da Anistia, a Justiça era impedida de condenar os militares responsáveis pelos crimes.A revogação da lei no final de outubro deste ano significa que os crimes cometidos durante a ditadura passam a ser considerados como de lesa humanidade e, sendo assim, não podem prescrever. Antes, esses crimes eram considerados delitos comuns, eximindo os militares de irem a julgamento por delitos nessa época. Aproximadamente 130 denúncias recentes de delitos de lesa humanidade se somaram aos mais de 80 casos já conhecidos.
Mesmo com a Lei de Anistia, contudo, o país conseguiu condenar dez militares, incluindo o ditador Gregorio Alvarez e o ex-presidente Juan María Bordaberry, que faleceu em julho deste ano. No entanto, dezenas de militares acusados de delitos durante o regime militar nunca foram julgados. A partir de agora, isso deve começar a mudar no país.
UOL Notícias
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