Coronel Marcelino Fernandes, ex-corregedor da Polícia Militar de São PauloImagem: 17.mai.2018 - Eduardo Anizelli/Folhapress
Em meio à série de denúncias de casos de violência policial nas últimas semanas, cresceu também nos últimos meses o número de pessoas mortas por policiais militares no estado. Para o coronel Marcelino Fernandes, que chefiou até fevereiro deste ano a Corregedoria da corporação — órgão responsável por investigar possíveis irregularidades de policiais militares —, a situação é fruto direto de ações e de discursos do governador João Doria (PSDB).
Doria foi eleito governador de São Paulo nas eleições de 2018 afirmando que, durante sua gestão, a polícia iria "atirar para matar". No dia em que foi eleito, prometeu "os melhores advogados" aos policiais que matam no estado. Depois, elogiou ação da polícia com 11 suspeitos mortos e afirmou que a redução da letalidade policial seria algo que poderia acontecer, mas sem obrigatoriedade. A política de segurança do governador causou alta na letalidade policial.
"Três fatores foram preponderantes para o aumento [no número de mortos por PMs]. Os dois primeiros: a saída de vários presos condenados pela covid-19 e o aumento do desemprego, que impulsionaram o cometimento de crimes nas ruas e, consequentemente, o de confrontos. E o terceiro: o incentivo, lá atrás, de confronto por parte do governador. Aí chegou até essa situação", afirma o coronel em entrevista exclusiva ao UOL.
Quando um líder, um governador, um secretário falam, há um peso. Ele fez o que critica no Bolsonaro. Tratou segurança pública de forma política e marqueteira. Isso não deveria ter sido feito."Coronel Marcelino Fernandes
De acordo com o policial, apesar de o governador ter incentivado PMs a confrontos em 2018 e em 2019, enquanto Doria ainda estava ligado ao bolsonarismo, a cúpula da corporação sempre se manteve técnica, dizendo aos policiais: "Se você errar, quem vai parar no banco dos réus, quem vai ser condenado, é você, não será o governador".
"A ocorrência bonita é quando o bandido está preso e ileso. Quando o produto do roubo é recuperado. Todo mundo vivo e tudo de ilegal apreendido. Essa é a ocorrência perfeita, que merece medalha. Quando tem um evento de morte, não pode incentivar como o governador fez, como ele quer fazer", afirma o coronel.
Mais casos ou mais gravações de violência policial?
Apesar de anos como oficial da Corregedoria e como chefe do departamento por três, o coronel Marcelino não sabe dizer se houve aumento no número de casos de violência policial ou se apenas agora casos como esses estão sendo gravados com mais frequência, tanto por celulares quanto por câmeras de segurança. No entanto, apoia que as gravações sejam feitas.
"O registro agora com o celular, desde quando eu era corregedor, já existia. Várias denúncias iam para a Corregedoria. A gente tirava o vídeo e devolvia o celular, até para preservar a pessoa. Alguns até PMs que não concordavam com a atuação dos PMs", diz.
"Estão gravando mais. Os três anos que eu fiquei à frente da Corregedoria mostram que aumentou as gravações. Mas não tem como tabular se tem mais ou menos casos apenas pelos vídeos que estão na mídia", complementa.
Ele, no entanto, cita que os erros policiais são casos isolados. "São quase 8 milhões de chamados no Copom. O que vai ser notícia não são os bons resultados, é o avião que cai. Não podemos esquecer que há seres humanos dentro das fardas. E seres humanos são passíveis de erro", disse.
Além disso, diz que é necessário trabalhar o aspecto psicológico dos PMs, não retreiná-los. "São quase 4 mil PMs afastados por covid-19. Há policiais, hoje, que estão dormindo em quartel porque estão com medo de pegar o vírus ao abordar alguém na rua, voltar para casa e transferir para a mãe. Então, tem toda uma pressão psicológica sobre eles", disse.
"Quando o governador fala em retreinar, há um erro básico. Todos os vídeos mostram situações que não são treinadas. São policiais fazendo atos que para os quais não são orientados nem treinados. Então, retreiná-los, como ele pretende, não funciona", complementou.
Procurada pelo UOL, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirma em nota que "o trabalho das forças de segurança estaduais é pautado exclusivamente pelo respeito às leis e a dignidade humana". De acordo com o texto, a orientação dos oficiais desde o início da gestão Doria tem sido a de "proteger as pessoas e combater a criminalidade".
"Ao longo deste período, mais de 305 mil criminosos, que ameaçaram, roubaram, subjugaram e até mesmo tiraram a vida de brasileiros e estrangeiros em São Paulo foram detidos e entregues ao Poder Judiciário, de acordo com os padrões de ocorrência mencionados pela reportagem. O incentivo é ao estrito cumprimento do dever legal. Quem se desvia ou excede na função, é responsabilizado e recebe as sanções cabíveis."
A SSP afirma ainda que, desde janeiro de 2019, 306 policiais foram demitidos ou expulsos das corporações por diferentes delitos.
"Eu vou ser coronel", disse Marcelino aos 13 anos
Quando tinha 13 anos, Marcelino Fernandes apanhou do pai, um subtenente da PM (Polícia Militar), quando foi pego prestando serviço de engraxate de sapatos em Jacareí (SP).
O policial sentiu vergonha do serviço do filho e o levou para trabalhar em um restaurante. Lá, certa vez, o menino viu seu pai prestar continência a um homem elegante, em uma viatura bonita e perguntou quem era. "É o coronel do Vale Paraíba", respondeu.
Naquele dia, disse ao pai: "Eu vou ser coronel". Teve de engolir as risadas dele, mas não desistiu da meta. Serviu ao Exército aos 18 anos e passou na escola de oficiais da PM na terceira tentativa, aos 20 anos.
"Cheguei à academia, fiz o curso, fui de aspirante a oficial em Taubaté, onde tinha vaga. Em 1989, fui trabalhar no Vale do Paraíba, onde fiquei por seis meses. Depois fui para o 1º batalhão na zona sul, que hoje compreende vários batalhões: 27º, 37º, 1º, 50º e 22º batalhões", diz.
"Fiz um curso de especialização de instrutor de polícia rodoviária, para tentar ir para a rodoviária, mas nunca abriu vaga. Fazendo curso de Direito, fui convidado pelo desembargador Álvaro Lazzarini para ser instrutor. Fui transferido para Corregedoria em fevereiro de 1993. Cheguei lá como 1º tenente, com o corregedor coronel Luiz Perini. Fiquei na Corregedoria até agosto de 2015, quando saí como tenente-coronel", relembra, orgulhoso.
Ao deixar a Corregedoria em 2015, ele não imaginou que voltaria anos depois. Ele deixou o órgão e foi comandar o policiamento na zona norte da capital. "Uma das melhores experiências da minha vida, porque prestei serviço para a comunidade", relembra. Em março de 2017, foi convidado para retornar à Corregedoria, dessa vez como chefe do órgão. Enquanto corregedor, passou por três governadores: Geraldo Alckmin, Márcio França e João Doria.
Eleitor de Jair Bolsonaro e de Márcio França
Segundo ele, Alckmin era distante da Corregedoria. Costumava deixa o assunto relacionado aos secretários da Segurança Pública. De França ele diz ter recebido "apoio total". Sobre Doria, elogia o fato de ele ter mantido a cúpula da PM, incluindo-o à frente da Corregedoria, mas criticou o tucano "por ser muito marqueteiro".
O corregedor, agora na reserva, fala sem medo ter votado em Jair Bolsonaro (sem partido) para presidente, nos senadores Major Olimpio (PSL) e Mara Gabrili (PSDB), em Márcio França (PSB) para governador, no Coronel Franciscon (PSL) para deputado federal e em Adriana Borgo (Pros), que é mulher de um sargento, para deputada estadual.
Filiado ao Republicanos e pré-candidato a vereador na eleição deste ano, ele diz não ter se arrependido de nenhum voto.
"Me considero de centro-direita. Conservador no costume e liberal na economia, no sentido mais puro dessas colocações. Sou cristão, então sou conservador nos costumes, defendo a ética, a moral e o respeito. Sempre me pergunto o que Jesus faria no meu lugar quando tenho dúvidas sobre alguma colocação", diz.
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