Por Redação RBA
Publicado 16/07/2020 - 15h02
Marcelo Camargo/ABr
Movimentos e parlamentares da Alesp criam grupo de trabalho para debater construção de novo protocolo de abordagem da polícia nas periferias. E cobram respostas de Doria
São Paulo – A Polícia Militar de São Paulo e o governador João Doria (PSDB) foram denunciados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), por mais um caso de violência policial. A representação, ingressada pela Coalizão Negra por Direitos – que reúne mais de 150 organizações e movimentos negros do país – exige providência do Estado sobre o caso da comerciante negra que teve a perna quebrada e o pescoço pisado por um PM, em Parelheiros, periferia da zona sul da capital paulista.
As cenas da agressão vieram a público no último domingo (12) no programa Fantástico, da TV Globo. O caso aconteceu em 30 de maio, e desde então a nova vítima da brutalidade do Estado sente medo. A denúncia da Coalizão também foi encaminhada à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. Logo em seguida à repercussão, novo caso de violência policial veio à tona na cidade, na terça-feira (14).
Desta vez, dois policiais militares foram flagrados abordando de forma violenta um entregador por aplicativo em Pinheiros, bairro da zona oeste paulistana. Motoboys que passavam pelo local filmaram cenas que mostram os PMs imobilizando o homem com golpes no pescoço, impedindo-o de respirar. O entregador tentava avisar dizendo “socorro, eu não consigo respirar”. A mesma frase que correu o mundo nos protestos após o assassinato do George Floyd, nos Estados Unidos.
Agir com violência é o padrão
“Você vê, a gente formula o documento de denúncia policial em um dia à tarde. No outro dia, tem outro caso. Fica parecendo que a nossa denúncia está ultrapassada tamanho o fluxo da violência permanente, recorrente e cotidiana da polícia”, comenta o professor e fundador do movimento Uneafro Brasil Douglas Belchior, também integrante da Coalizão Negra por Direitos.
Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, ele lembra que “não é por acaso que acontecem casos recorrentes todos os dias”. De acordo com Belchior, historicamente os policiais se sentem autorizados a usar da violência pelos próprios governantes, que sempre endossaram e promoveram políticas repressivas”.
“Quando um policial militar age violentamente nas ruas de São Paulo, ele está obedecendo à orientação do governador. Está obedecendo à orientação do seu comando, do seu treinamento. Não há procedimento fora de padrão quando a polícia age com violência, ao contrário. Ela está agindo absolutamente dentro do padrão estabelecido pela própria polícia, pela política de segurança pública”, observa.
Violência cresce em plena pandemia
“Isso não quer dizer que esse padrão está correto ou escrito, porque não está. Isso significa que agir fora do padrão, ou seja, agir com violência, é o padrão da polícia. Eles agem cotidianamente fora da lei, são criminosos permanente e contínuos. Todos os dias a polícia promove crimes em São Paulo e no Brasil”, acrescenta Belchior.
A percepção do fundador da Uneafro é a mesma de outras 20 organizações e movimentos sociais que se uniram a deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo para criar o Grupo de Trabalho (GT) Abordagens Policiais: Perpetuação do Racismo Estrutural. A iniciativa faz parte da Frente Parlamentar de Igualdade Racial da Casa. Após o caso em Parelheiros, o grupo assinou nota de repúdio contra a brutalidade dos agentes policiais, que têm como alvo principalmente jovens negros e periféricos. E agora cobra resposta do governador.
O documento marca o início de campanha que pede mudanças no protocolo da abordagem policial nas periferias de São Paulo. Agentes públicos e movimentos vêm se reunindo com intuito de apresentar, até agosto, nova proposta sobre as abordagens.
O GT lembra que a violência policial cresce mesmo em meio à pandemia. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que a letalidade policial cresceu 31% entre janeiro e abril. Dados da própria Secretaria de Segurança Pública estadual mostram que o acumulado dos primeiros meses deste ano chega a 442 pessoas assassinadas pela polícia. Essa já é a letalidade mais alta para o período desde o início da série histórica, em 2001.
Responsabilidade de Doria
Mas, apesar da escalada de casos, o governador João Doria ainda se recusa a dialogar com os movimentos sociais, segundo Douglas Belchior. “E não responde porque não tem o que dizer, porque ele teria, para não ser contraditório, que defender a sua polícia violenta e racista. Ele é um governador violento, genocida e racista”, pontua.
O educador lembra da campanha eleitoral de Doria, em 2018, quando declarava que a polícia “iria atirar para matar”. E logo depois de eleito garantiu que contrataria os “melhores advogados” para defender os PMs que matassem civis. No ano passado, o governador ainda premiou policiais da Rota pela morte de 11 suspeitos após um roubo a duas agências bancárias em Guararema, na região metropolitana de São Paulo. A ação ficou como a terceira mais violenta da história da polícia paulista, atrás do Massacre do Carandiru, com 111 mortos pelo Estado, em 1992, e da Operação Castelinho, que matou 12 supostos integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2002, como mostra levantamento da Ponte Jornalismo.
Após a agressão contra a comerciante em Parelheiros, o governador argumentou que os PMs seriam afastados. Em junho, Doria já havia anunciado um novo treinamento para reduzir os índices de violência policial. Douglas Belchior avalia, no entanto, que as mudanças sinalizadas estão longe de serem significativas.
Dar fim à Polícia Militar
Para ele é preciso tocar na estrutura da política pública de segurança, que nesse momento está abalada também por um conflito político, que aproxima policiais das forças protofascistas, mais alinhadas ao bolsonarismo. Doria estaria perdendo controle sobre sua polícia, que vem cada mais vez radicalizando o discurso histórico da violência e de proteção de patrimônio, avalia o ativista.
“A gente diz no movimento que é preciso dar fim à Polícia Militar. E quando a gente fala isso não significa que não exista no lugar polícia alguma. Mas significa que essa polícia, da maneira que concebida historicamente, não pode existir porque presta um serviço de barbárie à sociedade, de imposição da violência e da morte para um segmento específico da população social”, explica Belchior.
“Precisamos discutir segurança pública como um todo, tem que ter controle social das polícias. Quem é que policia as polícias? Como é possível que os tribunais militares verifiquem os crimes cometidos por eles mesmos?”, questiona. “A polícia não pode investigar a polícia, ela tem que ter, assim como todas as instituições do Estado, um controle social rígido. A sociedade precisa ter olhos e poder sobre a atuação do governo”, garante.
Para pressionar o governo Doria pela criação de um novo protocolo, a Bancada Ativista na Assembleia iniciou abaixo-assinado para garantir os trabalhos do GT Abordagens Policiais. Você pode assinar a nota de repúdio, clicando aqui. abordagem policial, alesp, douglas belchior, governo doria, polícia militar, rádio brasil atual, violência policial
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