Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

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segunda-feira, 28 de junho de 2021

Brasil, um país sem uma política de segurança pública

 Especialistas dizem que o Governo federal não é protagonista no combate à criminalidade

AFONSO BENITES

Policiais durante uma abordagem em São Paulo.
Policiais durante uma abordagem em São Paulo.MARCELO CAMARGO / AG. BRASIL

Há duas décadas as primeiras pesquisas de opinião identificaram que a segurança pública seria um dos temas que deveriam ser levados aos debates presidenciais no Brasil. Isso porque é um assunto que passou a preocupar os cidadãos, diante do aumento das taxas de roubos e homicídios, da baixa resolução dos crimes e do consequente aumento da sensação de insegurança.

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Naquela época, a taxa de homicídios era de 20,2 para cada grupo de 100.000 habitantes. Ou seja, a cada dia 83 pessoas eram assassinadas no país. Depois de dois governos tucanos (Fernando Henrique Cardoso – 1995 a 2002) e quase três petistas (Lula da Silva – 2003 a 2010 e Dilma Rousseff – 2011 a 2014) a taxa saltou para 29, o que quer dizer que 154 assassinatos acontecem por dia.

Com exceção dessa elevação, pouco parece ter mudado, segundo analistas consultados pelo EL PAÍS e conforme os mais recentes levantamentos feito a esse respeito. Uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no início deste mês mostrou que 25% dos brasileiros dizem que o problema que mais o aflige é a segurança pública. Só a saúde tem um índice maior, 32%.

Casos recentes de assassinatos, como uma chacina em janeiro no interior de São Paulo ou a rebelião em uma penitenciária do Paraná neste fim de semana, só reforçam essa percepção negativa que atinge governadores, prefeitos e o presidente da vez. “Para os cidadãos não importa se a lei diz que a responsabilidade pela segurança pública é do Estado. Para eles, todos são responsáveis e, de certa maneira, eles têm razão”, ponderou o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de Brasília, Arthur Trindade Costa.

O governo federal se mostrou muito tímido na tarefa de induzir reformas e em buscar instrumentos que melhorem a segurança Arthur Trindade Costa, professor da UnB

Pesquisador do tema há quase vinte anos, Costa diz que as ações precisariam de uma integração maior entre todos os entes e esse protagonismo deveria ser da União. “Até agora, o governo federal se mostrou muito tímido na tarefa de induzir reformas e em buscar instrumentos que melhorem a segurança”, avalia.

O que chama a atenção é a falta de continuidade de projetos nas trocas de governos. Um exemplo é o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado na gestão Lula, mantido nos primeiro anos de Rousseff, e extinto por ela mesma na segunda parte de seu mandato em troca do projeto Brasil Mais Seguro

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“Em muitos casos a participação do governo federal se resume em comprar viaturas e oferecer treinamento para os policiais. Isso não é uma política de segurança”, diz o sociólogo José Luiz Ratton, professor da Universidade Federal de Pernambuco e um dos idealizadores do Pacto Pela Vida, projeto do governo pernambucano que reduziu os homicídios em quase 60% em sete anos.

A vida vale muito pouco no Brasil Pedro Bodê de Moraes, professor da UFPR

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A falta de transparência na divulgação dos dados é outro fator que dificulta a criação de um plano nacional de segurança e de qualquer outro planejamento. Países como os Estados Unidos ou o Canadá produzem há quase um século anuários estatísticos detalhando onde ocorreram os principais crimes. O governo brasileiro nunca fez por si só nada parecido. Ao invés disso, financia alguns projetos específicos, como o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ou Mapa da Violência. São iniciativas importantes, mas sem o carimbo direto da União.

Sem informação, o índice de esclarecimento de crimes se reduz. Isso sem contar a falta de estrutura que influencia diretamente nesse quesito também. O estudo “Investigação sobre homicídios no Brasil”, lançado em maio de 2013, mostra que dependendo do Estado menos de 15% dos casos são solucionados. Um dos problemas é a falta de estrutura. Em algumas cidades do entorno do Distrito Federal, por exemplo, há quatro policiais para esclarecer qualquer crime. “Para se solucionar um homicídio, o ideal é que o policial esteja no local do assassinato em menos de 24 horas depois do ocorrido. Mas com essa quantidade de pessoal, isso não é possível”, afirma o pesquisador Trindade Costa.

Outro empecilho é a falta de empenho dos governantes. “O papel do gestor de segurança é fundamental. Os casos brasileiros em que houve um avanço tiveram a participação direta dos secretários ou governadores. Isso deveria ser replicado nacionalmente”, pondera o pesquisador Bráulio Silva, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas eleições deste ano o tema voltou a fazer parte dos programas de governo dos principais candidatos. As equipes das campanhas do PSDB, de Aécio Neves, e do PSB, de Marina Silva, já deixaram claro que vão tentar repetir as ações que seus partidos tomaram em dois Estados que governaram, Minas Gerais e Pernambuco. Já o PT, de Dilma Rousseff, não deixou claro se manterá a atual política de financiamento eventual dos Estados, sem uma intervenção direta, ou se implantará algo mais profundo.

Para o sociólogo Pedro Bodê de Moraes, da Universidade Federal do Paraná, sem uma política de segurança que privilegie a redução principalmente dos homicídios, o Governo vai passar um duro recado à sociedade: “A vida vale muito pouco no Brasil”.

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Para o Estado somos todos bandidos

Ele existe não para nos defender sem necessidade de matar, mas para "executar", e se for com tortura, melhor

Estou há muitos anos neste país que amo, sobretudo suas pessoas. Muitas coisas mudaram desde que aterrissei pela primeira vez no Rio, onde ainda se podia caminhar pela rua e viajar de ônibus sem ter que ficar alerta por medo de ser vítima da violência urbana. O mesmo ocorria em São Paulo.

O Brasil avançou na consciência dos cidadãos e até em riqueza econômica, apesar de uns poucos continuarem crescendo cada vez mais do que a maioria. Há algo, porém, que no Brasil não só não avançou, como também retrocedeu. Por exemplo, no que se refere ao respeito à vida das pessoas.

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Eu me pergunto tantas vezes, com dor e até com raiva, por que a vida de uma pessoa vale tão pouco e é esmagada a cada dia como se esmaga uma barata. Esse pouco apreço por ela faz com que nossa polícia, eternamente mal paga e mal preparada, sempre com licença para matar, seja a cada dia mais truculenta e corrupta.

Eu voltei a me perguntar lendo a sangrenta reportagem de minha colega María Martín neste jornal sobre o tiro disparado por um policial na cabeça de um jovem vendedor ambulante, que acabou morto no asfalto de uma rua da rica São Paulo.

Esse policial que atirou sem compaixão no ambulante, como se atira em um coelho no campo, não pensou que aquele jovem vendia suas coisas na rua porque talvez não tenha tido a possibilidade de fazer algo melhor na vida? Que poderia ter sido seu filho ou irmão? Que ele também tinha sonhos e desejo de continuar aproveitando a vida?

Vendo aquelas imagens feitas no lugar do crime pela nossa repórter María meu estômago se revirou de desgosto e a mente, de indignação, enquanto pensava que esses policiais que em vez de nos dar um sentido de segurança e proteção nos incutem a cada dia mais medo.

Pensei também que a nossa classe média ajuda os guardiães da ordem a disparar o gatilho da pistola sem tantos remorsos. Fomos nós que cunhamos a terrível frase de que "bandido bom é bandido morto". E o respeito à vida? "É que eles também não respeitam a nossa", se contrapõe. Mas isso leva à concepção de que o Estado existe não para nos defender sem necessidade de matar, mas para "executar", e se for com tortura, melhor. E que todos acabamos sendo vítimas potenciais dessa loucura.

Há países, como os Estados Unidos, onde se um policial poderia ter prendido um criminoso sem lhe tirar a vida e fica comprovado que não o fez porque era mais fácil matá-lo, acaba sendo duramente punido.

É um problema de escala de valores. Quando a vida de um ser humano, criminoso ou santo, deixa de ter valor supremo, todos logo acabamos nos tornando carne de canhão. Nossa vida entra em liquidação, perde seu valor e dignidade.

Tudo isso, no Brasil parece mais evidente pelo fato de que o Estado trata os cidadãos não como pessoas em princípio honradas, mas como potenciais "bandidos". Em outros países, o Estado parte do pressuposto de que o cidadão é do bem, que não mente, que não engana, que não procura, a princípio, violar a lei.

E é o Estado, se for o caso, que tem de demonstrar que não é assim, que esse cidadão é um delinquente e fraudador, e só então terá de ser punido.

Viram como nós, cidadãos, somos tratados no Brasil quando precisamos comprar algo, quando entramos em um cartório? Todo o papel é pouco para demonstrar que não somos bandidos, sem-vergonha, mentirosos, vigaristas. Nos pedem certificados e mais certificados, assinaturas e mais assinaturas, reconhecimento de firma, e ainda mais, comprovação com presença física de que essa assinatura é autêntica.

Em uma ocasião, quando comprei um pequeno imóvel em Madri, tudo durou 20 minutos num cartório. Assinamos o contrato de compra e venda. O proprietário me entregou a escritura e as chaves e eu entreguei o cheque da compra. No Brasil nos teríamos perguntado, e se o imóvel foi vendido duas vezes? E se nós dois não estivéssemos nos enganando? E, e, e, e.....! quantos "es" e quantos medos de que no fundo sejamos de verdade uns bandidos que só queremos enganar!

Essa possibilidade de que possamos estar enganando sempre se deve ao fato de que perante as autoridades, ante a polícia, ante o Estado, todos somos sempre vistos como bandidos em potencial. Como me disse um amigo meu, para meu espanto: "É que todos nós, brasileiros, somos todos um pouco bandidos. Se nós podemos enganar, fazemos isso".

Não acredito. Sempre pensei que até nas sociedades mais violentas e atrasadas as pessoas de bem, honradas, que não desejam enganar são infinitamente mais numerosas do que os bandidos. Do contrário, o mundo inteiro seria há muito tempo um inferno.

É assim no Brasil? Enquanto se continuar pensando e agindo como se a vida humana tivesse menos valor do que um verme e ninguém se espantar quando é sacrificada com violência e sem remorsos, às vezes até por uma insignificância, talvez tenhamos que reconhecer que esse inferno existe também aqui.

Isso é o que recordam as mais de 50.000 vidas, todas elas de jovens negros ou mulatos, pobres quase em sua totalidade, que acabam assassinados a cada ano, mais que em todas as guerras em curso no Planeta. Cada vez que um policial acaba com a vida de uma pessoa na rua, às vezes por uma mesquinharia, continuará sendo alimentada, pela outra parte, a dos cidadãos e dos mesmos bandidos, uma cadeia infernal de desejo de vingança que continuará nos esmagando e humilhando.

Até quando? Irá despertar alguma vez este país de tantas maravilhas, de tantas pessoas fantásticas, com desejo de viver em paz, sem serem tratadas como se fossem todas bandidos, ou continuará deixando atrás de si a cada dia tristes trilhas de sangue e medo ante a impassividade e a impotência do Estado?ARQUIVADO EM:

Indignação marca o velório do ambulante morto por um policial em São Paulo

 Familiares e vendedores que trabalhavam com Carlos Augusto Braga na rua 12 de Outubro criticam a atuação da polícia e pedem o fim da "perseguição" aos camelôs

M. MARTÍN

O ambulante Carlos Augusto Braga, que morreu em confronto com a polícia
O ambulante Carlos Augusto Braga, que morreu em confronto com a polícia

Luzes florescentes, cadeiras de plástico e paredes de azulejo branco conformam o ambiente que vai receber nas próximas horas o caixão de Carlos Augusto Braga, vendedor ambulante e pai de família de 30 anos. Os familiares e aproximadamente 20 camelôs estão presentes no velório para se despedir dele, que morreu baleado nesta quinta-feira após um confronto com a polícia no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo.

O ambiente, além de simples, é de indignação. Edinaldo, amigo de Carlos Augusto que também comercializa mercadorias na rua 12 de Outubro, confessa que dói ver o amigo, "um cara inocente", no caixão. "Ele era muito especial com todo mundo. Brincalhão, risonho, não gostava de confusão. É incrível tirar a vida de um pai de família que estava trabalhando. Nem bandido recebe o tratamento que nós recebemos", desabafa.

Edinaldo, chamado pelos colegas de Magrão, acredita que o policial responsável pelo disparo que matou Carlos Augusto, não terá, "nem de longe", o mesmo destino do amigo. "Ele está preso hoje, mas amanhã vai estar trabalhando em algum outro lugar. Nossos governantes não fazem nada pela justiça."

Mas nem mesmo a indignação, para Claudiane, esposa de Carlos Augusto e mãe de seus quatro filhos, é neste momento algo palpável. Falando em voz alta com os presentes, ela conta que "as crianças ainda perguntam quando o pai vai voltar" e diz aos companheiros que "peçam para Deus que nos dê força". "Eu achava que eu era tão forte... Mas não sou", disse ela, que também é vendedora ambulante.

Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto.
Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto.M. MARTÍN

Para chegar ao local do velório, em Guarulhos, um microônibus partiu abarrotado do lugar onde morreu nesta quinta-feira Carlos Augusto Braga. Cerca de 20 colegas gritavam "justiça" pelas janelas enquanto os comerciantes da rua 12 de Outubro aplaudiam em sinal de apoio. Dezenas de policias controlavam a rua. Os amigos de Braga e outros tantos que se organizaram em carros querem se despedir do jovem no aeroporto de Guarulhos, de onde o corpo vai partir esta madrugada para ser enterrado no estado do Piauí, sua terra natal. Claudiane está impedida de acompanhar o corpo do marido, porque perdeu o RG.

Ana Maria Pontes Teixera, de 50 anos, liderava o microônibus. Pediu silêncio e lembrou que estavam a caminho de um velório e não de um festival. Dona Ana se queixou que há mais de quatro anos - desde que a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab estabeleceu a Operação Delegada, na qual os policiais militares prestam serviço à prefeitura – os camelôs sofrem perseguição. "Todos os ambulantes já tiveram problemas com a polícia. Eu, particularmente, venho dizendo há muito tempo que ia acontecer uma tragédia. Não são todos, mas falamos de muitos policiais agressivos e despreparados para este trabalho. Nós não somos bandidos, somos trabalhadores. E trabalhamos muito".

Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô.
Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô.M. MARTÍN

Braga já tinha tido várias discussões com a polícia, afirmam seus colegas. “Ele tentava sempre evitar ser foco da fiscalização para não ter mais problema”, relatam os amigos. “Meu parceiro não morreu por pirataria. Ele vendia DVD, sim, mas porque muito por cima dele tem alguém ganhando dinheiro com isso. A culpa é dos nossos governantes que só pegam o pequeno, nós que há dias voltamos para casa com 20 reais”, reclama Dona Ana. Agora, os camelôs exigem uma reparação. "Queremos que a mulher dele receba uma indenização do Estado, porque ela não vai conseguir manter a família sozinha. E exigimos o fim da Operação Delegada, que só trouxe perseguição e humilhação aos vendedores."

A versão policial desmentida em imagens

O confronto entre policiais militares e Braga chocou não só pela violência do ato, mas pelas versões desencontradas da polícia. Enquanto as pessoas que presenciaram a cena afirmavam ao EL PAÍS que o disparo do policial havia sido gratuito, quando Braga tentava liberar um colega detido pelos policiais, a Polícia Militar afirmava que o policial teria sido ferido e que havia acertado o ambulante com um tiro acidental. Dulcinéia Lopes de Oliveira, major da PM, chegou a dizer a jornalistas que parte do colete de um dos policiais teria sido arrancado pelos ambulantes, enquanto um outro agente havia sido encurralado. Na confusão, o desenrolar teria sido um lamentável acidente.

A polícia só mudou sua versão depois das imagens divulgadas em vídeo obtido pela rede Record de televisão, com as cruas cenas gravadas em celular por um dos presentes. Nele, é possível ver que o policial já estava com a arma na mão antes da confusão, ao imobilizar um outro ambulante, que usa camiseta preta, e quando Braga tentar pegar o spray de pimenta dele, atira em direção ao seu rosto.

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As pessoas que presenciaram o acontecido também compartilharam outros vídeos do acontecimento. Um outro vídeo mostra o que acontece momentos antes do disparo, quando os três policiais cercam o ambulante vestido de preto o imobilizam, e acaba quando o policial dá o tiro. São diversos registros do crime, o que obrigou a polícia a rever seu posicionamento inicial.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que, após a análise das imagens, o autor do disparo foi preso e encaminhado par ao Presídio Militar Romão Gomes, autuado em flagrante por homicídio doloso (com intenção de matar), ainda na noite de quinta-feira.

Em entrevista à rádio Estadão, o Comandante Geral da Polícia Militar, o coronel Benedito Roberto Meira, admitiu que o policial agiu de forma precipitada e que ele responderá pelo crime cometido. Segundo ele, as primeiras imagens recebidas pela polícia haviam sido feitas por uma loja da região, e não era possível determinar com precisão o que acontecera e deixavam “certa dúvida sobre a ação do policial”. Questionado sobre o procedimento da instituição, Meira disse discordar que fosse um despreparo da PM de São Paulo, mas sim do policial que disparou, que “cometeu um erro”.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que o caso está sendo apurado pela Corregedoria da Polícia Militar e pela Polícia Civil, e que a Secretaria não compactua com desvio de conduta de policiais.

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PM de São Paulo mata duas pessoas ao dia

 Em um ano, cresce em 97% o número de mortos em supostos confrontos com a polícia Governo alega aumento de confrontos

A. B.

Daniel Eustáquio mostra imagem do local onde seu filho foi assassinado por PMs, em São Paulo.
Daniel Eustáquio mostra imagem do local onde seu filho foi assassinado por PMs, em São Paulo.BOSCO MARTÍN

Enquanto o homicídio de maneira geral em São Paulo caiu 3,3% e se aproxima de índices considerados avançados para o Brasil (quase 10 assassinatos por 100.000 habitantes), a morte de cidadãos por policiais militares cresceu 97% em 2014. Nos 12 meses do ano passado, 694 pessoas foram mortas por PMs que estavam em serviço. É o maior número de casos registrados nos últimos dez anos, conforme os dados da Secretaria da Segurança Pública.

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Ao analisar as estatísticas do Governo desde 1999, nota-se que naquele ano cerca de 35 pessoas morriam diariamente, vítimas de homicídios gerais e uma era vítima de PMs em serviço. No ano passado, após seguidas quedas nas taxas de assassinatos, a proporção mudou. Ao menos 11 pessoas morrem vítimas de criminosos civis por dia e duas pelas mãos dos militares do Estado.

O Governo de Geraldo Alckmin (PSDB) alega que o número de confrontos subiu e, por isso, aumentou também a quantidade de vítimas (leia texto abaixo). Especialistas, contudo, contestam essa tese. “Há anos documentamos casos de supostas resistências seguidas de morte e constatamos que nem todos os casos são os que os policiais alegavam. Nem sempre o confronto era necessário”, alertou a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Mara Laura Canineu. Para ela, a polícia brasileira faz um mau uso da força. “Há vários níveis de uso da força. A polícia certamente exagera e extrapola o direito que lhe é dado pelo cidadão para que ela proteja a sociedade”, conclui.

“Para mim, ainda é uma incógnita entender a razão desse aumento. Talvez se abríssemos a caixa preta das polícias e ampliássemos as investigações sobre as ações policiais conseguiríamos entender”, afirma Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz. Ele defende um fortalecimento dos órgãos de controle interno (como a Corregedoria) e externo (como Ministério Público e a Polícia Civil).

O ano de 2014 foi considerado um ano negativo para a Segurança Pública de São Paulo. Além do aumento da letalidade policial, cresceu também o índice de roubos (20%). Os seguidos aumentos nesse tipo de crime, aliás, resultaram na troca do comando da Secretaria da Segurança Pública e de toda a cúpula das polícias Militar, Civil e Científica.

EM QUATRO ANOS, GOVERNO EXPULSOU 1.771 POLICIAIS

Ao garantir que trata a redução da letalidade policial como uma de suas prioridades, o Governo Geraldo Alckmin informou que em quatro anos já expulsou 1.771 policiais civis e militares por mau comportamento. Neste número estão incluídos desde agentes acusados de furto até homicidas.

Diante de um aumento de 97% nos casos de mortes envolvendo PMs em serviço, a Secretaria da Segurança Pública informou que os confrontos entre policiais e criminosos cresceu 51,9% no ano passado em comparação com 2013. Segundo o órgão, percentualmente o aumento não foi tão significativo. Em nota enviada à reportagem, a secretaria se justificou: “Em 2013, do total de criminosos envolvidos em confrontos, 13% morreram – os 87% restantes fugiram, foram presos ou ficaram feridos. Em 2014, apesar do crescimento nos números absolutos, o percentual de mortos ficou na casa dos 17%. Isto é, 83% dos criminosos sobreviveram”.

De acordo com o Governo, no mês passado foi criado o Conselho Integrado de Planejamento e Gestão Estratégica, órgão que tem como objetivo reunir os comandos das polícias para, entre outros, definir mecanismos para reduzir a letalidade.

Diz a secretaria: “Uma das medidas já determinadas é a intensificação da presença de policiais em situações que possam ensejar confrontos. Com mais policiais no cenário de uma ocorrência, a tendência de haver tiroteios (e mortes) tende a ser menor”.

Mesmo questionado, o Governo se negou a divulgar a quantidade de casos investigados pela Corregedoria da PM nos últimos anos.

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