Publicado na Ponte Jornalismo.
POR LUIZA SANSÃO e CAROLINA MOURA
“Somos reféns de toda situação. Sofremos com a impossibilidade de usufruir de nossos direitos [em meio] à guerra entre traficantes. A polícia vem pra ‘acabar com a guerra’ e o que ela faz, principalmente? Retira ainda mais nossos direitos. E temos ainda que conviver com a sociedade questionando ‘porque não fala de bandido, só de polícia?’. As pessoas perderam o senso, perderam a empatia. Não tem muito que fazer na favela, é apenas sobreviver a mais essa. É apenas uma preparação pra próxima guerra, próxima incursão policial. Biblioteca Parque fechada, mais de 3.000 alunos perdendo aula, eventos culturais cancelados… Não precisa ser muito inteligente pra prever o futuro. A resolução do Estado aos problemas da favela se resumem a enviar polícia”.
O relato de um morador da Rocinha à Ponte revela a angústia e revolta compartilhada por diversos moradores desde domingo, quando a maior favela do país, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi invadida por traficantes armados. A intenção dos criminosos era tirar do morro Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, sob ordens de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, que, mesmo preso em um presídio federal em Rondônia, continua comandando o tráfico na Rocinha. Esta quinta-feira (21) é o quarto dia consecutivo de operações do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) na favela.
“A vida tem sido complicada na Rocinha. Todos nós sabíamos da iminência da guerra e fundamentalmente nos preparamos para isso, nos preparamos fisicamente e logisticamente. Saindo mais cedo do trabalho, não indo trabalhar, não indo estudar, faltando compromissos importantes, deixando de frequentar lugares. O difícil é se preparar psicologicamente, isso pra mim, porque tem gente que se acostuma com o absurdo da guerra entre facções. Polícia e bandido, milícia… Eu não consigo me acostumar!”, diz ele, que não será identificado para evitar represálias.
Moradores relatam que policiais estão invadindo casas sem mandado judicial e revirando seus pertences desde segunda-feira (18) e que hoje ainda contam com agentes do BAC (Batalhão de Ações com Cães). Outro morador conta que cerca de dez policiais bateram na porta de sua casa, entraram, ordenaram que ele sentasse no chão e revistaram sua casa toda.
“Eu fiquei na sala enquanto uns estavam no meu quarto revistando, outros na cozinha, outros no quarto de cima e na laje. Depois que pediram meu documento, perguntou se eu tinha passagem pela polícia, respondi que não, e me indagaram sobre objetos pessoais que tenho”, conta o homem, que precisou mostrar algumas notas fiscais de objetos pessoais. “E isso aconteceu em dezenas de casas ao mesmo momento, muitos amigos com casas arrombadas, só não arrombaram a minha porque eu estava em casa. Depois pediram meu celular, pediram pra desbloquear a tela e ficaram olhando o conteúdo”, completa.
Outros relatam que tanto traficantes quanto policiais estão revistando celulares de moradores. “O tráfico e a polícia tão revistando celular de morador no morro. Todo dia a gente escuta tiro, está uma guerra. A gente não sabe a hora que pode sair de casa.. Agora, os bandidos estão expulsando quem fecha com o Nem das casas da Rocinha, mandando morador sair da favela. Aqui só fica quem apoia o 157”, conta um morador. “Aqui tá difícil. Não posso escrever nada no meu celular nem filmar. Eles estão passando o pente fino. Tem dias que a gente sai de casa e outros que a gente tem medo de passar pela porta”, disse outro.
Em decorrência das operações, ônibus chegaram a ser proibidos de circular na favela, veículos e casas foram perfurados por balas em meio ao tiroteio, estabelecimentos fecharam as portas e escolas suspenderam suas atividades. Faltou energia elétrica e água em grande parte da favela.
Na quarta-feira (20), em entrevista à TV Globo, o governador Luiz Fernando Pezão afirmou que sabia que haveria a invasão do tráfico na Rocinha no final de semana, mas que ele próprio vetou qualquer ação da polícia para evitar que inocentes fossem mortos.
Operações policiais também foram realizadas em outras favelas ontem, com o objetivo de “prender criminosos envolvidos na disputa do tráfico” na Rocinha, de acordo com a PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro). Na comunidade Chácara do Céu, no Leblon, e no Vidigal, houve operações de policiais do BAC (Batalhão de Ações com Cães). Policiais militares da CPP (Coordenadoria de Polícia Pacificadora) atuam em comunidades do bairro Estácio: São Carlos, Mineira, Querosene e Zinco, na zona central da cidade. E na Zona Oeste, o 14º BPM (Bangu) opera na Vila Vintém.
A reportagem questionou a Seseg (Secretaria de Segurança do Estado do Rio), por meio de sua assessoria de imprensa, sobre as operações na Rocinha. A pasta encaminhou à PMERJ os seguintes questionamentos feitos pela reportagem:
- Que forças policiais estão na Rocinha hoje além do Bope?
- Há relatos de invasões de casas de moradores sem mandado. Como a instituição se manifesta a esse respeito?
- Também há relatos de que tanto traficantes quanto policiais estão revistando os celulares de moradores da Rocinha. Como a instituição se posiciona a esse respeito?
- Que apreensões e detenções foram realizadas até o momento?
- Quantas mortes foram registradas desde domingo na favela?
Em nota, a PMERJ afirmou que, após confronto com criminosos na mata, foram apreendidos nesta quinta-feira (21) dois fuzis (um AK47 e um M-16), duas pistolas (uma 380 e uma 9mm) com kit roni em ambas, três granadas, quatro carregadores (dois de 7,62 e dois de 5,56), 55 munições de 7,62 e 5,56, 10 kg de maconha (em tablete), 180 pinos de cocaína, quatro tubos de lança perfume, 140 sacolés de erva seca e 01 rádio transmissor.
“Logo após, policiais da UPP Rocinha abordaram um veículo de carga na Estrada da Gávea, na altura do Umuarama, com um homem baleado no seu interior. Ele teria participado do confronto com policiais do BOPE e obrigado o motorista a socorrê-lo. Os policiais encaminharam o ferido ao Hospital Miguel Couto onde está sob custódia policial”, sustentou a instituição.
À Polícia Civil, a reportagem perguntou sobre o número de mortes registradas desde o final de semana até esta quinta-feira na Rocinha, se a DH (Divisão de Homicídios) foi acionada para apurar as circunstâncias das mortes e quantas pessoas encontram-se presas em decorrência das operações, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
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