Ex-legionário Cléber Pedrosa fugiu de campo de treinamento em Marselha.
Hoje ele é soldado da PM e pastor evangélico no Distrito Federal.
Hoje ele é soldado da PM e pastor evangélico no Distrito Federal.
Cléber Pedrosa se alistou na Legião Estrangeira em 2000 e fugiu da corporação quando estava em Marselha, em Paris (Foto: Arquivo Pessoal/Cléber Pedrosa)
O soldado da Polícia Militar e pastor evangélico Cléber Pedrosa, 37 anos, viveu momentos difíceis na Legião Estrangeira, em 2000, e se identificou com o caso do soldado brasileiro Josafá de Moura Pereira, acusado de matar quatro pessoas em Chade, na África, em 7 de abril deste ano. Deixando de lado as mortes -que nunca cometeu no período de 55 dias em que ficou na corporação internacional -, Pedrosa disse ao G1 que se iludiu com a expectativa de vida de um legionário e relatou casos de uso de drogas, consumo excessivo de bebida alcoólica e ameaça de morte na corporação controlada pelo governo francês.
Pedrosa é filho de um sargento reformado do Exército, teve formação educacional em escola militar no Distrito Federal e já fez parte do Corpo de Bombeiros. “Toda pessoa que tem algum histórico militar ouve histórias e tem interesse de conhecer de perto como é a Legião Estrangeira. Comigo não foi diferente”, disse o ex-legionário.
Ele afirmou que já atuava como soldado da Polícia Militar do Distrito Federal havia cinco anos, quando pediu para um procurador dar baixa da corporação. Este já seria o início do processo para deixar o país e seguir para o anonimato no exército internacional, em março de 2000. “Tinha uma série de problemas familiares e também tinha acabado um relacionamento.”
Uma filha, com cerca de dois anos, e um recém-nascido foram deixados para trás pelo soldado brasileiro, que tinha 29 anos quando atravessou o oceano para desembarcar na França. “No quartel, recebi o nome de batismo na corporação: Luis Planthy. Tive pouco tempo para decorar meu novo nome e também o nome de meus ‘novos pais’ e me acostumar com a ideia de ser um cidadão francês “, disse Pedroza.
CÓDIGO DE HONRA DO LEGIONÁRIO | |
ARTIGO 1 - Legionário, tu és um voluntário servindo a França com honra e lealdade. | |
ARTIGO 2 - Cada legionário é o teu irmão de arma seja qual for a sua nacionalidade, a sua raça, a sua religião. Tu manifestarás sempre a estreita solidariedade que une os membros de uma mesma família. | |
ARTIGO 3 - Respeitador das tradições, fiel aos teus chefes, a disciplina e camaradagem são a tua força, o valor e a lealdade tuas virtudes. | |
ARTIGO 4 - Fiel do seu estado de legionário, tu o mostrarás na tua farda sempre elegante, teu comportamento sempre digno mas modesto, teu aquartelamento sempre limpo. | |
ARTIGO 5 - Soldado de elite, tu treinas com rigor, cuida da tua arma como teu bem mais valioso, cuida permanentemente da tua forma física. | |
ARTIGO 6 - A missão é sagrada. Tu a executas até o fim, no respeito das leis, dos costumes da guerra, das convenções internacionais e se for necessário, ao perigo da tua vida. | |
ARTIGO 7 - No combate, tu agis sem paixão e sem ódio, tu respeitas os inimigos vencidos, nunca abandonas nem os teus mortos, nem os teus feridos, nem as tuas armas. |
Bucha de canhão
Como Luis Planthy, o brasileiro lavou roupas, pintou o quartel e ainda limpou o mato do prédio. Durante uma semana, ele esperou os demais homens que integrariam posteriormente o seu "pelotão". Aos poucos, ele percebeu que teria dificuldades de permanência na corporação. "Logo de cara eu fui proibido de usar um crucifixo. Eles alegaram que, na Legião Estrangeira, a religião era o companheiro de front. Nada mais", disse o ex-legionário.
Ele disse que seguiu para Marselha (França), onde continuou o processo de seleção. "Fiz avaliações física, mental, médica, psicotécnica e ainda passei por uma entrevista com o comandante. Fui aprovado e recebi meu enxoval completo", disse.
Os próximos 20 dias seriam de treinamento de campo, com caminhadas que poderiam chegar a 30 quilômetros na mata, em dois dias. "Fizemos treinamento de tiro com fuzil e pistola e uso de granadas. Aprendemos a falar um pouco de francês na marra. Foi aí que a ficha caiu", disse Planthy.
O brasileiro afirmou que percebeu que estava sendo treinado para morrer. "Éramos como bucha de canhão. Eu já tinha experiência militar e tinha uma visão mais aprimorada sobre o que estava acontecendo. Nós seríamos enviados para o front de batalhas e de guerras. Seríamos descartáveis e, então, pedi para sair."
Luis Planthy queria voltar a ser Cleber Pedroza, mas isso não foi possível mesmo após a primeira tentativa de fuga. Ele aproveitou uma comemoração típica dos militares franceses e escapou quando o quartel foi aberto à visitação. "Consegui roupas civis, mas ainda estava com o coturno da Legião, além da cabeça raspada. Fui capturado por policiais rodoviários franceses em uma estrada. Fiquei preso por uma semana."
Ameaça de morte, drogas e bebidas
Depois de cumprir a punição pela tentativa de fuga, Planthy percebeu que voltar a ter a identidade brasileira seria mais difícil do que imaginava. Ele conseguiu escapar, após pular a cerca do quartel, em 17 de maio de 2000. "Um dos meus comandantes ameaçou cortar meu pescoço se tentasse fugir de novo. Antes de fugir, vi um ucraniano ser preso por consumir maconha no quartel. O consumo de bebida alcoólica entre os legionários é bastante grande também. Tudo isso acaba em prostituição. Muito homem junto e longe da família acaba nisso", disse o então cidadão francês.
Planthy seguiu para a Espanha, onde consegui ajuda de um cubano, em 18 de maio daquele ano. "Ele me ajudou com dinheiro para arrumar meus documentos. Procurei a Embaixada Brasileira na França, onde consegui autorização para voltar ao Brasil. Não informei que era fugitivo da Legião. Sai da França trazendo apenas uma cicatriz de um ferimento no meu punho". Luis Planthy voltou a ser Cleber Pedrosa.
Da deserção ao evangelho
Assim que chegou ao Brasil, Pedrosa se apresentou ao comando da Polícia Militar do Distrito Federal, onde ficou preso por deserção durante um ano. "O meu processo de reintegração à corporação demorou dois anos. Por sorte, quando estava em Marselha, consegui ligar para o Brasil e pedir para meu procurador não seguir com o pedido de baixa na corporação militar", disse o ex-legionário.
Ele se casou com a antiga namorada, que não é a mãe de seus dois filhos, em 2002. "Ela me contava que eu tive pesadelos horríveis durante os três primeiros dias no Brasil", disse Pedroza.
Hoje, além de seguir na Polícia Militar, ele atua como pastor evangélico da Igreja Rosa de Sharon. "Todos que me conhecem, sabem de minha história. Já fui procurado por um ex-militar do Expército brasileiro para saber como entrar na Legião. Consegui fazê-lo desistir da ideia."
Sobre o caso do brasileiro Josafá, Pedroza disse que acredita que o legionário esteja passando por um momento de estresse. "Nós, que somos militares, costumamos brincar no limite extremo das pessoas. Ele deve estar passando dificuldades com o calor e com a atuação da Legião em Chade. Infelizmente aconteceu isso. Espero que ele esteja bem".
Outro lado
A Embaixada da França no Brasil foi procurada pelo G1 para comentar a participação de brasileiros na Legião Estrangeira, mas a assessoria de imprensa disse que não teria informações para passar, recomendando apenas dois endereços na web para obter dados sobre a corporação francesa.
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