Delegado teve US$ 194 milhões em conta do HSBC na Suíça
Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira é aposentado e virou empresário no ramo da segurança
Cento e noventa e quatro milhões e novecentos mil dólares. Este é o saldo que, segundo planilhas do HSBC da Suíça, constava na conta relacionada ao delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo e empresário do ramo de segurança Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira entre 2006 e 2007. Mesmo com esse valor no banco em Genebra — o que faz dele um dos dez brasileiros com mais dinheiro na instituição —, Oliveira não abriu mão de brigar na Justiça por uma aposentadoria mais robusta. Nos últimos anos, entrou com pelo menos oito ações para pedir revisão de seus vencimentos. Ganhou parte delas e recorre naquelas em que perdeu. De acordo com o site de transparência do governo de São Paulo, ele recebe R$ 10 mil líquidos pelos serviços prestados à Polícia Civil.
Levantamento feito pelo GLOBO, em parceria com o UOL, encontrou o delegado aposentado e outros quatro servidores públicos ou de concessionárias de serviços públicos na lista de 8.667 correntistas do HSBC da Suíça. São eles um inspetor da Polícia Civil do Rio, um engenheiro da Secretaria Municipal de Obras carioca, um conselheiro da concessionária do Aeroporto de Cabo Frio e um ex-diretor da antiga concessionária do metrô do Rio, a Opportrans. Todos os citados que foram localizados negaram ter contas no banco suíço, assim como qualquer irregularidade financeira. Oliveira não retornou os pedidos de entrevista.
Ao longo de sua carreira, Miguel Oliveira foi delegado-assistente do Departamento de Polícia Judiciária (Decap), órgão responsável pelas 93 delegacias da capital paulista. Como parte de seu trabalho, chegou a ser enviado a Miami e a Nova York para conhecer algumas experiências de combate ao crime organizado. (Participam da série sobre o SwissLeaks os jornalistas Fernando Rodrigues e Bruno Lupion, do UOL)
Delegado ligado a três empresas offshores
Segundo levantamento feito nos documentos do HSBC da Suíça, Oliveira aparece relacionado a duas contas sigilosas, identificadas por um número. A primeira foi aberta no dia 10 de novembro de 2005, e a segunda, em 29 de dezembro daquele ano. Em 2006/2007, as duas estão ligadas a três empresas offshores, que não apareciam relacionadas a mais ninguém dentro do banco. Trata-se da Hollowed Turf, com endereços na Suíça, em Liechtenstein, Ilhas Virgens Britânicas e Seychelles, da Hallowed Ground Foundation e da Springside Corporation.
Em 1998, uma reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” mostrou como o delegado, que ainda estava na ativa, começou a constituir seu patrimônio a partir de negócios relacionados a seu ofício. Dono de duas empresas privadas de segurança (Vanguarda Segurança e Vigilância e a Nacional), ele passou a ter uma rotina de luxo, que incluía um apartamento de alto padrão no bairro dos Jardins, segundo a “Folha”.
Além de delegado e empresário da segurança, Oliveira também teve incorporadoras. Entre 1994 e 2003, foi dono de pelo menos três: a MGPO, que fazia “locação, arrendamento, loteamento e incorporação de imóveis”, a Ibiuna Marina Golf Club, que construiu condomínios de luxo em Ibiúna (SP) e a Esplanada Pinheiros Empreendimentos Imobiliários. Em 2011, migrou para o setor de limpeza, fundando a Interativa Service.
Oliveira também tem também muitos imóveis em seu nome. Em São Paulo são pelo menos cinco, segundo pesquisa feita em cartórios da cidade e na Junta Comercial. Um de seus apartamentos fica no prédio da senadora Marta Suplicy no Jardins e é justamente o endereço que aparece nos documentos do HSBC. O imóvel tem 633 metros quadrados e cinco vagas na garagem. Há 12 anos, custou-lhe R$ 1,1 milhão.
Em 2010, o ex-delegado informou à Junta Comercial de São Paulo um endereço na vila suíça de Montagnola, que fica perto da fronteira da Itália. Entre 2010 e 2012, Oliveira morou lá.
O ex-delegado ainda tem em seu currículo a fundação da ONG SOS Itupararanga, da qual é conselheiro. Criada em 2000, em Ibiúna, ela tem por objetivo preservar a represa e “ajudar no desenvolvimento sustentável da região”.
Pelo menos mais um policial aposentado foi encontrado nas planilhas do HSBC: o inspetor da Polícia Civil do Rio Fernando Henrique Boueri Cavalcante. Segundo registros oficiais, ele ingressou na corporação em 1982 e se aposentou há dois anos, como inspetor de quarta classe, o que antigamente era conhecido como detetive. De acordo com o Sindicato dos Policiais Civis, um agente deste tipo recebe em torno de R$ 5 mil por mês ao fim de sua carreira. A conta relacionada a ele no banco de Genebra foi aberta em 11 de abril de 2000, e o saldo, em 2006/2007, era de US$ 697 mil.
No Rio, outros quatro casos investigados
Mauro Chagas Bonelli é outro servidor que surge na lista do HSBC. Desde 1986, ele consta como servidor da Secretaria de Obras da Prefeitura do Rio. Ao longo de sua carreira, participou da construção da Linha Amarela e do Parque de Madureira. Entre 1997 e 2000, foi coordenador geral de obras da cidade. Em 2013, trabalhou na reurbanização do entorno do Maracanã, com vistas à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos. Naquele ano, concluiu mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental na PUC-Rio, com uma dissertação intitulada “Sustentabilidade em Obras Públicas: O Caso do Parque Madureira”.
Nos registros do HSBC, Bonelli aparece relacionado a uma conta numerada que foi aberta no dia 14 de dezembro de 1999 e que, em 2006/2007, tinha US$ 105 mil.
Murilo Siqueira Junqueira foi presidente da Flumitrens entre 1995 e 1998. Logo depois, Junqueira passou a trabalhar na operadora Costa do Sol, concessionária que até hoje administra o aeroporto de Cabo Frio. Formada por empresários que passaram por diversas empresas públicas do estado, a Costa do Sol ganhou a concessão do aeroporto por 22 anos a partir de 2001. Junqueira foi presidente do conselho e presidente executivo do grupo. Hoje atua como conselheiro da Costa do Sol.
Nas planilhas do HSBC, ele aparece associado a duas contas numeradas. A primeira foi aberta em 30 de abril de 2003 e ficou ativa até 22 de dezembro de 2003. A segunda foi aberta em 14 de março de 2003 e, em 2006/2007, tinha US$ 895 mil.
Hamilton de Souza Freitas Filho foi diretor administrativo e financeiro do Consórcio Opportrans, que era encabeçado pelo Grupo Opportunity. Em dezembro de 1997, o Opportrans adquiriu, na Bolsa de Valores do Rio, o direito de explorar o serviço metroviário da capital fluminense. O nome de Freitas Filho surge nas planilhas do HSBC relacionado a uma conta numerada que foi aberta em setembro de 1989 e que, em 2006/2007, tinha um saldo de US$ 10,2 milhões.
Ex-delegado não comenta; citados negam conta
Todos os servidores públicos ou de concessionárias de serviços públicos localizados pelo GLOBO negaram ter conta no HSBC da Suíça e ter cometido qualquer irregularidade.
Ao longo da última semana, a reportagem tentou ouvir o delegado Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira. Débora Monte Biltge, advogada que o defende nas ações relativas ao valor de sua aposentadoria, disse que tentaria entrar em contato com ele e que lhe repassaria as perguntas sobre o HSBC da Suíça. Ela, no entanto, não retornou até a conclusão desta edição. No telefone que consta associado ao nome de Oliveira, atendeu Cláudia Gomes Lima e Oliveira, que se identificou como sendo sua mulher. Ela também informou ao GLOBO que repassaria ao delegado o pedido de entrevista sobre as contas registradas no HSBC, mas não retornou até a publicação da reportagem. Na ONG SOS Itupararanga, foi deixado um recado para Oliveira, e na empresa de segurança Vanguarda, um atendente informou que o responsável por atender aos jornalistas não estava disponível.
O inspetor aposentado Fernando Henrique Boueri Cavalcante não foi localizado. As assessorias de imprensa da Polícia Civil e do Sindicato dos Policiais Civis informaram não ter nenhum contato do agente. Também não há disponível na internet qualquer referência ao endereço ou telefone do servidor.
Por e-mail, o engenheiro Mauro Chagas Bonelli disse que acredita que exista algum equívoco, pois nunca teve conta na Suíça. A Secretaria Municipal de Obras do Rio, por sua vez, informou que Bonelli “está sendo afastado de suas funções de chefia até que os fatos sejam apurados e esclarecidos”.
Murilo Siqueira Junqueira, conselheiro do grupo que administra o aeroporto de Cabo Frio, disse, por telefone, que desconhece qualquer registro em seu nome no HSBC da Suíça. Ele afirmou ainda que a empresa Costa do Sol tem contas nas filiais brasileira e nova-iorquina do banco, nas quais chegou a fazer financiamentos. Apesar disso, Junqueira disse nunca ter sido informado sobre qualquer transação feita em seu nome ou da empresa em que trabalha com a filial suíça da instituição.
Hamilton de Souza Freitas Filho foi procurado através do telefone do escritório de advocacia que consta no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nele, a secretária informou que Hamilton mora atualmente em Portugal e passou um e-mail de contato. A reportagem enviou perguntas sucessivas ao longo dos últimos dias, mas não obteve retorno.
Detalhes dos depósitos
Miguel Gonçalves Pacheco e Oliveira: Delegado aposentado da Polícia Civil de São Paulo e um dos dez brasileiros com maior saldo no HSBC em 2006/2007.
Contas: 1. Hallowed Turf Assets Limited
Aberta em 29/12/2005
Valores (2006-2007): US $ 92.417.122
2. Springside Corporation
Aberta em 10/11/2005
Valores (2006-2007): US$ 102.562.192
Hamilton de Souza Freitas Filho:Ex-diretor administrativo e financeiro da Opportrans, concessionária que foi responsável pelo Metrô Rio de Janeiro até 2009.
Conta: Aberta em 8/9/1989
Valores (2006-2007): US $ 10.223.451
Fernando Henrique Boueri Cavalcanti: Inspetor aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Conta: Aberta em 11/4/2000
Valores (2006-2007): US $ 697.686
Murilo Siqueira Junqueira: Ex-presidente da Companhia Fluminense de Trens (Flumitrens) e da Costa do Sol, concessionária que administra o aeroporto de Cabo Frio.
Contas: 1. Aberta em 14/03/2003
Valores (2006-2007): US $ 895.911
2. Aberta em 30/04/2003 e Fechada em 22/12/2003
Valores (2006-2007): US $ 0
Mauro Chagas Bonelli: Engenheiro da Secretaria Municipal de Obras do Rio de Janeiro.
Conta: Aberta em 14/12/1999
Valores (2006-2007): US $ 105.360
Valores no exterior devem ser declarados
De acordo com a legislação brasileira, enviar e manter dinheiro no exterior não é necessariamente um crime. Isso só acontece quando o contribuinte não declara à Receita Federal e ao Banco Central que mantém valores fora do país.
Nesse caso, o cidadão brasileiro pode ser processado por evasão de divisas e por sonegação fiscal. Se tiver cometido outro crime anteriormente, também pode acabar respondendo a processo por lavagem de dinheiro.
Por suspeitar da origem dos recursos depositados no HSBC na Suíça, a Receita, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Polícia Federal e uma comissão parlamentar de inquérito aberta no Senado já investigam o caso. A suspeita se deve, sobretudo, ao fato de as contas de Genebra serem numeradas, e os clientes, identificados apenas por um código alfanumérico.
Desde o dia 8 de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), composto por 185 jornalistas de mais de 65 países, publica reportagens com base nas planilhas vazadas em 2008 pelo ex-técnico de informática do banco Hervé Falciani. No Brasil, a apuração é feita com exclusividade pelo GLOBO e UOL, que, no curso do trabalho, localizaram quatro correntistas que mantiveram valores na Suíça de forma legal, declarando-os às autoridades brasileiras.
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