Depois de manifestação e violência policial, BNDES promete criar cláusulas sócio-ambientais
Atualizado em 26/03/08 20:39
Trabalhadores rurais e representantes de movimentos sociais realizaram ato no BNDES para cobrar a alteração da ordem de prioridades no financiamento rural
Image
Dezenas de trabalhadores rurais e representantes de movimentos sociais realizaram ato na frente do BNDES, no Centro do Rio, para exigir a alteração da ordem de prioridades nos financiamentos do banco estatal, que vem privilegiando o agronegócio e grandes empresas privadas. Depois de alguns manifestantes serem agredidos pela Polícia Militar, a comissão do ato conseguiu ser recebida pela direção do BNDES e garantir a criação de cláusulas sócio-ambientais para os financiamentos do banco, a não liberação de um bilhão de reais para Aracruz Celulose e a criação de um grupo de trabalho de agricultura ambiental e meio ambiente.
Os manifestantes só foram recebidos às 13h30, depois de mais de três horas em frente ao banco, pelo diretor da área social, Elvio Gaspar, e o de administração, Maurício Lemos, ambos do Conselho de Crédito (onde se define a política de financiamento), além de Ricardo Henrique, chefe de gabinete da presidência do BNDES. A comissão do movimento, com representação do MST, Contag, Fetag, Fetaeng, MTL, Rede Alerta, grupo de quilombolas e de caciques, apresentou a pauta de reivindicações. Fizeram questão de enfatizar que o banco é co-responsável, inclusive criminalmente, por tudo aquilo que financia. A favelização das cidades, subemprego, rede de prostituição, desmatamento, poluição e destruição ambiental causados por empreendimentos apoiados financeiramente pela instituição, também são de responsabilidade dela.
Image
BNDES assume compromissos
O dinheiro público, através do BNDES, está concedendo financiamentos bilionários às monoculturas predatórias de eucalipto e cana de açúcar, que promovem grande desastre ecológico e avançam, cada vez mais, sobre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia. Apresentada essa análise, a direção do banco assumiu alguns compromissos. O primeiro foi de construir cláusulas sócio-ambientais para nortear os financiamentos públicos. Caso as cláusulas não sejam respeitadas, a liberação dos recursos pode ser paralisada no meio da obra.
A segunda questão tratada foi a exigência do movimento de que não fosse liberado o 1 bilhão de reais solicitado pela empresa Aracruz Celulose para sua instalação no estado do Rio de Janeiro. Os diretores do BNDES garantiram que não há pedido formal algum sobre isso no Comitê de Crédito e sendo assim, não há qualquer solicitação da Aracruz em processo de análise. Eles disseram que é comum uma empresa anunciar na mídia esse tipo de coisa para agregar novos financiadores. A ressalva feita é que, no máximo, eles podem ter entrado com uma carta consulta pela internet. Isso, os diretores presentes na reunião não puderam confirmar e prometeram desfazer essa dúvida até a próxima semana.
Image
O último ponto apresentado pelos representantes do banco foi o compromisso com a redução das restrições de financiamento às associações populares e a criação de um grupo de trabalho de agricultura familiar e meio ambiente. A constituição desse grupo foi comemorada pelos manifestantes, pois em toda a história do BNDES essa é apenas a terceira vez que a instituição financeira estabelece um canal direto de comunicação com o movimento social. A primeira reunião dessa comissão foi marcada para a próxima sexta-feira, 4 de abril, às 10h, no BNDES.
Image
Devido ao avançar da hora, o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a lei do que favorece os interesses econômicos da Aracruz Celulose, segunda atividade prevista pelo movimento para essa quarta, ficou para amanhã (27 de março). Essa lei do Governo Sérgio Cabral autoriza o plantio de eucalipto em larga escala, sem obrigatoriedade do licenciamento ambiental.
- O texto da ação já está pronto. Mas como o dia hoje foi bastante desgastante e precisamos seguir alguns processos burocráticos, daremos entrada nessa quinta na ADIN. – avisa o ambientalista e integrante da Rede Alerta contra o Deserto Verde, Sérgio Ricardo, que conclui: “Vamos seguir batendo na tecla junto ao BNDES e mostrando que eles poderão ter uma grata surpresa ao investir na agricultura familiar, pois essa não agride a natureza e gera muito mais emprego que o agronegócio.”
Polícia agride trabalhadores do campo
Image
Por volta de meio-dia, a polícia mostrou sua face mais repressora. Trabalhadores do campo se reunem para montar o fogão e demais utensílios do almoço, quando os guardas da Polícia Militar aparecem para apreender os bujões de gás. Militantes do MST resistem, alegando que apenas providenciavam a alimentação do grupo. Os policiais então elevam a violência na abordagem. Desferem golpes de cassetete e disparam gás de pimenta. Nessa confusão, Marcelo Luiz Souza, 25 anos, coordenador da região sul do MST-RJ, foi seguro e levado para dentro do BNDES. No mesmo momento, toda a manifestação se voltou para a frente da porta onde Marcelo encontrava-se retido. Aos gritos de “solta, solta!”, iniciou-se um processo de diálogo para liberação do sem-terra. As falações passaram a se suceder com mais ênfase, os gritos subiam o tom e os participantes se agitavam mais. Foi quando ouviu-se um rotundo e esfuziante som de aclamação dos presentes, comemorando a soltura do jovem militante, que tranqüilizou a todos dizendo não ter sido agredido.
Image
Manifestar sua indignação contra a destruição do solo, da natureza. Exigir o fim do favorecimento aos capitalistas do agronegócio e apoio ao cultivo familiar e à reforma agrária. Era apenas isso que buscava o povo ali presente, perplexo com a violência do estado. Mesmo com toda a opressão, uma palavra de ordem repetida diversas vezes na atividade foi plantada no coração dos que passaram em frente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social: “Agronegócio só traz pobreza. Propomos para o mundo a agricultura camponesa.”
Fonte: Agência Petroleira de Notícias (www.apn.org.br)
Image
.
Abaixo segue a Carta distribuída durante a atividade:
CARTA ABERTA À POPULAÇÃO E PROPOSTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS PARA O BNDES
Os Movimentos sociais, sindicais e organizações que promovem este ato público, vêm denunciar e cobrar providências para que terminem os impactos provocados por projetos e empreendimentos industriais financiados pelo BNDES em benefício da indústria de celulose, do etanol, do latifúndio e do agronegócio.
Estamos absolutamente conscientes da necessidade de alteração nos rumos do desenvolvimento do governo brasileiro, ancorado hoje nas grandes monoculturas, no agronegócio e na produção de insumos semi-elaborados para a exportação.
Este modelo agro-exportador além de não romper com a inserção subordinada do país na divisão internacional do trabalho, representa uma insustentável exploração dos recursos naturais, além de desestruturar a agricultura familiar e camponesa e de expropriar os povos tradicionais (povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais etc.) dos meios necessários a sua conservação.
Atualmente, o BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - opera como o principal financiador de longo prazo do desenvolvimento brasileiro, e é, portanto, co-responsável por este modelo predatório vigente. Ao financiar projetos impactantes e destruidores do meio ambiente e que tem servido para aumentar a pobreza no campo e a exclusão social, que tem contaminado o solo, as águas e trabalhadores(as) com agrotóxicos, o BNDES passa legalmente a ser sócio da poluição que financia!
Em razão disso, as organizações e movimentos aqui representados exigem do Banco uma radical e profunda reorientação de sua política operacional em favor do financiamento de um desenvolvimento voltado para a desconcentração da riqueza, especialmente para a produção familiar e camponesa no campo. Ao mesmo tempo, exigem que o BNDES não financie os investimentos que a empresa Aracruz Celulose pretende realizar no estado do Rio de Janeiro onde, inclusive, já foi anunciado apoio público, via imprensa, do Governador Sérgio Cabral (PMDB) a pedido de financiamento da poluidora Aracruz Celulose de mais de R$ 1 bilhão do BNDES.
A instalação desta empresa multinacional em terras Fluminenses, no ano de 2007, foi patrocinada pelo governo do Estado, que expediu uma lei inconstitucional autorizando sua instalação, a qual está sendo realizada em terras destinadas à agricultura familiar e à reforma agrária.
Os recursos públicos administrados pelo BNDES não podem ser utilizados sem critérios técnicos e legais e desrespeitando a legislação ambiental em vigor, violando flagrantemente o Princípio da Precaução reconhecido internacionalmente e em plena vigência em nosso país, em favor de uma irresponsável e destruidora expansão dos monocultivos predatórios de eucaliptos (produção de celulose), e de cana-de açúcar (produção de etanol), e assim mantendo inalterado o poluidor e colonialista modelo exportador de matérias-primas, lamentavelmente ainda adotado pelo governo brasileiro.
Além da crítica contundente ao atual modelo econômico capitalista vigente no país, também estamos apresentando à Direção do BNDES uma pauta de reivindicações elaborada pelos movimentos sociais rurais e urbanos para assegurar maior investimento público que atenda às legítimas demandas dos pequenos agricultores familiares e dos assentamentos da reforma agrária, que apesar de serem responsáveis pela produção da maioria dos alimentos consumidos nas cidades brasileiras e gerarem trabalho e renda para milhares de famílias, dificilmente conseguem ter acesso a esses recursos públicos, oriundos de impostos e contribuições sociais pagas pela população trabalhadora brasileira.
Queremos:
- A abertura de linha permanente de investimento do BNDES para a Agricultura Familiar com cronograma definido, para financiamento e apoio a projetos e Políticas Públicas, tais como:
- Construção de agroindústrias de pequeno e médio porte sob gestão dos assentamentos e agricultores familiares organizados em associações e cooperativas de produção;
- Investimentos em pesquisa e tecnologia na área de Agroecologia;
- Implantação de programas de fomento ao ensino rural e estruturação de escolas agrícolas agro-ecológicas nos principais municípios agrícolas.
- Apoio ao cooperativismo agrícola e a implantação de empreendimentos cooperados.
- Desenvolvimento de programas de recuperação das áreas degradadas e das matas ciliares (principalmente aquelas degradadas por projetos industriais financiados pelo próprio BNDES);
- Investimentos em infra-estrutura para a produção agrícola de gêneros alimentícios saudáveis.
- Apoio à construção de micro-usinas para produção de agro-combustíveis á partir óleo vegetal, dentro da diversidade da produção, visando a soberania energética para os agricultores.
- Financiamento de projetos e programas destinados à reconversão das terras indígenas que foram retomadas por decisão da Justiça Federal da Aracruz Celulose, em Aracruz/ES, com base em sistemas produtivos agro-florestais, do cooperativismo e da Economia Solidária.
- Realização de Auditorias Sócio-Ambientais independentes (a serem realizadas por universidades e centros de pesquisa públicos, etc) em todos os empreendimentos financiados pelo BNDES, com garantia de publicização destes estudos e compromisso de reparação dos impactos provocados, bem como seu envio para tomada de providências por parte dos Ministérios Públicos Estadual e Federal (Procuradoria Geral da República).
- Exige-se que o BNDES se comprometa a realizar audiências públicas com a população dos territórios e nos municípios e regiões onde se prevê a implantação de grandes projetos privados financiados ou em via de financiamento pelo Banco.
Assinam:
Rede Alerta contra o Deserto Verde Fluminense e do Espírito Santo – CONTAG - Via Campesina - MST/RJ - FETAG/RJ e S indicatos Rurais - MTL - Sindipetro/RJ - Ibase - entidades da Plataforma BNDES - Rede Brasileira de Justiça Ambiental - VERDEJAR-Proteção Ambiental e Humanismo - AS-PTA - Bicuda Ecológica - Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB-RJ) - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) - Grupo de Agricultura Ecológica (GAE)/UFRRJ - Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida do Povo Trabalhador da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba - FEAB-Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - CEDRO (Cooperativa de Consultoria, Projetos e Serviços em Desenvolvimento Sustentável Ltda) - Central de Movimentos Populares (CMP) - Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola - Omar Serrano, Ambientalista Niterói (RJ), Virginia Fontes, Historiadora.
http://www.apn.org.br/apn/index.php?Itemid=48&id=248&option=com_content&task=view
Nenhum comentário:
Postar um comentário