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domingo, 19 de fevereiro de 2023

"Estou aterrorizada", diz advogada agredida por PMs

 Mulher negra de 29 anos, que fumava cigarro de palha, recebeu chutes e tapas e foi vítima de estupro por parte dos policiais, no condomínio onde mora, em Contagem. OAB-MG cobra providências do comando da PM


Por Lucas Simões

 

As dores que a advogada Sandra*, de 29 anos, sente pelo corpo podem durar até três meses, segundo os médicos. Mas as violências que ela sofreu na última semana, ao ser agredida por três policiais militares e abusada sexualmente por um deles, dentro do condomínio onde mora, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, não têm tempo para cicatrizar.

“Não tem como explicar o ódio com o qual fui tratada. E eu estou aterrorizada”, disse a advogada, em entrevista ao O Beltrano. Ela está há uma semana fora de casa com a filha de 7 anos por medo de um retorno dos policiais.

Na terça-feira (28/11), a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG) ouviu a vítima e decidiu denunciar o cabo Renato Pereira da Silva, o soldado Raphael Lucas de Oliveira e o sargento Reinaldo Magalhães Marques por agressão, estupro e racismo, com base no depoimento da vítima e do advogado que a acompanhou na delegacia. Os três policiais são lotados na 26ª Companhia do 39ª Batalhão de Polícia Militar em Contagem.

 

O caso aconteceu no dia 22/11, uma quarta-feira, em um condomínio do bairro Eldorado. Segundo o boletim de ocorrência, a PM foi chamada por volta das 11h para atender a reclamação do síndico do prédio sobre “divergências entre vizinhos”. A advogada diz que estava colhendo acerolas na área comum do edifício quando viu a viatura da PM e resolveu checar o que acontecia.

“Eu subi em casa, troquei de roupa e fui ver o que estava acontecendo porque já tive desentendimentos com o síndico e pensei que pudesse ser algo (relacionado a isso). Me apresentei como moradora do prédio e perguntei se estava tudo bem. Eu estava fumando um cigarro de palha na área aberta. Quando fui falar com os policiais, um deles, o cabo Renato, mandou que eu apagasse o cigarro para conversar com ele. Eu disse que não tinha necessidade e ele simplesmente veio para cima de mim com o dedo em riste”, relata a advogada.

Segundo a denúncia feita por Sandra*, o cabo Renato acertou um tapa no lado direito de seu rosto que a jogou no chão e, logo em seguida, os outros dois militares, soldado Raphael e sargento Reinaldo, ajudaram a imobilizá-la. “Eles me colocaram de bruços, me algemaram, pisaram nos meus braços, chutaram meu corpo. Um deles, o mais gordinho, passou a bota entre as minhas pernas e pelo meu corpo. E esfregou os quadris dele em mim. Eu pedi várias vezes para parar e ele só ria”, disse a advogada. “Eu ainda fui arrastada pela área comum do prédio à força, antes de ficar quase meia hora num camburão, exposta na porta do meu condomínio”, disse Sandra*.

No boletim de ocorrência os militares justificam a prisão da vítima por “desacato”. Eles alegam que ela se referiu aos policiais como “vermes”. “Eu realmente disse isso uma vez, mas já estava no chão, sendo agredida, presa e abusada. Eles queriam o que?”, completa a vítima.

A advogada foi encaminhada para a Delegacia de Plantão de Contagem, onde passou mais de dez horas. Ela e os militares foram ouvidos pelo delegado Daniel de Carvalho Isidoro, que abriu investigação sobre o caso. A vítima só foi liberada da delegacia por volta de meia-noite e, ainda assim, foi conduzida contra a sua vontade numa viatura da Polícia Militar para o Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte, onde realizou exame de corpo de delito que comprovou as agressões. “Além do inchaço no rosto, pernas e braços ralados e doloridos, um nervo da minha mão esquerda inflamou. Fui ao médico de novo, que me disse que pode ficar assim até por três meses. Está completamente dormente”, disse a vítima.

O advogado Fábio Costa Silva, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, que acompanhou o caso, disse que a vítima também teve o direito a um advogado negado . “Eu mesmo ia levá-la para o IML, mas os militares não deixaram. Tive que ir acompanhando a viatura no meu carro. Isso é mais uma violação que a vítima sofreu. Ela também solicitou advogado quando estava sendo presa, reafirmou que era advogada, e os policiais disseram que ela não estava em exercício da advogacia no momento e que ela não teria esse direito. O que é um absurdo”, disse Fábio.

Dormindo fora de casa há uma semana, a advogada está sem trabalhar e sequer conseguiu levar a filha de 7 anos para a escola nesse período. Ela ainda conta que a criança ouviu toda a confusão e as agressões do apartamento no sexto andar. “Os policiais ainda tentaram entrar na minha casa e tirar minha chave à força. Duvidaram que eu tinha filha. Mas eu gritei tanto para ela não abrir a porta que ela ficou com medo e não abriu. Agora, eu é que tenho medo de voltar para casa”, disse.

A denúncia completa, elaborada pela OAB-MG contra os policiais militares, será encaminhada ao comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Helbert Figueiró de Lourdes, ao Secretário de Estado de Defesa Social, Sérgio Barboza Menezes, ao governador Fernando Pimentel (PT), à Ouvidoria Geral da Polícia, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e à Corregedoria da Polícia Militar.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, Willian Santos, os policiais serão denunciados por tortura, estupro, racismo e lesão corporal, proporcionalmente à atuação de cada um deles no caso. “O que houve foi um conjunto de agressões. A vítima também relata que, antes de ser agredida, chegou a estender a mão para um dos policiais e ele se recusou a cumprimentá-la. Houve uma postura nítida de racismo, inclusive na delegacia, onde a advogada foi filmada por policiais que debocharam dela e duvidaram que ela pudesse ser advogada. Nós exigimos providências proporcionais a esses policiais agressores”, disse Willian.

A reportagem tentou contato com o major Nilton, comandante da 26ª Companhia do 39º Batalhão de Polícia Militar e superior direto dos policiais acusados, mas não conseguiu localizá-lo até a publicação da matéria.

Leia abaixo a denúncia completa da OAB, publicada com exclusividade por O Beltrano


 

https://www.obeltrano.com.br/portfolio/estou-aterrorizada-diz-advogada-agredida-por-pms/

1 comment
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Sonia Mera
Meu Deus, estou estupefada de indignação. Os policiais hoje em dia acham que estão acima da Lei. O caso só vai ganhar repercussão porque se trata de um integrante de uma classe atuante e, os casos omissos, as demais pessoas que sofrem com tudo isso, racismo, preconceito, direitos violados. Nossa! Ao invés de evoluirmos com a história e obtermos um aprendizado, estamos regredindo. Cadê nossos direitos humanos?
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