Francis Maia - MTE 5130
19/10/2022
15:33
Celso Bender
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu audiência pública na manhã desta quarta-feira (19) para apurar com as autoridades do comando da Brigada Militar as denúncias a respeito de abusos nas rotinas dos policiais militares tanto do policiamento ostensivo, das escalas de trabalho e dos cursos de capacitação. O tema foi solicitado pela deputada Luciana Genro (PSOL).
Na coordenação da audiência, a deputada Luciana Genro encaminhou os questionamentos ao comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli. Das inúmeras denúncias recebidas, a parlamentar apontou as restrições aos policiais militares que estão fazendo o policiamento ostensivo nas ruas, a chamada “operação visibilidade”, pelo período de 6 ou 8 horas diárias em pé, com mais de dez quilos de equipamentos de proteção individual (colete à prova de balas, arma letal, dois carregadores, arma de incapacitação neuromuscular e em alguns casos, o bastão policial e um fuzil ou arma longa), sozinhos e orientados para permanecer todo o tempo fora da viatura, impossibilitados de alimentação ou deslocamentos para uso de banheiros. Há casos de policiais que precisaram urinar em garrafas para não descumprir a rotina e reclamação em relação aos dias de frio ou calor intenso, quando ficam desprotegidos, e dificuldades para hidratação.
Outras alegações tratam da jornada de trabalho que sofre alterações num curto espaço de tempo e afeta o período de folga dos policiais ou agendamento de consultas médicas, assim como os treinamentos ostensivos que utilizam o spray de pimenta diretamente no rosto dos brigadianos e também as armas de choque. Nestes cursos, eles têm aulas teóricas e práticas simultâneas, com longas horas de trabalho e intervalos insuficientes para o retorno às residências para a higienização das fardas e contato com familiares.
Humilhação e desrespeito
Muitas denúncias revelam casos de humilhação dos soldados pelos oficiais, punição aos que reclamam, casos de racismo e desrespeito até mesmo aos profissionais do direito, como aconteceu com a advogada em Caxias de Sul, que foi ameaçada por oficial. Em áudios e com as identidades protegidas, a deputada mostrou comentários sobre os cursos de policiamento ostensivo de Santa Maria e Caxias do Sul, com relatos sobre os excessos nos horários de serviço e folgas insuficientes, assim como as técnicas que estariam violando os direitos humanos dos próprios soldados e sargentos.
“Tenho recebido denúncias de tratamento humilhante por parte dos oficiais nesses treinamentos, com casos até de hospitalização, escalas de trabalho irregulares, evidenciando práticas antiquadas e desumanas que formam também policiais desumanos. Como esses policiais vão respeitar os direitos humanos da população?”, questionou Luciana Genro. Os casos de agressão violenta ao torcedor Raí, em Porto Alegre, e a morte brutal do jovem em São Gabriel evidenciam o resultado desse treinamento desumano e severo, ponderou a deputada.
Conquistas da Brigada Militar
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli, antecipou que os casos apontados serão revistos pela corporação mas argumentou que a “operação visibilidade” é um recurso para intimidar a criminalidade que disparou nos últimos meses em Porto Alegre, especialmente, nos meses de agosto e setembro. Explicou que o peso dos equipamentos do policiamento ostensivo não pode ser alterado, lembrando que há pouco tempo estavam em falta na corporação e agora completam a vigilância das ruas juntamente com as viaturas semiblindadas, que ele considera uma conquista da BM porque oferecem mais proteção ao policial. Por esse motivo, inclusive, foi adotado o policiamento com um policial e a viatura em locais de visibilidade, nos Pontos de Base, os PBs. Essa tática funcionou e em três meses os crimes letais e intencionais na Capital caíram de 48% para 30%. Sobre o longo período em pé e sozinho com a viatura nos locais de visibilidade, observou que está conforme as normas internas e a carga horário mensal e as folgas dos brigadianos.
A respeito dos espargidores ou agentes químicos, utilizados nos treinamentos, Feoli disse que se trata de opção disponível ao profissional da segurança no emprego de situação de graduação de força. “É importante e várias polícias do mundo utilizam”, referiu. O uso desses produtos nos treinamentos permite que o policial experimente a potência do agente químico para depreender daí o limite a ser utilizado nas situações de confronto e perigo, pois terá noção também do período de descontaminação do agente químico, que tem efeito incapacitante temporário. Também a arma de choque acrescenta qualidade e opções para emprego pelo policial nas situações adversas do cotidiano, afirmou.
Preparação técnica
Esses cursos de habilitação e treinamentos são realizados nos polos de Santa Maria, Santa Rosa, Passo Fundo, Caxias do Sul, Osório e Porto Alegre. E está previsto o emprego no policiamento ostensivo nas demandas locais, como em Caxias do Sul, em que os policiais atendem a Oktoberfest de Igrejinha e em Santa Maria, que desloca as forças militares para a Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, e depois todos têm a devida compensação em horas de folga. Reconheceu, no entanto, que pode estar faltando “comunicação adequada para que todos os alunos sejam contextualizados sobre o fluxograma do curso”.
Feoli observou, a respeito do aquartelamento, que se trata de previsão regulamentar. As questões pessoais apontadas, que impedem a higienização das roupas em tempo hábil, classificou como situação de organização pessoal. Mas admitiu avaliar essa situação. E anunciou mudanças no fardamento da Brigada Militar, mais moderno e confortável para enfrentar as mudanças climáticas, e também coturnos de melhor qualidade.
Seguiram-se manifestações das entidades de oficiais, sargentos e soldados da Brigada Militar, e também de advogados, como Maria Vicencia Barbosa, que relatou o caso de intimidação sofrida em audiência provocada por um oficial. Ela atua nos casos de discriminação administrativa abusiva e foi ameaçada no 12º Batalhão de Caxias do Sul, para que desistisse das ações sobre as atitudes abusivas ou seus clientes “sofreriam punição retroativa”. Ela apresentou as provas da sessão, que foi gravada, e formalizou denúncia à BM. O caso foi encaminhado pelo comandante Feoli à Corregedoria.
Por último, policial militar em depoimento online desabafou caso de assédio e abuso de autoridade, e racismo. Ele desistiu da corporação, depois de 13 anos de vínculo no 12º Batalhão de Caxias do Sul, “cansado de assédio e abuso de autoridade e perseguições”. Feoli assegurou que a corporação tem a mesma régua para todos e admitiu que os processos estão em revisão. “Temos visão direcionada para acolher os policiais, se existe algum desvio, estamos apurando, inclusive os que foram citados aqui”, garantiu.
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