Viatura da Rota sai do batalhão em velocidade para uma operação em SPImagem: 23.ago.2017 - Jorge Araujo/Folhapress
RESUMO DA NOTÍCIA
- PM é suspeito de matar um colega de farda em Itaquera em fevereiro deste ano
- O policial morto havia denunciado o PM suspeito dias antes para outros policiais
- Entre as denúncias, a de que agiu em homicídios determinados pelo PCC em SP
- Defesa do policial afirma que ele é inocente e que será solto assim que depuser
O sargento Farani Salvador Freitas Rocha Júnior, 36, do 4º BAEP (Batalhão de Ações Especiais), é suspeito de ter envolvimento na disputa interna do PCC (Primeiro Comando da Capital) de 2018, que culminou com uma série de homicídios no bairro do Tatuapé, zona leste da capital. A Polícia Civil suspeita que ele já tenha prestado serviço de "matador" para a facção.
Farani teve a prisão temporária de 30 dias decretada pela juíza Paloma Moreira de Assis Carvalho, da 1ª Vara do Júri da Capital, por um outro crime em 1º de junho. Ele foi levado para o presídio militar Romão Gomes, na zona norte da capital.
Os advogados do sargento entraram com pedido de Habeas Corpus em favor do cliente, no Tribunal de Justiça, mas a solicitação foi indeferida no último dia 7. Eles sustentam que Farani é inocente e que a "verdade virá à tona e que ele será solto assim que prestar depoimento".
"A defesa do sargento Farani está confiante e segura de que, com as investigações imparciais, como têm acontecido no inquérito presidido pelo DHPP e no IPM (Inquérito Policial Militar), a verdade será escancarada nos próximos dias", disse o advogado do policial.
Ele é acusado de ser o mandante do assassinato do cabo Wanderley Oliveira de Almeida Júnior, 38, ocorrido em fevereiro deste ano, em Itaquera, zona leste. A vítima levou 22 tiros.
Dias antes de morrer, o cabo Wanderley se dizia muito preocupado e temia por sua integridade. Ele planejava denunciar à Polícia Militar a ligação de Farani com integrantes do PCC e com a cobrança de propina de até R$ 100 mil contra traficantes de drogas de Cangaíba, também na zona leste.
Farani e Wanderley trabalharam juntos no 4º BAEP. A amizade dos dois ficou estremecida em 2018, quando o sargento pediu alguns favores para o cabo.
O primeiro pedido foi sobre informações de Márcio Alario Esteves, o Turim, braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do PCC. Ambos ficaram presos juntos na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, distante 610 km da capital.
O segundo favor foi ainda mais preocupante: o levantamento das placas de um Audi, cujo proprietário seria Cláudio Roberto Ferreira, o Galo, assaltante de bancos ligado à cúpula do PCC.
Três dias depois do levantamento dos dados do automóvel, em 24 de julho de 2018, Galo foi fuzilado com 70 tiros de fuzil no Tatuapé. Ele foi acusado de ter atraído Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, homem da cúpula do PCC, para uma emboscada, também no Tatuapé.
Cabelo Duro também foi morto com tiros de fuzil, no dia 23 de fevereiro de 2018. Uma semana antes ela havia participado dos assassinatos de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, dois líderes do PCC, na região metropolitana de Fortaleza, no Ceará.
Por algumas das imagens registradas na morte de Cabelo Duro, um dos atiradores fica ferido com estilhaços na perna. Farani teria um ferimento na mesma região, segundo o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Assim que soube da morte de Galo, o cabo Wanderley entrou em pânico. De acordo com apurações do DHPP, Wanderley e o sargento Farani discutiram bastante.
Um dos receios do cabo era que as investigações sobre a morte de Galo chegassem até ele e o envolvessem no crime por causa do levantamento das placas do Audi dirigido pelo assaltante de banco.
Mas o maior medo de Wanderley era se tornar uma espécie de "queima de arquivo" por saber da ligação de Farani com o crime organizado. O cabo havia descoberto o envolvimento do sargento com dois criminosos do PCC. Um deles é conhecido como "Well da Facção" e outro como "Cebola".
Acusações, medo e morte do colega de farda
Segundo Wanderley, o sargento recebia de R$ 50 mil a R$ 100 mil de propinas de traficantes de drogas do PCC na região da Favela Caixa D'Água, no bairro de Cangaíba.
Wanderley, ainda assustado, saiu do 4º BAEP e foi transferido para outro batalhão da zona leste. Mas ele tinha outros amigos no antigo quartel. E avisou para quatro deles, poucos meses antes de ser morto, que se algo de ruim acontecesse com ele, o responsável seria o sargento Farani.
O cabo alertou os amigos de farda por gravações de áudio, por meio de seu telefone celular. O DHPP acredita que os conteúdos das mensagens foram vazados para o sargento Farani.
Na noite de 5 de fevereiro deste ano, Wanderley foi assassinado por dois homens no Largo da Matriz, em Itaquera. Ele estava em um restaurante japonês.
Os criminosos chegaram a pé, com uniformes semelhantes aos de gari e usando óculos de proteção. Também carregavam sacolas com lanches do Burger King. Um deles falou: "É ele o polícia". O outro, imediatamente, tirou a pistola 9 mm da sacola e disparou 22 vezes contra o cabo.
Wanderley ainda foi levado para o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera. O DHPP apurou que a equipe do sargento Farani estava a um quilômetro de distância do local do assassinato e foi uma das primeiras a chegar.
Segundo o DHPP, uma funcionária do restaurante pegou o celular de Wanderley para pedir socorro ao 190, mas não conseguiu porque não sabia a senha do aparelho.
A equipe do sargento Farani teve acesso ao celular, mas como não conseguiu também acessar o equipamento, devolveu para a testemunha. O aparelho não foi apresentado na delegacia onde a ocorrência foi registrada e acabou sendo entregue à mulher de Wanderley no hospital.
Além da não apresentação do celular no DP (Distrito Policial), o Citroën do cabo Wanderley, estacionado perto do local do assassinato, foi todo revirado e a arma dele não foi encontrada.
Cena do crime foi alterada, diz polícia
No dia seguinte ao crime, um policial militar da equipe de Farani estava de folga e percorreu o comércio de Itaquera à procura de imagens de câmeras de segurança.
O DHPP descobriu que o policial militar mentiu para os comerciantes ao se apresentar como integrante do serviço reservado da corporação. Segundo o Departamento de Homicídios, o PM jamais teve essa atribuição e teria agido assim para eliminar possíveis provas.
Para o DHPP, a cena do crime também foi alterada. Dias depois do assassinato, investigadores do departamento tiveram acesso ao celular do cabo. A mulher dele concordou com a quebra do sigilo.
As perícias realizadas no aparelho confirmaram os áudios e mensagens repassados por Wanderley para os amigos de farda, alertando que ele temia ser morto.
Dois policiais militares amigos de Wanderley também prestaram depoimento no DHPP na condição de testemunhas protegidas. Um deles é identificado como A e outro como B.
Ambos confirmaram que Wanderley comentou com eles sobre o temor de ser morto por Farani porque havia descoberto o envolvimento do sargento com o crime organizado.
As suspeitas do DHPP são de que o sargento Farani tenha participado do assassinato de Cabelo Duro, um dos maiores traficantes de drogas do PCC, e também da morte de Galo, este último como "queima de arquivo".
Ex-Rota, envolvido em sete homicídios
Investigadores do DHPP apuraram ainda que Farani ingressou na Polícia Militar nos anos 2000. Ele é filho de um policial militar reformado e já trabalhou no 29º Batalhão, na zona leste. Farani também passou pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e depois foi transferido para o 4º BAEP.
Na ficha de Farani, segundo apurações do DHPP, constam envolvimento direto em sete homicídios. Ele responde a 11 inquéritos policiais. O sargento usava uma picape Toyota Hilux blindada.
Os advogados de Farani sustentam que ele é inocente e que a "verdade virá à tona e que ele será solto assim que prestar depoimento", provavelmente este mês. Já o DHPP afirma que o PM tem grande chance de ser indiciado pelas mortes de Galo e Cabelo Duro.
Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que "o caso é investigado por meio de inquérito policial pela 3ª Delegacia de Divisão de Homicídios do DHPP".
"O policial citado está preso em cumprimento de um mandado de prisão temporária concedido pelas Justiça. Diligências seguem em andamento em sigilo policial", disse a pasta.
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